20 CABINDAS HISTORIA - CRENÇAS - USOS E COSTUMES: TOMO XX

TRABALHOS - OCUPAÇÕES - ARTES - OFÍCIOS

«O indígena de Cabinda é de seu natural trabalhador, possui elevado grau de inteligência e ama devotadamente o convívio com o europeu, assimilando facilmente os seus usos e costumes. As casas, construídas com cunho artístico e mantidas com irrepreensível asseio, tornam agradáveis as povoações. É hospitaleiro e Tradicionalista, sendo vulgar encontrar-se nas suas habitações objectos de prata, transmitidos de pais a filhos.»

(in «Enciclopédia Luso-Brasileira»)

Lemos algures que os povos que menos evoluem e progridem são aqueles a quem a natureza dá muito ou a quem dá muito pouco.

Aqueles a quem dá muito pouco tornam-se apáticos e dizem que não vale a pena sacrificarem-se para nada colherem. Ficam parados.

Os que muito recebem têm que cheque e que sobre e, portanto, não precisam de trabalhar. Contentam-se com o que a natureza lhes dá.

Ora, a natureza foi bem pródiga para com as terras e habitantes do País de Cabinda. Terra rica e suculenta. Com o mínimo de esforço se encontra o necessário para viver. Há maior ou menor abundância. Mas nunca vimos crises que ameaçassem fome. Nunca.

Mesmo assim, devido ao contacto com os portugueses desde longa data, os Cabindas são das gentes mais evoluídas de África.

Tendo criado novas exigências, novas formas de vida na convivência com o europeu, não desprezam, nunca desprezaram o que a riqueza do solo tão generosamente lhes oferece.

A palmeira, espalhada por toda a parte e sem ser necessário plantá-la - mas, às vezes, é aconselhada a monda, tantas elas são , dá-lhes o óleo de palma com que condimentam as refeições, o óleo (mole e rijo) e o coconote que vendem no mercado, o vinho de palma, os ramos com que fazem quase totalmente as suas casas ou nunca os dispensam na construção delas.
Se não em muita abundância, sempre encontram alguma caça e peixe. Os pescadores da orla marítima apanham peixe de toda a espécie e os do interior, nos rios e lagoas, são sempre bastante felizes na pesca de «biala» e de «bingola» (o bagre).

Não faltam bananas de variadissimas espécies, raízes nutritivas inhames, mandioca, de mais do que uma qualidade, que se desenvolve com um avanço de meses em comparação com a do sul.

Há imensos frutos da floresta e a anona da planície é praticamente espontânea.

Não faltam as chuvas. Pode haver anos em que não são exageradamente abundantes. Mas, no interior, raro será o tempo da chuva (de Outubro, meados, a meados de Maio) que não cheque aos 1.200/1.500 milímetros.

Quanto a trabalhos, os mais do interior onde a terra é mais rica, limitavam-se -e, por vezes, ainda se limitam - ao mínimo necessário.

Os das terras junto ao mar eram, e ainda são, muito embarcadiços. Em quase todos os barcos da nossa marinha mercante e paquetes se encontra um ou outro Cabinda. A este facto se deve certo nível de vida e o encontrar-se também em certas casas, casas de embarcadiços ou seus descendentes, baixela magnífica e fina, alguma muito antiga.

Que o digam os «caçadores - coleccionadores» aparecidos nos últimos tempos em Cabinda! ...

Derrubar a floresta para as plantações de mandioca, milho e feijão e para as roças de café e cacau é trabalho principalmente do homem. A catana e, sobretudo, o machado são instrumentos que lhe são próprios.

Já a plantação da mandioca, do milho e feijão, amendoim, macoba, batata doce, etc, etc. ficará para a mulher e crianças.

É o homem quem corta os cachos de dendém, donde extraem o óleo de palma. São os homens quem coze o dendém e que, com uma espécie de rede grossa, feita de lianas e de fibras, o espremem depois de muito bem maduro e muito bem cozido.

Já começa, porém, a ter máquinas rudimentares e manuais para este fim. Com o diferencial de um carro usado, um tambor de zinco dos de 200 litros, uma boa dúzia de lâminas de ferro aplicadas a um eixo, que vindo do diferencial trabalha dentro do tambor, e um arco forte e pesado a servir de volante... eis a nova forma de fazer óleo de palma entre os naturais de Cabinda.

Os grãos do coconote, libertos da polpa do dendém, serão partidos pelas mulheres e crianças.
 

Fig. P 39 - Partindo coco, mas sem deixar o filho



Fig. P 46 - Desde pequenos começam a partir cocos

Os trabalhos de olaria são bastante comuns aos dois sexos.

