FUNDA-NKANU
FUNDA-NKANU é o julgamento de uma querela. Funda-Nkanu é palavra composta, como perfeitamente se nota. É composta de: Do verbo KUFUNDA - Acusar, denunciar, informar, e de NKANU substantivo Questão, julgamento, processo. O julgamento das questões é sempre feito pelos chefes. São eles os juízes (Likunzi, pl. Makunzi - árbitro).
Essas questões podem ser pela falta de cumprimento das leis de Lusunzi, leis morais indígenas. Provocam, logo que conhecidas directamente ou por denúncia feita pelos próprios infractores, o Funda-Nkanu. Outros factos que podem ser colocados em tribunal por quem se julgar lesado ou ofendido:
Para que haja Funda-Nkanu o queixoso apresentasse ao Nfumu-Nsi, ao chefe da terra.
Fig. P 70 - Representacao do peixe Mbuli-Vanga encontrado num tumulo (0,19x0,15)
Com os seus bananga o chefe vai estudando o caso e procura saber como as coisas se deram, Nada lhes escapará, ordinariamente. A noção da justiça é das mais apuradas que têm.
Assistimos ao julgamento de um caso de incêndio na antiga aldeia do Kindende (a 13 quilómetros da Missão do Lukula). Arderam completamente sete casas - e mais a capela local - e quanto tinham dentro.
O fogo começou numa certa casa. O dono dela foi dado por culpado, e tudo perdera também, uma vez que a mulher fazia o fogo na lareira a uma distância inferior à regulamentar, que devia ser de uns 90 centímetros aproximadamente.
O Nfumu-Nsi e seus bananga tudo tinham ido ver e medir.
Compreendem-se estas exigências e estas distâncias a que o fogo deve ser feito, uma vez que as casas são de palhas.
Cada uma das partes tratará de arranjar o seu Nkotokuanda (ou Nvuala-Zamatu - advogados) se não quiser, por si mesmo, encarregar-se da defesa.
Cada uma das partes está sentada. E, sentada, fala.
A «sala» do tribunal é quase sempre o ar livre e, tanto quanto possível, debaixo de uma Nsanda (Ficus psilopoga ou Ficus religiosa). Para este fim existia quase sempre junto da casa do chefe uma destas árvores.
Também perto destes locais de Funda-Nkanu se plantava a Lilemba-Lemba (Brillantaisia alata).
Faltando a Nsanda reúne-se o tribunal, muitas vezes, debaixo de uma muanza, alpendre público, que se encontra ao meio de quase todas as aldeias.
Todos presentes e nos seus lugares, o Nkotokuanda do Nfumu-Nkunzi pede silêncio e apresenta a razão da assembleia e dá a palavra ao queixoso.
Só depois a queixoso, pessoalmente ou por meio do seu Nkotokuanda, expõe a sua queixa e suas razões.
Cada uma das testemunhas, quer de acusação quer de defesa, costumava fazer como que um juramento a um feitiço presente, isto em tempos passados.
E era feito do modo seguinte: «Eu vou dizer tudo o que vi e ouvi. E se é mentira o que vou dizer que o feitiço (tal) me mate». E pregava um prego no feitiço como que dizendo: que me seja feito a mim isto, que eu morra, se não é verdade o que digo.
Expostos os factos e ouvidas todas as testemunhas, o Nfumu-Kunzi, seus Bananga e os Nkotokuanda de cada uma das partes, afastam-se uns 100 metros e entre eles vão estudar os prós e contras da questão, trocam impressões e avaliam da culpabilidade do acusado.
Reconhece-se a culpabilidade deste ou daquele. Acaba por se saber quem ganha e quem perde, mas ninguém poderá, por ora, divulgar nada.
São, nessa reunião à parte, estipuladas as quantias que cada uma das partes terá a pagar. E um Nkotokuanda, em nome do júri, vai avisar cada uma das partes do quantitativo respectivo. E não há que regatear. Podem acordar as duas partes no que há a pagar e terminar o assunto mais amigavelmente. Ou pagam tudo já, se trouxeram o suficiente, ou dão fiança, que e quase sempre aceite depois de marcado prazo para satisfação.
Tudo resolvido, voltam o Nfumu-Nkunzi, Bananga e Nkotokuanda aos respectivos lugares.
O Nkotokuanda do Nfumu-Nkunzi pede silêncio. Faz o resumo da questão e dos factos e anuncia que o Nfumu-Nkunzi (ou Tata-Makunzi) vai dar a sentença.
As mulheres, então, pareciam diabólicas: propositadamente, em sinal de insulto - é J. Fernandes quem o conta-eram indecorosas, baixas, em nada se importando com o recato, antes pelo contrário.
Nos tempos de agora bastantes assuntos são levados às nossas autoridades administrativas ou mesmo aos tribunais de comarca.
Mas não deixa de continuar a haver muitos julgamentos segundo os velhos hábitos. E quantos levam ao tribunal indígena um assunto depois de resolvido pelas nossas, autoridades?! ...
Não haja dúvida de que, a seu modo, têm uma segura noção de justiça. E, sendo muito duros e pesados nas sentenças e multas, para tirar apetites, a sentença, dada por seus tribunais, a julgam tão justa que raro apelam para outro julgamento.
Outrora sim, no uso da prova da Nkasa («Casca» - Erythrophloeum Le -Testui, A. Chev.) e da faca quente, provas aplicadas pelos feiticeiros, é que havia interesses malabaristas e negócios.
