17 CABINDAS HISTORIA - CRENÇAS - USOS E COSTUMES: TOMO XVII

DOENÇAS - MORTES - FUNERAIS

Logo que a doença atinge certa gravidade ou se prolonga sem se lhe verem melhoras não deixam de recorrer, nos dias de hoje, aos hospitais ou postos sanitários do Estado ou das Missões.

Mas também, na maioria dos casos, mesmo recorrendo aos hospitais, não deixam de recorrer aos curandeiros e adivinhos. Estes receitam-lhes, comummente, algumas folhas ou raízes medicinais acompanhados de certos actos de magia.

Há, porém, curandeiros - os Zinganga Zimeza - que possuem, em maior ou menor grau, conhecimento do poder medicinal de raízes e folhas. Estes receitam-nas e empregam-nas com felizes resultados, por vezes, não usando práticas de feitiçaria. Mas são raros estes curandeiros. ( Cf. Capítulo IX)
Na maioria dos casos o curandeiro acumula o «ofício» de feiticeiro.

Para pequenos achaques ou pequenas feridas poucos são os indígenas adultos que não conhecem este ou aquele medicamento caseiro para o aplicarem neles mesmos ou o aconselharem a outrem.

Lá como cá «de médico e de louco... todos temos um pouco».

Contudo, quando a doença é muito grave e se pode prever o desenlace, todos os parentes, mesmo os mais afastados e estejam onde estiverem, são chamados para a «confissão» - Fiabiziana.

Notemos desde já que ainda nos tempos de hoje lhes custa a aceitar a morte como natural. Para eles alguém a deseja, alguém a provoca, alguém quer mal ao doente ou à família.

Para a «confissão» os parentes juntam-se à roda do enfermo.

Aí, diante de todos, cada um por sua vez, terá de declarar se algum dia disse alguma coisa contra o doente ou se chegou, mesmo só no seu íntimo, a desejar-lhe mal. Não a fazendo, se o doente morrer, atribuirão a morte à não realização da «confissão» ou, se a tiver havido, deitarão as culpas àquele que tendo alguma coisa contra o doente a não declarou e, sobretudo, contra algum parente que não tenha comparecido. O faltoso será tido por ser o verdadeiro culpado, por ser o «comedor» da alma do extinto, o Ndoki.

Em outros tempos, este faltoso seria levado à prova da «faca quente» ou à da nkasa (a do veneno da «casca» - Erythrophloeum Le-Testui, A. Chev.) .

Mas, mesmo hoje, não deixará de ter de apresentar contas e chegará a concluir que a vida não lhe virá a ser muito longa, pois ainda conhecem muitas formas de desforra...

Nos tempos que correm ainda morre mais gente do que se pode calcular vítima destas e doutras desforras. São os naturais quem tal afirma.

Por isso os parentes correm de muito longe para se apresentarem na fiabiziana. Sendo-lhes absolutamente impossível comparecer não deixarão de apresentar, o mais breve possível, as verdadeiras causas da sua ausência.

Apenas alguém expira a sua morte será anunciada pelo pranto das pessoas de família ao qual se junta, como fogo que se atiça, o de toda a gente da aldeia. O berreiro é ensurdecedor.

Se a morte foi repentina ficam como loucos.

Acabado de morrer, era o defunto ou defunta lavada, rapado o cabelo da cabeça e cortavam-se-lhe as unhas o mais rente possível. Depois de bem limpo, vestiam-lhe os melhores panos e era embrulhado em mais ou menos cobertores conforme a dignidade do morto e família (20, 30, 40, 60, 70 e mais... ).

Vestido com o melhor que tiver e com o que foi, sobretudo, de seu gosto - vi mortos de capacete e com óculos escuros! - é colocado na cama ou sobre uma esteira, enquanto não tem o caixão.

Quase sempre, para que se permita ver a pessoa defunta e para que haja espaço suficiente, é tirada uma ou duas das paredes da casa. Não é difícil, uma vez que estas paredes são de papiros.

Mas já se não faz o mesmo nas casas de carácter definitivo.