Mas a invasão das panelas de esmalte e de alumínio vai destronando as olarias que mais se limitam agora a uma ou outra espécie de panela e às zímbasa - potes - para água.

A caça é só para homens. Mas a pesca, nas lagoas e represas, pelo menos certas modalidades, são praticadas também por mulheres.

A extracção do vinho de palma é só feita pelo homem, uma vez que a seiva da palmeira não é colhida no pé como se faz aos pinheiros para recolha da resina mas sim na flor.

A subida às palmeiras é feita por intermédio de um arco, trabalhado com lianas e fibras resistentes, que cerca a palmeira e passa pelas costas do homem, fechado por uma espécie de nó.
 


Fig. C-46 - O palmador, o arco, repare-se no nó e cachos de dendem

Apoiando bem os pés na palmeira, cujo espique fica sempre rugoso e com as saliências dos ramos que foram sendo cortados, segurando bem o arco com as duas mãos e fazendo força e impulso para cima, o homem vai subindo com relativa facilidade e até, algumas vezes e alguns, com muita agilidade.

Com o arco bem seguro e retesado (há arcos com maior ou menor curso, conforme a grossura das palmeiras a subir) fazendo força com o corpo contra ele e sendo à parte da cinta e rins que se encosta, o homem pode parar e descansar quando quiser e onde quiser, e também trabalhar no corte dos ramos de palmeira, no corte dos cachos de dendém e ainda no trabalho da recolha do vinho de palma. A faca ou catana leva-a segura à cinta, quando não segura nos dentes.

As costas dos Cabindas que sobem às palmeiras, os «palmadores» como lhes chamam, têm as marcas inconfundíveis deste trabalho.

Duas preocupações devem ter: não subir com a palmeira molhada, pois torna-se muito escorregadia devido a liquenes e musgos; nem deixar de ver com frequência o estado em que se encontra o arco. A falta de cuidado nestes dois pontos tem sido a causa de acidentes fatais. Facilmente se imagina em que estado se pode ficar caindo da altura de 10, 15 e 20 metros e de... costas!

Desde sempre ou desde há muito que, numa ou outra aldeia, se encontram homens habilidosos na confecção de armas.

Conseguem boas têmperas nas molas dos cães e gatilhos das espingardas. Ficou maravilhosa uma das molas da minha caçadeira, feita pelo André Loemba da aldeia do Kinguinguili, Tando-Zinze.

Para cano das espingardas deles contentam-se com um tubo galvanizado ou com o cano de urna outra arma velha de importação europeia.

São raros os ferreiros nas aldeias.

Os machados, machetes, catarias e enxadas, etc., são adquiridas nas feitorias. O que mais farão é irem afiando esses instrumentos, mas nunca vi preocupação em afiar uma enxada, com uma lima que hajam comprado ou servindo-se de uma pedra mais ou menos dura.

O que se pode dizer é que: o que afiam... fica bem afiado, não haja dúvida!

Nas forjas das oficinas mecânicas dos europeus, um ou outro aprendiz ou operário afia melhor esses instrumentos e até chega a fazer canivetes, facas, catanas de bom aço de folhas de serra ou de folhas de molas de carros.

Os actuais ferreiros indígenas adoptaram o fole comum europeu, accionado à mão ou ao pé.

Os foles antigos (Nsákusu, pl. Zinsákusu) eram feitos de madeira e pele. No mesmo tronco de madeira deixavam-se a par duas largas aberturas circulares e com um rebordo de mais de uma mão travessa. Ligavam à mesma saída de ar. Essas aberturas circulares eram cobertas por pele, quase sempre de cabrito, bem presa ao rebordo e sendo-lhe amarrada no centro um pau. O ferreiro accionava o fole fazendo, alternadamente, movimento com cada uma das pelos segurando os ditos paus. O ar saía por um cano de ferro. A resguardar a parte de madeira do fogo existia uma peça de barro amassado - o resguardo do fole - a que se dá o nome de Nkielo.

As casas são feitas pelos homens e ajudam-se mutuamente.

As mulheres ajudam a trazer os materiais: folhas, banzas -a nervura dos ramos de palmeira, papiros, lianas, etc., etc.

A partir dos 16 anos o rapaz começa a construir urna casa para si própria, que muitas vezes não medirá mais de 5 a 6 metros quadrados de superfície. Na verdade só precisa da casa para guardar os seus poucos haveres e lá dormir à noite.
 
 

Carregando lenha para casa

A mulher é quem, digamos, mais trabalha. O pouco arranjo da casa e dos filhos, a cozinha, a água que, por vezes, está muito longe, o amanho da terra para as plantações, as plantações e colheitas, os carregos, mesmo os dos produtos conseguidos pelo marido, etc., tudo fica, praticamente, a cargo da mulher.