Nem sempre morria o culpado. Outras vezes nem culpado existia ou podia existir: em caso de mortes naturais mas atribuídas a inveja, desejo de vingança, maus olhados, a pessoa que se tornou Ndoki - comedor de almas.
Na prova da faca quente, vista o facto pelo mesmo prisma de interesse, era condenado aquele a quem mais forte e mais imediatamente empolasse a pele. Mas é que a faca também era mais ou menos aquecida e, na perna dos sujeitos à prova, era assente mais leve ou menos levemente, ou se lhes esfregavam certas folhas que podiam ou não enfraquecer a acção da faca quente. E queimaria tanto menos quanto maior fosse a espórtula!
Mesmo assim, aceitavam estoicamente a sentença e os familiares davam graças por se verem livres de um «criminoso» que existia no seio da família.
Em Portugal em África, ano 1896, pág. 119, pode ler-se:
« ... apenas engolem o veneno - refere-se à prova da Nkasa - caem por terra espumando, lançando gritos horríveis e estorcendo-se em atrozes convulsões. A multidão não espera que acabe para se precipitar sobre ele em com - paus e facas, enchê-lo de pancadas e desfazê-lo em pedaços. Os membros ensanguentados são pendurados a uma árvore, onde são devorados pelas avos de rapina. São os parentes do réu que lhe dão a primeira pancada e fazem-no agradecendo ao Céu o tê-los livrado do monstro que ousou comer a alma de alguns de seus semelhantes!»
Nsema costumava ser o nome que se dava ao condenado à prova da Nkasa.
Battel afirma que a prova do veneno Bonda - correspondente à prova da Nkasa - era praticamente semanal e que levava muitos inocentes à morte.
Já se não aplica a prova da Nkasa nem a da Faca quente.
Mas jamais voltou a ser aplicado o veneno da Nkasa? Pública e oficialmente e em julgamentos como outrora, não. Particularmente, por vingança, por inveja, etc., etc., que o digam os naturais. São os primeiros a estar convencidos de que o veneno da Nkasa, e até outros, fazem os seus estragos.
Por que é que, ainda hoje, ninguém oferece bebida a outrém sem primeiro ser ele a beber, sobretudo tratando-se de vinho de palma?
Nos tempos que já vão longe, o condenado a uma pena capital era executado imediatamente. Se por qualquer motivo não podia ser executado logo - o que era raro - era metido no cepo, pau pesado com duas fendas, duas cavidades, para prender os pés junto ao tornozelo, sendo-lhe pregado, por cima, um mais fino.
No tempo da escravatura, alguns condenados à morte chegaram a ser vendidos como escravos. Sempre se ganhava alguma coisa!...
Chegavam igualmente os escravos a ser vendidos para pagamento das dívidas de seus senhores. Isto entre os próprios naturais.
Manhema, aos ladrões apanhados à terceira vez, obrigava-os a abrir a própria sepultura. Tinham de dançar em volta da cova durante toda a noite e, de manhãzinha, eram enterrados vivos. (O presidente Bokassa, do Bangui, não acabou por adoptar ultimamente as velhas medidas antigas contra os ladrões?
Passou a adoptar o seguinte: para o primeiro roubo, uma orelha cortada; para o segundo, outra orelha cortado; terceiro roubo, amputação da mão direita; para o quarto roubo, a execução, pura e simples, em praça pública.)
Para golpes graves, o autor podia ser feito escravo, ainda que pudesse fazer-se substituir por um escravo seu.
Não havia, nunca houve e nem há prisão celular.
Nos tempos de hoje, nos tribunais indígenas, as penas resumem-se em multas mais ou menos - mas muito mais do que menos - pesadas. Os chefes e seus bananga - que ainda hoje existem! - não deixam de se governar muitíssimo bem.
E há tanto segredo ainda por se desvendar neste capítulo!
- Todos têm direito a ela, como o filho do antílope ngulungu deve ter o mesmo direito de andar à solta, sem ser apanhado e morto, como o filho do leopardo.
- Aplicada a todos, como peixe-serra que não poupa os peixes que se lhe colocam na frente.
- Para ser perfeita, ouvir as duas partes como o homem para ter perfeita audição ouvirá pelas duas orelhas.
- Não pode olhar a, considerações, como o tubarão que não poupa os próprios filhos.
- Em assuntos de justiça não se olha a pessoas.
- Justiça é justiça, doía a quem doer, mesmo que seja a mulher do curandeiro Lemba ou o Nfumu-Nsi.
- A cada um o que lhe pertence. Lá por que a galinha tem dono, não se lhe rouba o grilo que apanhou.
O MAL
Sem motivo, nunca tem justificação: não se bate mesmo num cão, sem haver motivo que o justifique.
- Que se ganha com fazer o mal? Fazendo feitiço para matar o cão, que se pretende, que bem daí pode advir?
- Deixa sempre traços o mal que se faz: é como cobra que deixa os rastos de sua passagem ou o «safú» que marca os lábios de quem o come.
- Nem sempre é irreparável: pode ser com o meretriz que leva os anéis mas não os dedos.
- De dois males escolhe-se o menor: o macaco ferido não sobe para as árvores.
- Não se deve pagar o bem com o mal: não se cortam as raízes à árvore que nos dá sombra.
- Há pessoas que, longe de fazerem o bem, fazem o mal: são como grilos nas redes que não consertam os buracos, antes os alargam.
E desta forma que as mulheres Basundi levam a agua para casa
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