As mulheres do defunto e as mais pessoas do sexo feminino que pertenciam à família rapavam a cabeça e quase se despiam totalmente. Esfregavam-se com carvão e, numa cantinela lúgubre, chorada, faziam o pranto. O pranto é contínuo. Traçam nele todos os factos de que se lembram da vida do falecido.
 

Nas aldeias do interior, os homens correm à floresta onde aparelharão, toscamente, as tábuas para o caixão. São quase sempre os homens da família que se encarregam deste trabalho.

Preparado o caixão, sempre no meio do mesmo choro cantado, é envolvido o morto em mais ou menos cobertores, segundo a dignidade deste e riqueza da família. É, depois, encerrado no caixão, que terá sido feito com o comprimento, largura e altura exigidas pelo número de cobertores que o envolvem.
 

O choro cantado dos da família, sempre contínuo, não significa somente dor - que a há - pela perda da pessoa falecida. Mas é também para afugentar os bandoki para que não venham buscar mais ninguém e para que a alma do defunto fique satisfeita.

Se o morto levar 30 ou 60 cobertores, mesmo finos que sejam, pode imaginar-se o volume e tamanho do caixão, E se este uso e gasto vai diminuindo, não se julgue que passou por completo.

É na morte e, sobretudo, no enterro que se faz ideia do que valia o falecido.

Mas nem sempre se compreende ou se tem a explicação para tudo. Assisti à morte de um pobre homem. Morreu praticamente abandonado, Tinha a cobri-lo um saco velho, esburacado e sujo. Metia dá.

Foi enterrado envolvido em 15 cobertores!... Será que os da família o ficaram a temer mais depois de morto do que enquanto vivo?

Cada um dos cobertores que é envolvido nos defuntos levará um valente rasgão, ao meio. É para ninguém ser tentado a violar os caixões e sepulturas, roubando-os. Assim teria acontecido, outrora.

Pessoas de família, à medida que vão chegando, oferecem cobertores e esteiras. Na medida em que o caixão o permite e o podiam prever, lá serão encerrados. Doutra sorte, metidos na sepultura.

Se nada oferecessem, os da família, seriam interpretados como alegrando-se com a morte do extinto? Parece que sim.

É que também de lá, da outra banda, o morto ainda pode fazer mal aos que cá ficam!...

Exteriormente o caixão será revestido de cobertores ou panos até esconderem toda a madeira.

Com facilidade se reconhece, nos caixões dos cristãos, uma cruz feita do mesmo pano ou cobertor que envolve as tábuas.

Guardam hoje a lei das 24 horas. Passadas elas lá o levam a enterrar. Como em toda a parte, a dignidade do extinto ou a influência da família torna o acompanhamento mais ou menos numeroso.

Quatro homens - às vezes mais - pegam ao caixão. Seguram nas pontas de dois paus suficientemente fortes, colocados por baixo do caixão, um junto à cabeceira e outro para o lado dos pés.

Caixões de criancinhas muitas vezes os vimos serem levados à cabeça do pai.

Em outros tempos já afastados os funerais dos mais nobres revestiam-se de um aparato sem igual. Era verdadeira festa a roçar pela orgia.

Cantar, dançar, comer, beber em honra do morto era a melhor forma de o contentar e de fazer com que não venha fazer mal aos que ficam.

É que, conta e descreve Mons. J. Cuvelier, «quando morria um homem, a alma ficava separada do corpo. Esta separação durava enquanto o cadáver não era enterrado. A alma ficava junto do corpo para ver o que os membros da família e do clã faziam».
(J. Cuvelier, op. cit., pág. 114.)

Por que não era enterrado logo, necessário se tornava guardar e conservar o cadáver.

Para isso, ao centro da casa, abria-se uma cova de perto de dois metros de comprimento, por dois de fundo e um de largura.

A uns 60 centímetros do fundo, eram atravessados uns paus, horizontalmente, a fazerem de grelha. Em cima deles estendia-se um luandu e uma esteira. Aí se depositava o morto embrulhado nos cobertores. Quase à superfície colocava-se uma nova fila de paus, mais um luandu e uma esteira, cobrindo-se tudo com terra até ficar nivelada com o chão da casa.

Fazia-se, então, fogo por cima. Fogo aos pés e até ao peito.

