domingo, 10 de junho de 2018

EWÉ, A FORÇA QUE VEM DAS FOLHAS !


Por
Bàbá Asògún Olúmo (Ulisses Manaia)

Texto publicado na revista:
Candomblés, nº 1, Editora Minuano,
Fevereiro de 2011

KÒ SÍ EWÉ, KÒ SÍ ÒRÌSÀ!

Expressão no idioma Yorùbá que quer dizer: "Se não há folhas, não há Òrìsà!" Esta expressão dá ao leitor o entendimento da importância das folhas dentro dos rituais de origem africana, no entanto, queremos aqui ampliar este conceito, traduzindo por folhas os vegetais de um modo geral, incluindo além de suas folhas, seus frutos, sementes, e até mesmo seu caule; e traduzindo por Òrìsà, os diversos usos "mágicos" desses vegetais.

Na caminhada evolutiva do homem, que hoje a maioria dos estudiosos acredita ter começado no continente africano, ele se valeu da observação da natureza para o desenvolvimento de habilidades que até então ele não possuía e, naquele continente onde "tudo começou", sociedades ditas "animistas" ou "tradicionais" continuam até hoje vivendo em harmonia com a natureza, dela tirando ensinamentos para a sua vida social. Animistas porque acreditam que "toda manifestação viva pressupõe a presença de uma força vital, determinante do ideal de viver", e que utilizando práticas específicas esta "força" poderá ser utilizada em seu favor! E dentro deste conceito os vegetais representam um grande potencial de possibilidades.

"Se para a medicina ocidental o conhecimento do nome científico das plantas usadas e suas características farmacológicas é o principal, para os Yorùbá o conhecimento dos ofò, encantações pronunciadas no momento da preparação das receitas e transmitidas oralmente, é o que é essencial. Neles encontramos a definição da ação esperada de cada uma das plantas que entram na receita." (Ewé,Pierre Verger, 1995).

Bom, diante dessa referência concluímos que as plantas e seus derivados não são utilizados aleatoriamente, visam atender necessidades específicas, ou seja, qual o resultado esperado? Ou ainda: utilizar a folha certa no momento certo! Vimos também que a ação esperada dessas folhas está ligada ao que vai ser dito no momento de sua utilização, o ofò, que nada mais é do que a utilização da palavra enquanto transmissora de àse. Verger diz ainda que à primeira vista é difícil perceber nas diversas "receitas", que tem como ingredientes elementos vegetais, qual é a parte "mágica", ou seja, aquela que o efeito vai se dar pelo àse nela contido, e quais as virtudes testadas experimentalmente dessas plantas, ou seja, ele diz com isso que muitas dessas plantas já tiveram suas propriedades farmacológicas comprovadas.

Dentro desse contexto quero destacar o trecho de uma canção brasileira, interpretada pela célebre cantora baiana Maria Bethânia:

"Salve as folhas brasileiras! Salvem as folhas para mim! Se me der a folha certa, e eu cantar como aprendi, vou livrar a Terra inteira de tudo que é ruim! Eu sou o dono da terra, eu sou o caboclo daqui! Eu sou Tupinambá que vigia, eu sou o dono daqui!"

O que me chamou atenção nessa composição, e que destaco para o leitor, é que ela ilustra o trecho acima de Verger, e mais ainda, a utilização das folhas está associada a um dos grupos indígenas brasileiros, sugerindo que esses nativos, primeiros habitantes do nosso País, também conheciam essa prática!

Ainda de Pierre Verger:

"Na língua Yorùbá, frequentemente existe uma relação direta entre os nomes das plantas e suas qualidades, e seria importante saber se receberam tais nomes devido às suas virtudes ou se devido a seus nomes, determinadas características foram a elas atribuídas."

Como ilustração, transcrevemos o trecho de uma preparação Yorùbá para obtenção de dinheiro:
PÈRÈGÚN NÍ Í PE IRÚNMOLÈ L'ÁT'ÒDE ÒRUN W'ÁYÉ!
Pèrègún que chama os espíritos do além para a terra!)

PÈRÈGÚN WÁ LO RÈÉ PE AJÉ TÈMI WÁ L'ÁT'ÒDE ÒRUN!
(Pèrègún, agora vá e chame minhas riquezas do além!)

Nesta preparação encontramos referência a uma folha, conhecida pela maioria de nós: o Pèrègún, cujo nome é a contração do verbo "PÈ", que significa chamar, com a palavra "EGÚN", que significa espírito, ancestral, etc. Percebe-se então que esta folha tem a finalidade de "chamar (invocar) espíritos", e que a própria pronúncia de seu nome já funciona como um ofò!