Muitas vezes, o homem estranho a estes usos e costumes e ao verdadeiro sentido deles é levado a concluir que a mulher nestas paragens passa a ser um animal de carga e trabalho», que o homem, ao contrário, é um madraço e tudo deixa às fracas forças da mulher.
 


Fig. P-37 - Mãe que carrega lenha e mais o filho que aproveita o tempo...

Nada de mais errado se pode pensar. Este trabalho, que parece ser atirado para cima da mulher para que outros fiquem libertos, tem bem outra razão e bem mais belo sentido.

A mulher é o símbolo da fecundidade. Nasceu para ser fecunda, para gerar, produzir filhos. O seu seio é sagrado. E como o seu seio, sagrada é a terra. Por isso, a terra devera ser trabalhada pela mulher o mais directamente que lhe seja possível. As sementes, tudo o que deva ser semeado e plantado na terra fecunda o deverá ser pelas mãos da mulher. Não é dar-lhe, primariamente, trabalho. É dar-lhe honra. É fazer com que ela, que deve ser fecunda, faça com que, pelo seu trabalho, fecundas sejam as sementes.

E agora tudo se compreende muito bem que o que está ligado a sementeiras, plantações e colheitas esteja a cargo da mulher.

Compreende-se também que a escolha que o homem faz, quando pensa em casar, seja de uma mulher fecunda: mulher que lhe dê filhos, mulher de verdadeiro trabalho nos campos para que estes produzam o alimento necessário à família.

Ele terá outras formas de trabalho: a derruba de árvores, o corte de dendém, mesmo a plantação de árvores de fruto cujos produtos não sejam primária e directamente para o sustento da casa - v. g. o café, cacau, a confecção das casas, etc., etc.

Mas a plantação e colheita das sementeiras comuns, as do sustento diário da família, será feita pelas mãos da mulher que, por assim dizer, transmitirá também à terra parte do seu poder gerador, de fecundidade.

Mas não se fiam em si mesmas! Ao acabarem de fazer as suas lavras e plantações compravam, outrora, bebidas que levavam ao Nganga Mbunzi (o do nevoeiro). O nganga bebia um pouco dessas bebidas que lhe eram ofertadas e borrifava, com elas, o feitiço.

Tomava depois algumas folhas que introduzia no embrulho desse mesmo feitiço Mbunzi. Ali ficavam, as folhas, toda a noite. O nganga pisava, em seguida, muito bem essas folhas. Eram entregues às clientes que, por sua vez, as metiam numa panela de barro com água.

Essa água era aspergida nos campos semeados para que houvesse boa sementeira e para que os animais não comessem as plantações.

Já nos não admiramos de que o homem procure mulher de trabalho em lugar de mulher de aparência atraente. As coquetes, as amigas de passeios, até as muito faladeiras podem servir bem para outras coisas mas não para esposas.

 A mulher faz as plantações de bananeiras, feijão (várias espécies) mandioca, batata doce (mbala ianguili), milho, makamba, inhame amendoim, nkongo (macoba), uando (guando) etc., etc...

Os homens ajudam na derruba das árvores. Mas já serão as mulheres que irão atear o fogo aos troncos e paus derrubados e ao capim e outras ervas. A cinza dessas queimadas é que será, na grande maioria das vezes, o único adubo da terra.

Os homens, sendo grandes as derrubas a fazerem-se, ajudam-se uns aos outros e, por isso, o dono de cada roça terá que aguentar com as despesas da alimentação, que não deverá ser fraca nem parca!

As plantações eram feitas em montículos ou em sulcos, sendo a semente ou o tubérculo semeado ou plantado no lombo do socalco.

A terra é sempre cavada e mexida com as cinzas das árvores, plantas e capim queimados.

Como passam o dia e o tempo.

Com uma diferença de uns 20 a 30 minutos nos meses de Maio a Outubro, diferença para mais em relação aos outros meses de Novembro a Abril, os dias são quase iguais: 12 horas com dia e 12 horas com noite. As seis da manhã praticamente é dia e às seis da tarde é começo da noite. Os ocasos são maravilhosos mas têm curta duração.

Salvo em casos extraordinários, o Cabinda - não é muito madrugador. Não tem grande pressa em levantar-se; mas também não tem maior pressa em deitar-se, especialmente nas noites de luar.

A não ser que trabalhe em serviço do Estado, e segue então, horários estabelecidos, não se apressa.

Os bons caçadores, é certo, chegam a levantar-se cedo, sobretudo quando sabem da existência de algum antílope, pacaça ou porco do mato relativamente perto.

Não têm pequeno almoço propriamente dito. Qualquer coisa, como por exemplo um pouco de mandioca crua, uma banana, algum amendoim ou um pouco de noz de cola, serve para o desjejum e para lhes enganar o estômago.