Pelos maiorais da terra eram nomeados dois ou três homens que ficavam encarregados de manter aquele fogo dia e noite.

Eram os Ngulu-Nfumu.

Passados tempos este costume da cova desapareceu. Era o morto, então, colocado numa espécie de cama de pernas altas. O fogo era feito por baixo dessa cama-grade a que chamavam Kialata (pl. Bialata).

Outros usavam suspender o morto, horizontalmente, numa árvore fazendo-lhe o fogo por baixo.

Mas o costume mais conservado foi o da Kialata.

Procuravam defumar, antes aquecer e derreter pela acção do fogo, o morto e não o queimar, Logo que a acção do calor começava a derreter o cadáver, havia o cuidado de, com qualquer lata ou recipiente, recolher essa «banha» e derramá-la novamente sobre a parte superior dos cobertores que envolviam o morto.

Nunca faltavam, em qualquer dos casos - cova ou kialata - os Ngulu-Nfumu.

Todos os dias e pelo meio dia um deles pintava com tukula o cobertor superior que envolvia o cadáver.

Este acto era anunciado a toda a aldeia pelo toque do ngongie - espécie de tímbalo de duas bocas.

O bula-ngongie - tocador de ngongie - locava a 1. vez para avisar. A segunda ninguém se poderia mexer do lugar ou posição em que o toque o apanhasse, até terminar a pintadela de tukula anunciada por um 3.1 toque.

Quem se mudasse ou falasse pagava uma multa. Havia para isso um encarregado de vigiar as pessoas. Era o mankaka, espécie de policia.

Depois do toque que anunciava o termo da pintadela voltava-se à vida normal.

Junto do cadáver estavam sempre as mulheres do defunto, as carpideiras e outras. No pranto perpassava toda a vida do morto.

Entretanto a família junta e prepara o que é necessário para o funeral. Enquanto se não realizava, o defunto ficava no «defumeiro». Lá podia ficar semanas, meses e até anos...

O Rei de Kakongo, morto em 1874, só foi enterrado em 1881!...

(Cf. Portugal em África, 1.8 série, ano 1896, pág. 116).

Juntam-se as bebidas, aguardente, vinhos licorosos, vinho comum, vinho de palma, etc., etc., e mais tudo o que vai ser necessário para as refeições de toda a gente no dia ou dias do funeral.

Chegavam a ir ao Ambriz, Luanda e até Benguela comprar as fazendas, bebidas, etc. para o funeral. O dinheiro para tudo isto vinha de parentes e aliados.

São serradas inúmeras tábuas e começa-se a construir o carro monstro que levará o caixão do morto.

De grossos paus faziam-se as rodas para o carro que levaria o caixão e os maiorais. Era ordinariamente de seis rodas, três de cada lado.

Pronto o carro e o mais, marca-se o dia do enterro.

Seria, por certo, no tempo do cacimbo, época em que o vinho é melhor e mais abundante - e todo é pouco! em que as terras estão secas e não haverá chuva a transtornar e dificultar o cortejo fúnebre.

Ê capinada, em linha recta e da largura do carro, toda a distância que vai da casa do morto à cova onde será enterrado.

E os grandes não vão para um cemitério comum. Escolhe-se um lugar especial. Já dissemos atrás que pode ter-se por muito provável que era em nome - do Nkisi-Nsi que se reservavam cemitérios especiais para os grandes chefes.

Organiza-se o cortejo. Os Zindunga, onde os havia, eram convidados e nunca faltavam. Não podiam mesmo faltar. Não comandam, regulam e vigiam o cumprimento das leis em nome do Nkisi-Nsi?

O morto, embrulhado naquela infinidade de cobertores, é metido num caixão, imagine-se o tamanho, e com mais ou menos feitios, segundo a dignidade do falecido. Por isso se diz: Lukata lumatumbi lumatatu: fumu ikanda - Caixão com três proeminências (feitios): caixão de chefe de família (rica, numerosa, poderosa).

A madeira do carro é coberta, totalmente, por cobertores e panos. Colocava-se o caixão no meio do carro, numa espécie de palanquim que tudo dominava.

No carro sentam-se os grandes da terra e os locadores.