No caso da receita acima, a sabedoria daqueles nossos ancestrais yorubanos que a elaboraram fez esse trocadilho: se Pèrègún pode chamar espíritos, pode chamar a riqueza! Certa vez ouvi de meu "bàbá" que o negro yorubano tem sobre nós a vantagem do uso corrente do idioma, enquanto nós aqui no Brasil ficamos presos a textos prontos, que nos foram transmitidos ao longo do tempo.

Para algumas pessoas, principalmente para aquelas que não estão ligadas aos cultos de matriz africana, pode parecer um tanto "primitivo" pensar dessa maneira, digo, esperar resultados a partir da utilização de certas plantas, de sementes, etc., enfim de elementos da natureza, aparentemente inanimados. No entanto, repetimos, existe por traz da utilização desses elementos uma questão cultural. Eles se utilizam desses elementos da natureza acreditando que eles expressam as suas necessidades perante o "Criador", o destino final de seus pedidos:

"…uma composição mágica parece ser considerada como uma coleção de coisas materiais, às quais é dado um valor simbólico; juntas constituem uma mensagem…" (Ewé, Pierre Verger, 1995)

Entre os Yorùbá, os ofò são frases curtas nas quais muito frequentemente o "verbo" que define a ação esperada, chamado de "verbo atuante", é uma das sílabas do nome da planta ou do ingrediente empregado. No entanto, o elo entre o nome da folha e a ação esperada, invocada através do ofò, não se limita apenas ao verbo, mas pode aparecer em uma frase curta ou longa, nesse caso estabelecendo uma relação simbólica entre algumas "características naturais" daquela planta a as "necessidades" do homem.
Vejamos alguns exemplos:

ÀT'ÒJÒ ÀTEÈRÙN KÌ Í RE TÈTÈ
(Tètè nunca está doente, nem na estação chuvosa nem na seca)

Este ofò faz referência a uma folha conhecida popularmente por Bredo ou Caruru de porco, e cujo nome yorùbá é Tètè. É uma folha facilmente encontrada, tanto no meio urbano, nas margens de calçadas, como no meio rural, e confesso que antes de conhecer o seu valor ritual, passava-me despercebida, assim com muitas folhas que não conhecemos! Percebemos pela tradução que é uma planta resistente às variações da natureza, permanecendo sempre saudável, e não é este tipo de força que
queremos para nossa vida?

OJÚ ORÓ NI Ó N'LÉKÈ OMI, TÈMI Ó L'Á LÉ
(Ojú oró flutua na água, eu também ficarei por cima)

Ojú oró é conhecida popularmente por Erva de Santa Luzia, é uma planta aquática, encontrada em rios ou lagoas. Percebemos que nesse ofò evoca-se o poder dessa planta de conseguir manter-se sempre por cima da água!

Em território yorùbá, na preparação dos trabalhos ligados à obtenção de todo tipo de sorte, ou para afastar algum mal, esses vegetais são pilados e misturados ao sabão africano Ose (oxé) Dudu, com o qual toma-se banho, ou então são torrados, até a obtenção de um pó, que poderá ser misturado à comida, a bebidas destiladas, ou até mesmo esfregado em incisões feitas no corpo, particularmente nos punhos.

Essas práticas quase não sobreviveram aqui no Brasil, por ocasião da reestruturação do culto aos Òrìsà, no entanto há uma prática viva entre nós: o Oro Asa Òsónyìn ou Sassanha, como é mais conhecido, um ritual realizado nas casas de raízes yorùbá, que significa basicamente: Ritual de proteção de Òsónyìn. Utilizamos o recurso dos "cânticos da folhas" para determinar que as oferendas sejam cobertas de realizações, uma vez que esses cânticos possuem "verbos atuantes" que facilitam a comunicação entre o povo e os Ancestrais Divinizados. No caso de uma Iniciação para Òrìsà ou "Feitura de Santo", este ritual é realizado para preparar a "esteira", onde ficará deitado o iniciado e o "banho" para lavar todos os seus objetos rituais, bem como para os seus banhos matinais diários.

Referências Bibliográficas:

MONTEIRO, Marcelo. Curso Teórico e Prático de Folhas Sagradas:
Oro Asa Òsónyìn, Rio de Janeiro, 1999, 59 p., Biblioteca Nacional.

VERGER, Pierre. Ewé: o uso das plantas na sociedade Ioruba, São Paulo, Companhia das Letras, 1995.