Com o arco para subir às palmeiras, catana bem afiada e as garrafas ou cabaças para a recolha do vinho de palma, entre as 9 e 10 horas, os homens deixam a aldeia, excepto os doentes e velhitos - e não todos - e as crianças. Vão para a floresta.

As mulheres válidas também partirão pouco depois para as plantações. Por vezes, entre as 10, 11 horas e as 16, 17, hora a que as mulheres começam a regressar a casa, a aldeia fica vazia e parece morta.

A primeira coisa que o homem faz ao chegar à floresta, especialmente no tempo do cacimbo, é dar uma volta pelas suas palmeiras e recolher o vinho de palma que escorreu para as garrafas e cabaças durante a noite.

Recolhido o vinho, trocando por vezes garrafas e cabaças, o homem arma novamente o sistema de recolha. É relativamente simples.

O malavo (seiva da palmeira, Vinho de palma) recolhe-se na flor da palmeira que, para isso, foi cortada. Abrindo um pequeno golpe na parte inferior do pé da flor. servindo-se de uma espécie de funil, feito ainda de uma espécie de folha que envolve a flor, fazendo com que o bico do funil penetre no gargalo da garrafa ou da cabaça que, por um fio, ficará bem segura ao local, vai-se recolhendo a seiva que corre mui lentamente.



Fig. P 32 - Subindo as palmeiras para a recolha do malavo

Uma palmeira dará vinho durante uns oito dias, no máximo.

Depois de umas boas libações, começam com o corte dos cachos de dendém, se e o tempo dele; tratam da extracção do óleo de palma, dos cachos já colhidos noutras alturas, se é a época de menos dendém; ou dão-se à derruba da floresta para as novas plantações no tempo conveniente.

Cada homem, ou em sociedade de dois até quatro, tem na floresta com palmar e no terreno que lhe é atribuído (cada um tem o seu terreno o suas palmeiras, tudo demarcado pelo Nfumu-Nsi) um coberto ou alpendre. Mede esse alpendre, em média, uns quatro por seis metros.

Meia dúzia de bons paus que sustentem uma cobertura de duas águas é o suficiente. Bastará que dê passagem à altura de um homem. Não tem paredes laterais. Ali guarda as suas coisas, junta o dendém e tem o sistema de fabricação do óleo.
A este coberto e recinto chamam Kilala (pl. Bilala).
 

Como procedem na fabricação do óleo de palma
 

Destinguiam entre óleo de palma mole e rijo.

O dendém é junto aos poucos e em cachos. São depois desgranados. Faz-se um grande buraco - prevendo a quantidade de dendém - que pode ter metro e meio ou mais de fundo por um metro ou mais de diâmetro.

O fundo e lados desse buraco, à medida que nele se mete o dendém, vão sendo forrados com folhas de bananeira, de modo que o dendém não fique em contacto com a terra.

Uma vez cheio, esse buraco é coberto com folhas de bananeira e ainda com grossos troncos também de bananeira, rachados a meio, que não só fazem peso sobre o conjunto do dendém amontoado, como dão e conservam certa humidade.

Quase sempre se deixa ficar o dendém nesse buraco durante todo o cacimbo, o tempo sem chuvas.

No dia em que se resolve tirar o dendém do buraco para se passar à preparação mais imediata para óleo, há festa e boa comida.

As mulheres cozinham. Os homens ajudam-se na faina de bater com fortes paus nesse dendém, agora tirado do buraco, para que a polpa do dendém se separe do coconote.

Tudo bem pisado deixa-se em monte mais uns dois a três dias.

Em seguida é separada a polpa do coconote. Esta é colocada novamente em monte, havendo sempre a preocupação de tudo cobrir com folhas de bananeira. Findos esses dias é fervida em grandes panelas de ferro.

Bem fervida, a polpa é passada por uma espécie de redes que se usavam como prensas para bem espremer o óleo. A rede-prensa fica sobre dois buracos, quase ligados um ao outro, para que o óleo que pinga quase naturalmente ou à menor pressão das redes (que são torcidas pelos homens com a ajuda de paus colocados nas duas extremidades) caía no primeiro buraco, indo o outro cair no segundo. No primeiro buraco fica o chamado óleo mole (por ser mais líquido). Para o segundo vai o óleo rijo, chamado o dote, o fundo.

O óleo fica nos buracos o tempo que se desejar - conveniência de preço do mercado, como reserva de fundos, etc., etc.
Esse óleo, um e outro - ainda que um mais puro do que o outro - acabava por solidificar.

Quando se pretende vender é (era) cortado à catana ou tirado à enxada e passado para pequenos mutetes, os cestos feitos com ramos de palmeira. Não é preciso dizer-se que tudo era bem resguardado com folhas de bananeira.