Tem espaço para todos eles e ainda fica algum lugar para alguns rapazes novos dançarem.

No dia marcado eram os da terra os primeiros a arrastar o caixão. É puxado por umas quatro cordas, grossas lianas da floresta, levando em cada uma de 8 a 10 homens. Só para arrastar o carro... de 32 a 40 homens. Pode fazer-se ideia do tamanho e peso.

No dia seguinte começava a ser puxado pelos outros e por turnos até ao local onde se faria o enterramento.

Podia levar dois a três dias. Paravam com frequência para comer, beber e dançar por longas horas.

De noite havia sempre danças no local onde se parará o féretro. Todos, mas especialmente as mulheres, apresentavam-se com o melhor que tinham. Havia danças guerreiras, Os que nelas tomavam parte apresentavam-se em atitudes ameaçadoras. Com essas danças guerreiras pretendiam afugentar os espíritos maus, os bandoki.

O caminho aberto para a passagem do féretro chamava-se SAMBI.

As danças guerreiras, SANGA (estas danças passaram para as festas do MPOLO)

O arrastar do caixão, KOKA.

Os tocadores:

Ao meio, em primeiro plano, vão os tocadores de tambor, espécie de bombo - são os Basiki basiku.

Depois vêm os tocadores dos «marfins» (4 ou 6), os Bakama Banfumu. Segue o tocador de ngongie, o Bula Ngongie.

Vêm, em seguida, os tocadores de Katangala, espécie de caixa.

A frente do cortejo vão três bandeiras: uma de pano preto, outra vermelha e a terceira branca. A de preto, a do luto, vai ao meio. A esquerda, abaixo das outras, vai a bandeira vermelha, a da guerra.

A dominar vai a branca, a bandeira da paz.

Entre estas bandeiras e o carro seque toda a gente do povo e os que vieram ao enterro, tudo misturado, cantando e dançando.

Ainda atrás dos porta-bandeiras seguiam dois homens armados de espadas e tendo embrulhado à cinta um pano que deixava uma longa cauda de 2 a 3 metros. Eram os Mankaka, polícias.

Outros Mankaka, armados de espingardas, seguem ao lado do cortejo em atitudes ameaçadoras - ainda para espantar os bandoki e disparando de quando em quando.

Referindo-se a estes enterros no Ngoyo , J. Fernandes dizia: a alta posição do morto é que determinava a grandeza e magnificência das cerimónias que resultavam imponentes. Viam-se filas de tipóias em que eram conduzidos Príncipes e Princesas, titulares e Governadores de diversas terras (Nfumu-Nsi) tudo num deslumbrante conjunto de vestes, as mais variadas em cores e feitios. A ajuntar a tudo isso, ouviam-se os toques de mungi, ndungu-lingama, kula, cornetas, buzinas, mbuebo, baka, apitos, e isto no acompanhamento dos altos cânticos dos cordões de homens que iam puxando o caixão, em cuja varanda iam os que mandavam e dirigiam toda aquela manobra.

Na véspera da chegada do cortejo ao lugar em que o morto será enterrado, começa-se a abrir a cova. Uns dançam enquanto os outros cavam. Mas tanto os que trabalham como os que dançam, de vez em quando, param o trabalho e dança para comer, e beber...

Estão, uns e outros, besuntados com a terra da sepultura e só poderão tomar banho depois do enterro.

Tudo pronto chega o carro. É colocado por cima da cova. Por uma abertura que existe no meio do estrado do carro, é descido o caixão. Cobre-se a sepultura e ali fica o carro a atestar a grandeza do morto. Enterrado este, dança-se, come-se e bebe-se à volta da cova até pela manhã.

Em tempos muito arredados as mulheres do finado eram enterradas vivas na mesma cova. Para lá iam para lhe fazerem companhia e a comida além-túmulo!
 

«Com o cadáver, diz J. Cuvelier, enterravam mulheres e escravos que na outra vida deviam servir o defunto, levar água, lenha, comida ... »
 

Não se procedeu, mais ou menos assim, em 1881, quando foi enterrado o Rei de Kakongo? (Cf. Portugal em África -1.a Série-1896).