BETHÂNIA, Maria. CD: Dentro do mar tem rio, Gravadora Biscoito Fino, RJ. Dados disponíveis em https://biscoitofino.com.br/produto/dentro-do-mar-tem-rio-3/#descricao


Transcrição e adaptação: Luiz L. Marins. www.luizlmarins.com.br

Primeira publicação na internet no site do grupo Boiadeiro Rei:

sexta-feira, 8 de junho de 2018

QUEM FOI O PRIMEIRO OONI IFE ?















Erick Wolff

Junho de 2018

De acordo com Samuel Johnson, em: The History of the Yorubas, cap. 1, p. 11, a palavra "ni" vem de "Owòni", que é uma contração de "Omo Oluwò ni", e significa "o filho de uma pessoa que foi sacrificada". Esta é a origem do termo ni.

Òdudùwa foi o progenitor dos Iorubas, mas nunca foi ni Ifè, pois este posto veio a existir depois.

Resumidamente, após a morte de Òdudùwa, Oranyan assumiu o trono de Ifè, mas ausentou-se para guerrear, quando, então, fundou Òyó.

Nessa ausência, ele deixou no lugar um servo fiel e sumo sacerdote chamado Adimu O, que era conhecido por ser "Omo Oluwò ni".

Oranyan nunca mais voltou, e transferiu o poder político para Òyó, vindo então Adimula, seu servo fiel, a ser o governante real em Ifè.
 
Desta forma, segundo Johnson, o ni Ifè é o rei em Ifè, mas não é o rei dos Iorubas, e nem é descendente direto de Òdudùwa, como está sendo veiculado nas mídias sociais.

Assim, de forma isenta, é importante esclarecer que o líder dos reis Iorubas é o Aláàfin Òyó, Oba (Dr.) Lamidi Olayiwola Adeyemi III, Iku Baba Yeye, descendente consanguíneo de Oraniyan e Òdudùwa.


Acréscimo:

Um interessante debate sobre este tema foi desenvolvido no grupo Orisa University, no Facebook, no qual alguns nativos Iorubas confirmaram que o Ooni Ife não é descendente de Òdudùwa, e não é o rei dos reis Ioruba. O debate pode ser lido no link abaixo:
https://www.facebook.com/groups/orisauniversity/permalink/402621993546667/

Referência:




domingo, 20 de maio de 2018

OXALÁ OROMILAIA NÃO É ORUNMILÁ-IFA

Por Erick Wolff de Oxalá

Em 20/90/18


Revisado em 06/04/2023


1) Oxalá Oromilaia da tradição do Batuque do RS, nunca foi, e não é Orunmilá-Ifá.


Entretanto, em virtude das muitas informações que temos hoje na internet sobre o culto de Ifá, alguns sacerdotes do batuque, não se sabe porque,  querem a todo custo ligar Oxalá Oromilaia à Orunmila-Ifá, talvez apenas por uma similaridade ortográfica.

No Batuque não era comum iniciar pessoas para este orixá, pois os antigos o consideravam uma divindade muito velha que rege a visão; na minha família e na maioria do Batuque do RS, é este o procedimento. Entretanto existem algumas famílias que fazem feitura para Oxalá Oromilaia.

Oxalá Oromilaia está ligado ao nosso oráculo (jogo de búzios) no Batuque do RS... Já, o Orunmilá-Ifá está ligado ao jogo de ikin-Ifá. Não existe registros, rituais ou elementos que vinculem um ao outro, pois Orunmila-Ifá não usa búzios como oráculo.

Oxalá Oromilaia é venerado e invocado durante os rituais de preparação do oráculo; no entanto, que fique claro, que o jogo será consagrado para o orixá qual o iniciado foi feito, ou seja, este jogo pertence ao orixá daquele sacerdote.

Existem registros de famílias de algumas tradições do Batuque do RS que assentam em okuta e entregam a cabeça para o Oxalá Oromilaia, e em alguns casos existe a manifestação (ocupação) deste oxalá, que, ao chegar, o colocam num banquinho e o deixam ali até o final da festa, onde ele pode dançar uma ou duas cantigas antes de ir embora (por respeito ao tabu da ocupação, não revelaremos os nomes). Já nos rituais de Ifá, o assentamento principal de Orunmilá-Ifá é feito no Ikin, lembrando que não existe incorporação de Orunmilia-Ifá. 