Tendo tomado atenção ao que fica descrito, temos de notar que o óleo não podia ser de muito boa qualidade. É óleo extraído de dendém apodrecido. Portanto, com muitos e muitos graus de acidez.

Havendo hoje um pouco mais de cuidado neste ponto, sendo até sido posta de parte esta forma de óleo rijo e de óleo mole, ainda não há todo o cuidado que é preciso em usar o dendém maduro, mas bem fresco, para que se reduza ao mínimo o grau de acidez.

Isto se ressente por vezes na cotação inferior que é dada ao nosso óleo.

Ora, o homem do interior de Cabinda, trabalha na derruba da mata para as plantações pelos meses de Agosto e Setembro, antes das chuvas; ou na fabricação do óleo de palma; ou na recolha de dendém, sendo mais abundante no mês de Junho a Outubro, o certo é que, pelas quatro ou cinco horas da tarde, o homem deixa o trabalho que tiver em mãos para voltar à recolha do vinho de palma.

Se trabalhar com o europeu, logo que deixe o trabalho, corre para as suas palmeiras, caso esteja perto de casa.

Durante o dia foi bebendo do que recolheu da parte da manhã.

Por vezes, já chega à tardinha «bastante composto»! Mesmo assim não deixa de subir. Não é raro chegar a beber da cabaça ainda no cimo da palmeira. Um ou outro desastre e queda deve-se a esta devoção!
 


Fig. P 33 - E mesmo no alto se prova o vinho!...

Há quem recolha bastante vinho. Servira para uso particular e para venda. O preço por litro vai, conforme a época (no tempo do cacimbo é melhor e mais abundante), de 1$00, 1$50 a 2$50.

Voltamos a lembrar que, por causa do vinho de palma, as festas da «Casa da Tinta», as celebrações do «Mpolo» se celebram no tempo do cacimbo - tempo sem chuvas - em que o vinho de palma é melhor e mais abundante. É certo que também a falta de chuvas nessa estação tem influência na escolha da época das festas.

Mas voltemos aos nossos homens. Recolhido o vinho, voltam à Kilala. Fazem libações abundantes com os amigos que sempre vão chegando. Cada um por sua vez vai passando pela Kilala do amigo.

Nos tempos que correm, de verdadeira evolução, já vão trocando, e em toda a parte, as antigas Bilala pelos muitíssimos e variados bares (ou cantinas) que se podem encontrar em quase cada aldeia.

Durante o dia foram roendo qualquer coisa: amendoim torrado, noz de cola, bananas maduras ou banana-pão assada, mandioca crua (a Mundele-mpaku, que tem certo sabor a castanha crua) ou mandioca fermentada e cozida, etc.

Já Battel fez notar a sobriedade destes povos. «Sua sobriedade nos alimentos é regra geral nos países quentes. Excepção feita em certos dias de festa, em que matam algum animal ou aves, não tem outro alimento além do peixe fresco ou defumado, sobretudo sardinhas, que comem com diferentes ervas e piri-piri».
( Battel, in Prevost, op. cit., pág. 249 do Vol. VI.)

Pela noite já cerrada regressam a casa, E é nesta altura que têm a sua principal e mais cuidada refeição. Mas é frugal.

As qualidades de comida indígena, nos clãs do País de Cabinda, são, na maioria, preparadas à base de muamba, óleo de palmeira.

O óleo de palmeira para as refeições consegue-se pisando muito bem o dendém, maduro e fresco, no almofariz próprio - Kivu-Kingázi -e depois de muito bem cozido. Livre da polpa pisada e do coconote, volta a ferver novamente com água. Deixa-se arrefecer e recolhe-se o azeite de palma, que fica ao de cima da água.

A muamba, por princípio, é feita para cada refeição.

Outras ainda procedem do modo seguinte: depois de bem cozido o dendém e de bem pisado no Kivu-Kingázi é passado por duas panelas de água fria ou com água mais ou menos quente, conforme o dendém está muito quente ou esfriado.

Vai ficando na primeira panela a muamba Nzita - muamba forte, pesada, suculenta e passa-se depois para outra panela, para ir lavando o coconote e fibras maiores que se possam extrair à mão.


Fig. P 34 - Fazendo muamba

Nesta segunda panela vai ficando a chamada muamba aguada - muamba nsukuluzu ou
muamba mbusa-koko (muamba das costas da mão).

Quer a muamba pesada quer a aguada são coadas por uma espécie de coador feito de fibras de Nzombe ou da fibra de Manga (planta que dá as folhas com que se cobrem as casas). Hoje já usam latas furadas para servirem de coador ou até compram coadores feitos.