Não deixa de ter interesse o comparar estes «usos e costumes» de Kakongo e Ngoyo com o que se lê em A Bíblia tinha razão, quando se fala das tumbas Reais de UR.

«... No interior das câmaras tumulares puderam verificar a presença de autênticas juntas de bois: os esqueletos de animais de tracção estavam ainda jungidos aos carros cheios de artísticos utensílios caseiros (o traçado é nosso). Era evidente que todo o séquito do funeral tinha seguido os magnates no caminho da morte, como davam a entender os esqueletos festivamente vestidos e carregados de adornos que os rodeavam. A tumba de Lady SHUB-ad continha vinte cadáveres. Noutras apareceram mais de setenta.

... Nenhum vestígio demonstrava que os homens tivessem morte violenta. Os respectivos séquitos parecem ter seguido os seus defuntos soberanos em caravana festiva, com os bois jungidos aos carros portadores dos tesouros dos defuntos ... »
( Werner Keller, A Bíblia tinha' razão, trad. de Vasco, Mirando, Ed. Livros do Brasil, Lisboa, pág. 32.)

Também entre os Bakongo, Bauoio, Balinge, etc., etc., são deixados, sobre os túmulos, objectos que serviam em vida ao falecido, v. g. bacias, jarros, potes, e até, por vezes, camas de ferro...

Os grandes de Cabinda possuíam, desde o tempo da permuta com os europeus, óptimas coisas que lhes eram oferecidas como prémio ou em paga de escravos fornecidos. Por outro lado, sendo as gentes do litoral do País de Cabinda muito viajadas a bordo de barcos, adquiriam magníficas coisas por onde passavam, especialmente loiça.

Também as compravam nos estabelecimentos comerciais portugueses, ingleses e holandeses.

Essas loiças iam, muitíssimas vezes, parar à sepultura de seus donos agora enterrados. Para lhes servir do outro lado?

Mas, para não servirem aos vivos, desbeiçavam essa loiça ou lhe quebravam as asas ou as furavam.

Apresentamos a fotografia de dois vasos encontrados, com outros do género, em uma sepultura no interior de Cabinda.
 


 Fig. - C-41 - Valiosos vasos ( com perto de 100 anos) encontrados em campas de velhos Chefes.

De quem se tratava? Já não é fácil saber-se.

E que qualidade de cerâmica se trata?

Tendo enviado ao meu colega P. Jan Adrian Pijnenburg, para a Holanda, a fotografia
dos dois vasos, e sendo o estudo deles feito através de funcionários do museu de Enschede, foi-me respondido, em resumo, o seguinte:

Traia-se de cerâmica alemã. É feita com uma espécie de grés. A este género de cerâmica lhe chamam STEINZEUG.

Estes vasos eram cozidos a uma temperatura muito alta e, para ficarem com o brilho que se lhes nota, pouco tempo antes de os tirarem do forno atiravam sal lá para dentro. O sal ligando-se com o ácido silicioso produzia o brilho.

Feitos na Alemanha, eram encomendados por casas comerciais de diferentes nações. Dai o terem a inscrição de uma casa de Rotterdam mas da qual já se perdeu a pista...

Teriam sido fornecidos por alguma casa holandesa, em Cabinda ou Lândana, ou, adquiridos mesmo em Rotterdam? Aceitamse muito bem as duas possibilidades.

Do museu de Enschede dizem ainda que teriam sido fabricados entre 1880-1910.
No século passado esta mesma qualidade de cerâmica também começou a ser fabricada na Holanda. Esses vasas, de diferentes formas e feitios e modelos, eram usados para guardar sal, manteiga, compotas, etc. Conservavam as coisas muito frescas.

Por curiosidade falamos destes vasos encontrados nos túmulos. Mas quantos de outras espécies, quantas outras coisas se lá colocavam?

É que, diz J. Cuvelier, a morte de um homem apresentava-se aos sobreviventes como uma ameaça. Ele podia vir, conforme se pensava, a uma casa buscar um objecto, e algumas vezes falar e mostrarse. Por isso colocavam sobre as campas, para uso dos mortos: frascos, potes, bacias, garrafas, pratos, Copos...
(J. Cuvelier, op. cit., pág. 114. )

Esta consideração, veneração pelos mortos, misturada não com pouco temor, ainda se manifesta nos dias de hoje pela prática do NUIKINA BAKULU, o dar de beber aos velhos já falecidos.