Babalawo Ifatokun, Aare Isese Alaafin Oyo, fala que o Babalawo não sabe jogar búzios:



O Babalawo não sabe jogar búzios, 
por que orunmilá-ifá
não usa e não sabe usar este oráculo.




2) Na intenção de mostrar que Oxalá Oromilaia e  Orunmilá-Ifá não são o mesmo orixá, daremos algumas informações sobre Oxalá Oromilaia:



Os Oxalás cultuados na tradição do Batuque do RS:

Oxalá Obokun, Oxalá Olokun, Oxalá Dakun, Oxalá Jobokun e Oxalá Oromilaia.

Saudação a Oxalá: Oxalá Oromilaia - Epaô eebaba (é a mesma saudação de todos os Oxalás cultuadas na tradição do Batuque do RS)

Domingo é o dia da semana consagrado a Oxalá Oromilaia

Os números múltiplos de Oxalá de Oromilaia: 04, 08, 16, 32, ...

Cores do fio de contas correspondentes a Oxalá de Oromilaia: branco e preto (02 contas de cada cor).

Oferenda para Oxalá Oromilaia: canjica branca cozida, 04 ovos partidos cada um em dois pedaços, ao comprido, ameixa preta.

Lugar onde se levam as oferendas para Oxalá Oromilaia: na beira da praia de água salgada ou doce, nos rios com pedras.

Algumas ferramentas de Oxalá Oromilaia: opaxorô, cajado, imagem de uma pomba, pilão branco, búzios, joias de prata, igbin de chumbo, entre outras, lembrando que pode ir um par de olhos de vidro.

Cantigas de Oxala Oromilaia.








3) Babalorixá de Oxalá usando 8 búzios em suas consultas, como vemos na tradição do Batuque, Oxalá de Oromilaia abençoando o jogo de búzios:






Solomon Omojie-mgbejume Jeff Gonzalez verdade. Você se lembra de dez kolanut lançando quando egbe estava sendo feito ib ilaro?
Em algumas áreas em Ekiti, sacerdotes Oxalá usam 8 búzios também (tradução digital).



IDASA DIVINATION SIYSTEM ... https://asaorisaalaafinoyo.files.wordpress.com/2019/04/asa-orisa-news-18-fev-2017.pdf

Link - ILÊ AXÉ NAGÔ KÓBI: CARTA DE AGRADECIMENTO (JOGO DE BUZIOS UNESCO) (iledeobokum.blogspot.com)





4) JOGO DE OITO BÚZIOS


Por Babá Ifagbemi - Ile Ifa Ogbeate

Postado em 10/12/2022 acessado às 19:46



"Embora estejamos acostumados com o Sistema de Adivinhação de Dezesseis Cowries, "Ẹẹ́rìndínlógún", aqui você vê uma demonstração de Oito Cowries, comuns em partes de Òndó e Èkìtì (e alguns outros lugares na Terra Yorùbá também).

Bàbá referiu-se aos búzios como "Ajé" que foram obtidos/provenientes/rastreados de Olókun... daí o nome do Sistema de Adivinhação. Também sabemos da proximidade e das relações entre Olókun e Ajé.

Bàbá Orò é um Sacerdote Ọ̀sanyìn... de Ìkẹ́rẹ́-Èkìtì."


Link 

JOGO DE OITO BUZIOS ...

https://iledeobokum.blogspot.com/2022/12/sistema-de-divinacao-com-8-buzios.html


IDAASA ERINDILOGUN

Na data de 20/05/2021, coletamos uma publicação de sua Majestade Imperial, Iku Baba Yeye, Alase Ekeji Orisa, Oba (Dr.) Lamidi Olayiwola Adeyemi III, JP, CFR, LLD, SAP, D.LITT, DPR, o Alaafin de Oyo, ao qual registra que o jogo de búzios é mais antigo da terra Ioruba, e que é usado por quase todas as conunidades de orixá:
[...]

 

IDAASA ERINDILOGUN é um dos oráculos mais antigos da terra iorubá originada por Obatala; É uma prática antiga usada por muitas comunidades de Orisas. [ o grifo é nosso]

 

[....]






 

Fonte - https://www.facebook.com/search/top/?q=IDAASA%20ERINDILOGUN%20e%CC%81%20um%20dos%20ora%CC%81culos%20mais%20antigos%20da%20terra%20ioruba%CC%81%20originada%20por%20Obatala%3B%20%20E%CC%81%20uma%20pra%CC%81tica%20antiga%20usada%20por%20muitas%20comunidades%20de%20Orisas

TIKTOK ERICK WOLFF