Depois de bem coada a muamba vai para a panela e para o fogo com o alimento que se deseja confeccionar. Pode guardar-se de um para o outro dia, retirando a que se julgar necessária.

A muamba aguada é para refeições pobres, v. g. de sardinha.
Por isso mesmo têm o provérbio seguinte:

Muamba senge va mongo to ke lili.
A muamba de galinha só no cimo se pode comer (só por cima tem algum azeite).

Com a muamba, sobretudo a muamba pesada (nzita), confeccionam-se pratos de muamba de carne, de galinha, de peixe seco, de peixe fresco, etc., etc.
Estas muambadas são acompanhadas, ordinariamente, de mandioca cozida, ou de arroz ou de fuba (farinha de mandioca cozida), e sem nunca faltar o piri-piri.

Saka-Folha

É um esparregado de folhas de mandioca. É feito com muamba. Pode levar milho pisado, mas milho fresco. Milho fresco pisado é o makandi. Só depois de bem cozida a saka-folha e o milho - ou o que se escolher para juntar na saka-folha - é que se deita a muamba que será muito bem mexida com o luika, mexidor de madeira.

Na saka-folha também é uso misturar peixe salgado, peixe fresco e carne. A carne vai aos bocados para que, na distribuição, se possa dar um pouco a cada uma das pessoas que tomam parte na refeição. Têm sempre imenso cuidado em fazerem uma óptima e equitativa distribuição da comida. Não nos lembramos nós de que foi dado o nome de Makaba - o que parte - ao descendente de Vuá Limabene que soube dividir perfeitamente a comida pelos seus oito irmãos?

A saka-folha (entre eles se chama Kilembe) ainda pode levar banana, feijão makundi (fradinho), etc.

Mas, voltamos a repetir, em todas as comidas que levam muamba o piri-piri (biazi ou gindungu) não pode faltar, não só para bom apuramento da comida mas até para tirar o sabor enjoativo com que ficaria somente com a muamba.

Mas é tudo muito bem cozido antes, em água e sal, com a saka-folha e em panela bem tapada com folhas de bananeira (que se prendem em redor dos bordos da panela). Só depois se deita a muamba, voltando tudo a nova fervura e bem mexido com o luika.

Há sempre o cuidado de escolher bem o luika, feito de ramo de árvore não venenosa, e, depois de se usar, guardá-lo bem.

Fazem muamba de uando (quando), de nkongo (macoba), de nzangi (feijão fradinho), de madezo manzala (outra qualidade de feijão), de madezo mampuese (feijão grande).

Kienzo

É um género de puré, que pode ser feito com puré de feijão e teremos o Kienzo kinzangi ou, o mais comum, com o puré de macoba (nkongo) e temos o Kienzo kinkongo. Quer um quer outro são condimentados com muamba e piri-piri para lhe dar gosto 18 sabor. Deve ficar em massa bastante consistente e não aguada.
 

Libuki

O libuki é feito com amendoim seco, torrado, conservando ainda parte da «camisa» (para dar ao libuki um colorido acastanhado), pisado com piri-piri e sal. Bastante piri-piri.

O amendoim é pisado no almofariz do dendém até que se note perfeitamente a saída do próprio óleo de amendoim. É, por fim, enrolado em folhas tenras de bananeira. Conserva-se bastante tempo.
O amendoim bem pisado, até começar a rever o próprio óleo, chega a ser usado como um substituto da muamba.

As folhas de muanga-baza - espécie de louro, mas de folhas mais largas do que o nosso e as de nuka são muitas vezes usadas para darem gosto à comida.

Makamba é uma espécie de batata amarga, indígena, que pode ser cozida com muamba, saka-folha, peixe, carne, etc.

Da tókula (Caladium esculentum - Taioba ou Taro) fazem um magnífico esparregado.

As inhames, banana-pão assada, mandioca assada (a mundele-mpaku) ou mandioca cozida (a que esteve a fermentar) são os acompanhamentos da comida servindo de pão.

São qualidades de refeições que não abandonaram e nem abandonam. Até chegam a ser apreciadíssimas pelos europeus, especialmente as muambas a saka-folha (sempre presentes nas festas deles em que os europeus tomam parte -e até se usam nas festas só de europeus) e o kienzo.

Mas já os vemos a adoptar a cozinha europeia, que aprendem a preparar com certo esmero.

O Africano só era cozinheiro em casa do europeu ou assimilado.

Nos tempos que correm, também já o começa a ser para a gente de sua raça.

Foi célebre cozinheiro o velho Pitra Kuanga - que ainda conhecemos e de quem chegamos a saborear os bem cuidados pratos, tanto à européia como à indígena, natural do povo Makanga-Cabinda, e que foi chamado a Luanda, em 1938, para cozinheiro no Governo Geral durante a visita e estadia do então Presidente da República, Marechal Carmona.