Para isso levam ao cemitério, sobretudo em dias de grandes festas anuais - Natal, Ano Novo, aniversário do falecimento - bebidas, v. g. aguardente, bagaceira, vinho tinto e até vinho de palma, e derramam-nas nas campas dos seus velhos falecidos.
Fazem ordinariamente um buraco na campa e por ele vazam as bebidas que trouxeram.

É tudo para o morto ou mortos. Eles nada devem beber, os que vão dar de beber aos seus maiores já mortos, do que levam.

Documentamos o facto com uma fotografia tirada a seguir às festas do Ano Novo de 1970, no cemitério de Santa Catarina, a uns 8/9 quilómetros de Cabinda, na estrada Cabinda / lema.

Nada mais nada menos do que 4 garrafas de bagaceira, todas de meio litro, que foram usadas no Nuíkina Bakulu.

Nem sempre acabava tudo com o enterrar do morto, o colocar das suas coisas sobre a campa. Não.
O carro lá ficava até ser destruído pela acção do tempo.

Uma grande parte das pessoas que tomaram parte no funeral voltava à aldeia, ao local onde se dera a morte do que fora a enterrar. E aí, durante a noite e até ao dia seguinte, se entregavam à dança, aos comes e bebes.

Tudo realizado, «   ficavam os membros da família com a consciência plena do dever cumprido».
Pode-se imaginar, pois, o quanto sa exigia de gastos para se fazer tal enterro. E compreende-se por isso o tempo que os mortos tinham de ficar no «   defumadoiro » até que se juntasse, tudo o que era necessário para o funeral.
Grande parte de toda esta grandeza e gastos, depois da lei das 24 horas para enterro, são feitos na festa do MPOLO ou NZIMBU.

Esta espécie de funerais tanto se fazia a indivíduos do sexo masculino como do feminino, contanto que tivessem posses e fossem grandes da terra.

Toda esta narração dos funerais antigos me foi feita pelo falecido soba Estanislau Kimpolo. Assistiu a um funeral destes, pelo menos, ao de Maieze Mandilu, mãe de um afamado carpinteiro da aldeia do Kiobo, a 13 quilómetros da Missão Católica do Lukula.

Para enterrar esta Maieze Mandilu a cova havia sido aberta a um quilómetro, mais ou menos, da casa. O cortejo fúnebre demorou dois dias.
Quem não tinha posses para funerais destes, tratava de enterrar os seus mortos quanto antes.

Tendo perguntado por que é que faziam tanta festa, tanto gasto de comida e bebida, responderam-me textualmente: «  que era por que tinha acabado a chatice da vida para aquele e se havia ido juntar aos pais».

O Estanislau Kimpolo, não tendo tido enterro semelhante aos que me descreveu, foi
enterrado, conforme me disseram, envolvido em 60 cobertores. E já veio a falecer depois de 1950!

Particularidades que ainda se podem encontrar no presente, principalmente entre os basundi

Nas casas onde se vela o morto, no meio daquela lenga-lenga fúnebre, houve-se o chocalhar de qualquer coisa dentro de uma lata. Esse chocalhar acompanha o ritmo da cantilena. É dinheiro na lata. Lembra que, sobretudo os da família, devem ajudar às despesas, e que cada um ali deve depositar o, seu óbulo.

As mulheres da aldeia que se juntam em redor do morto, ao mesmo tempo que acompanham o canto lúgubre e chorado, para não perderem todo o tempo, vão descascando amendoim, partindo coconote, migando folhas de mandioca, etc., etc.

As esposas, nos três dias seguintes à morte do marido, dormem na terra nua. Passam o tempo a chorar. Não lavam a cara, mas só os dentes e os olhos.

No dia do enterro do marido, um cunhado ou cunhada rapa-lhe o cabelo da cabeça. Assim devia ficar, sem mais o cortar, até quase ao levantar do luto, um ano depois.
Para que a viuva possa voltar a cortar o cabelo é preciso que a família do marido lhe pague dois panos e uma blusa preta.

Se lhe não pagassem teria de ficar sempre sem cortar o cabelo.

É também só depois disto, do corte do cabelo, que será para o fim do luto, que poderá começar a pensar em arranjar outro homem, se quiser. Se procurar marido antes, terá de responder perante a família do marido falecido e não lhe perdoarão facilmente sem pagamento de multa.

Já muito depois de termos escrito o que aí fica sobre mortos e funerais, fomos encontrar em Portugal de Á  frica, 1.a Série, 1896, na Chronica das Missões - Missão de Landana, a descrição seguinte:

«   No entretanto, fazem-se os últimos serviços ao defunto; tosquiam-lhe a cabeça e limpam-lhe as unhas das mãos e dos pés.

Assim o exigem os costumes. Enterrar alguém sem estas prévias formalidades seria uma grande vergonha para a povoação.
Depois de bem lavado o cadáver, vazam-lhe as entranhas; em seguida, acendendo por debaixo d'elle um fogo brando mas contínuo, que deita um fumo excessivamente espesso, começam a seca-lo como pergaminho. Assim que está suficientemente defumado, cobrem-no de uma camada de terra vermelha e expõem-no ao ar durante alguns dias, ficando ao lado d'elle uma ou duas pessoas com o único fim de enxotar as moscas. Quando o cadáver está completamente seco, envolvem-no numa prodigiosa quantidade de fazendas. Avalia-se a riqueza dos herdeiros pela qualidade dos estofos e o seu afecto pela morto, pela grossura do rolo. Os cadáveres dos grandes chegam a atingir oito ou nove metros de circunferência.
Expõe-se a múmia assim vestida em uma cabana especial, onde fica mais ou menos tempo, conforme a posição social que o finado ocupava.»

Em sinal de luto, em outros clãs, pintam a cara com negro de fumo tirado das panelas ou com a casca queimada, semelhante a cortiça, do kilolo-kintandu - Anonna arenaria.

Havia quem pintasse somente a ponta do nariz. Conhecemos uma mulher, da aldeia de S. João do Lukula, que, dois anos depois da morte do marido, ainda pintava o nariz em sinal de luto.

A gente do clã desta aldeia - basundí - tinha ainda outros usos, como o seguinte: Morrendo o homem, a mulher fazia uma pequena rodilha que amarrava ao fio que trazia à cintura - lukietu.

No dia do enterro enche de água uma pequena cabaça - Kisasava - e toma um pequeno mutete - pequenito cesto - onde coloca a cabaça com água. Acompanha um pouco o féretro quando o morto vai a enterrar; tira a nka-kata, a rodilha, do lukietu e coloca-a por cima do caixão. A cabeça leva o tal mutete com a cabaça. Com uma sacudidela de cabeça - kulumba - atira ao - chão o mutete e a cabacita. Volta-se de costas para o defunto e vai, então, banhar-se.

Logo após o enterro, ou poucos dias depois, e isto ainda em toda a parte, todos os parentes se reúnem para que o pai, mãe, esposa ou marido ou tios, isto é, o mais próximo responsável pelo defunto, diga e prove se sim ou não fez todos os possíveis e procurou todos os meios aconselháveis para evitar a morte.
Em certos clãs, morrendo a mulher, a família desta era obrigada a devolver todo o zimbongo zimakuela, sobretudo se não ficaram filhos e não há cunhada que deseje casar com o viúvo.

Entre noivos ou - comprometidos já com o casamento, falecendo a noiva, a família da rapariga é obrigada a devolver ao rapaz tudo quanto dele recebeu.

Durante um mês, ou ainda mais, de manhã e à noite, a família, sobretudo a parte feminina, pranteava oficialmente o falecido.

Guarda-se luto pelo cônjuge falecido ou pelos pais um ano inteiro.
Os homens usam já o fumo no braço e no chapéu ou capacete.
As mulheres usam panos pretos ou bastante escuros, com flores ou pintas pretas e escuras.
Em certas regiões conhece-se se alguma mulher anda de luto vendo que trás o pano a tiracolo e seguro com um nó, dado por cima do ombro esquerdo.

Vimos outras que indicavam andar de luto amarrando em volta da testa uma banda de pano - ntanta mambudi.