Na própria casa a cozinha está a cargo da mulher. Uma vez ou outra, em dia de grande festa e em que recebe amigos, se for ou tiver sido cozinheiro por conta de outrem, mostrará o homem as suas qualidades de culinária.

Não há costureiras. São os homens quem costuram, mesmo para as mulheres e lhes cosem os panos, fazem as saias e os quimonos e até os... soutiens (que já começam a usar) tirando as medidas e fazendo as provas que se julgarem necessárias!

E dizemos para as mulheres, não se tratando só das próprias.

Esta é ainda a regra geral. Mas já aparecem mulheres que fazem a própria roupa ou vão a outras, mesmo europeias, para que lha façam.

Por sua vez, no que diz respeito à lavagem da roupa, cada um lava e ponteia a própria. Nem a mulher lavava a roupa do próprio marido ou lha ponteava. Com dificuldade se tem conseguido que as alunas saídas das Missões Católicas de Irmãs religiosas comecem a fazer alguma coisa de costura e a pontear e lavar a roupa dos pais ou do marido, quando casadas. Mas tem custado bem! Porém, está a haver certa evolução neste sentido.

O natural de  Cabinda é também óptimo lavadeiro. A roupa branca, sobretudo fardas, fica tão bem passada a ferro que, por vezes, dá a nítida impressão de que foi engomada. O Cabinda lavadeiro lava bem melhor do que a lavadeira.

Há bons alfaiates, bons carpinteiros e muito bons pedreiros.

Os alfaiates - a não ser os já tidos por verdadeiros artistas e fazendo obra para os
europeus - raro trabalham na casa própria, bem como os sapateiros. Preferem ter autorização dos donos das feitorias e lojas de comércio para ali, quase sempre ao abrigo da varanda da casa, montarem a oficina. E não deixam de ter vantagens. É que os clientes das lojas podem acabar por ser seus próprios clientes mandando executar as obras, ali mesmo ao lado, com a fazenda acabada de adquirir. Até o dono da casa pode fazer uma pequena recomendação...
 


Fig. P 40 - Os alfaiates que aproveitam as varandas das casas comerciais


Fig. P 41 - Um mestre relojoeiro

Aparecem já mecânicos, condutores de carros, de camiões, tractores e de outra maquinaria nova.

A confecção de canoas é trabalho exclusivo dos naturais.

Para isso há-os especializados. Têm ferramentas próprias, mas manual e rudimentar.

São feitas mais correntemente de Safukala (Pachylobus pubescens, Vermoes) e de Tola Branca (Gossweilerodendron balsamiferum Harms).

Sabendo-se que há - e, sobretudo, que houve - canoas que aquentam com 4, 5 e até 10 toneladas (eram as usadas nos rios, para transporte de carga, especialmente óleo de palma e coconote) - pode fazer-se ideia do tamanho do tronco e do trabalho que deu em desvastá-lo e cavá-lo, sem se falar no da derruba de uma tal árvore!...

Outrora, como se faz notar em Prevost, havia tecelões, ferreiros, barreteiros (os confeccionadores dos barretes dos chefes) oleiros fabricantes de colares, carpinteiros, fabricantes de canoas, pescadores, mercadores, comerciantes, etc.

Fazendo talvez só excepção de tecelões e fabricantes de colares, tudo o mais continua em maior ou menor actividade.

Nesses tempos longínquos os tecidos eram feitos de fibras, especialmente da fibra da entrecasca do embondeiro (Nkondo) e da Nsanda.

Dessas fibras se fabricavam os célebres panos Libongo ou simplesmente Bondo (ou Lubongo, pl. Zimbongo) que correu como pano-moeda, pelo menos até 1693.

«Os portugueses, diz Battel, levam estes panos para as cidades onde passam por moeda corrente». (Cf. Nota)

Mas já se não tecem panos e nem se fabricam colares. Tudo isso se compra.

Os tecidos usados pelas mulheres Cabindas são de um estampado colorido que a todos encanta. E quantos desses tecidos, fabricados inicialmente para uso das naturais de Cabinda, passam às mãos - das senhoras europeias e suas filhas? E os que são procurados para as meninas e senhoras?

É que com razão se diz que a mulher Cabinda se veste com certo requinte e garridice.

Em tecelagem, agora feita por um ou outro habilidoso que já não faz parte da gente nova, ficou somente a de uma ou outra insígnia da indumentária dos Grandes Chefes.

São elas:

NZITA, barrete (espécie de carapuça) que pende de lado e chegando praticamente ao ombro. (CF,Fig. C 42 )

KIMPENE, também barrete como o anterior mas chegando só quase à orelha, quando pendido.