A viúva, passado o tempo de luto, no aniversário da morte do marido, veste-se de panos novos e berrantes. Nesse dia de aniversário, o primeiro, faz-se sempre uma festa maior ou menor.

Se a viúva não passou à posse de seu cunhado mais velho, torna-se livre para procurar pretendente ou para seguir a vida de metretriz - ndumba.

Os funerais dos católicos têm, tanto quanto possível, a presença do sacerdote ou, pelo menos, sendo em aldeias distantes, a do catequista da aldeia.
Sequem para o cemitério em grande compostura. Rezam.

Nos enterros presididos pelo sacerdote, mesmo depois de benzida e aspergida a sepultura, não deixavam de apanhar a caldeirinha e enfiar com toda a água dentro da cova...

Depositado o morto na cova, cada um dos assistentes deita, sem excepção, um punhado de terra sobre o caixão. Pudemos ver isto todas as vezes que presidimos a funerais na Missão do Lukula.
Em Olumbali do Distrito de Moçâmedes, Lopes Cardoso escreve também a respeito desses povos:

"Colocado o caixão', cada um dos presentes atira um punhado de terra para cima dele, em despedida"

Na Missão de Cabinda, no primeiro aniversário do falecimento de alguém, é raro não haver, por alma do defunto, missa cantada de Réquiem e procissão ao cemitério.
E acaba-se assim o luto nesse dia.

Não é, nos tempos de agora, por funerais com carros, cobertores sem número, comidas e bebidas na altura do enterro que se procura mostrar a dignidade e riqueza dos mortos e de suas famílias.

É, sim,' pelas festas de MPOLO - de cada vez mais raras-e pelas artísticas, e caras, sepulturas sobre as campas dos grandes senhores. Entre seis a oito contos ficam agora essas sepulturas.
 


Fig. - P 22 Túmulo de José Maria Tati - Makongo - F. 19-4-6 Horas da manha de 1934, no Bumelambuto
 


Fig. - P 23 - Mais túmulos de nobres no Subantando




Fig. C 39 - Belo túmulo de Chefe no cemitério de Cabinda (notem-se os Zimpungi)


Fig. - C 40 - Outro interessante túmulo no cemitério municipal de Cabinda


As festas de MPOLO também não ficam baratas, mas certamente que o são muito menos do que as festas dos antigos funerais.

O que pensam da velhice

Quando não é respeitada, é triste: é como raspador de mandioca atirado para a lixeira.
Quem andou não tem para andar: é como folha, seca que não pode voltar a ser verde.

Não dá direitos de infalibilidade: como não são as barbas de velho que evitam que o seu dono tombe no chão.

Uma velhice difícil é, por vezes, consequência de imprudências da juventude e idade adulta: se se não trabalha e semeia enquanto se pode, que fazer quando se é velho?

Porque, em princípio, se tem bom senso e experiência, resolve as questões que se lhe apresentam.
Já foram novos e os novos serão... velhos.
Os velhos são sempre de atender e respeitar: são, por assim dizer, um chapéu de sabedoria a inspirar e defender os novos.

Sobre a vida

As vezes, de começo, a vida já custa: como custa lançar a canoa ao mar na arrebentação das ondas.

Tudo nela é transitório: é como lagarto em-cima do cesto da mandioca ou a perdiz no cimo do morro de salalé; de passagem.
Enquanto há vida há esperança: podem arrancar uma perna ao gafanhoto, mas ficam-lhe as asas.

Todos têm direito à vida: por isso as galinhas saltam para a lixeira logo que o gato bravo a abandona.

Deve ser vivida com dignidade, com método e calma.
Saber viver: saber andar com uns e saber andar com outros.
Que cada um se meta na sua vida, como a tartaruga se mete na sua carcaça.

Quando é demasiadamente longa, também tem os seus inconvenientes: torna-se como tartaruga velha que ninguém pode comer.

Enquanto se está vivo, é-se livre e manda-se em si mesmo: ninguém usa as cascas do caracol e do caurim enquanto lá vive o molusco.
É o maior bem que se tem: é o amor à vida que faz fugir as baratas do selengo, formigas carnívoras.

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