NGUNDA, barrete, tipo boina-solidéu (que pode ser todo liso ou com uma espécie de tufos, quer ao meio, quer dos lados).

KINZEMBA, espécie de murça. (Cf.Fig. C 42 )

As fibras mais usadas nos últimos tempos - uso, porém, que está a passar, uma vez que podem adquirir fios de toda a qualidade, cor e grossura e para todos os fins - eram as das folhas do ananás, da mpunga (urena lobata) e ainda a da entrecasca do embondeiro.

Bem interessante é a explicação e significação atribuída a cada um dos tufos do NGUNDA.

A que vamos dar é a que nos forneceu o Nkotokuanda do Nto do seu próprio Ngunda. Tinha sete tufos o seu ngunda.

Fig. P 44 & P 45 - Um homem Nkotokuanda de Ngoyo com a Ngunda. E uma jovem com o penteado a ngunda. Queremos fazer notar a semelhança que existe entre os tufos do NGUNDA do Nkotokuanda do Ntó e os do penteado da jovem.
 

Começa-se pelo da frente, segue-se pelo da direita e termina-se no do centro.

1 - Mazimbu ku tuzimba nsamu nfumu buala kazimbulanga nsamu ko.

O dono da casa não pode esquecer ou deixar de saber o que lhe vai por casa.

2. - Nkázi ukuela, ka kamba ndose ntu.

A mulher com quem casaste, não contes o sonho que tiveste (se é mau, não te deixa e vai fazer-te mal; se é bom vai-o contar a todas).

3. - Muana natunuá ukusemukuéne.

No filho que a tua mulher te trouxe (de outro homem) não podes ter nele confiança.

Os panos que os reis, outrora, usavam como vestido eram feitos, como sabemos, por fibras de plantas e árvores e também de palhas que se chamavam Makuta (sing. Likuta).

Estes Makuta, como o Libongo (ou Lubongo), corriam como moeda. Daí as Makutas...

4. - Ukose (likose) kakamba nfumu andi nsamu. A nuca não conta casos (assuntos) ao seu dono (pois não vê para trás).

5. - Banda mbata ntu, kambua kavuá ko. Batendo com o cimo da cabeça, não pode faltar dono (para ela, é coisa que se sente bem).

6. - Muana kambila Nzambi; monsi no Nzambi ka kamba ko ngeie tata ka podi ko nkamba ko. O filho fala a Deus; se Deus não te falou (respondeu) também o pai nada pode dizer.

7. - (o do centro) A unete va ntu, podi tula va nsi: a unete va munu podi kutúla va nsi ko. O que levas à cabeça, podes pôr no chão: mas não o que levas na boca.
 

 OS OLEIROS



A olaria, que só encontramos nas aldeias que têm perto o barro que é usado - uma argila negra - é manual e do sistema mais rudimentar que imaginar se possa.

Posto que se encontrem mulheres a trabalhar em objectos de olaria, esta é deixada mais para os homens.

Não se encontram objectos de simples ornamentação. O que se faz tem sempre um fim utilitário, para uso doméstico.

Os formatos são comuns, variando tão somente nos tamanhos e num ou noutro desenho com que embelezam as peças e a que ligam, por vezes, certo simbolismo. (Cf. «Sabedoria Cabinda»)

Das mãos dos oleiros saem:

Panelas-NZUNGU (pl. ZINZUNGU).

Destinam-se ao fogo e a confecção de toda e qualquer comida.

Sangas - MBASA (pl. ZIMBASA). São potes para água.

Encontram-se duas espécies de Mbasa: umas maiores e outras mais pequenas.

É às maiores que mais comummente se dá o nome de Mbasa. São de uma só cor, a preta.

As mais pequenas, mais interessantes e, ordinariamente, de duas cores, têm o nome de LIPOA (pl. MAPOA).

A cor vermelha é dada pela ngunzi, uma espécie de argila vermelha. A preta ou negro consegue-se com o uso da entrecasca do arbusto Kimbanzi. É rica em tanino.

Procede-se do modo seguinte: a entrecasca do Kimbanzi é colocada em infusão num recipiente com água. Ali fica tempo suficiente até que a água fica de um vermelho - arroxeado forte.

Depois da cozedura das Zimbasa, Mapoa e outros objectos de olaria a que se deseje dar a cor preta, com um pano molhado na infusão de Kimbanzi passa-se pelas peças, enquanto estão ainda quentes. Ficam pretas e nunca mais perdem a cor. Doutra sorte, depois de cozidas, ficariam esbranquiçadas, cor de barro simplesmente cozido.

Fazem ainda Moringues - NLINGO (pl. ZINLINGO).



Fig.P-42 - Um exemplar de Nlingo - moringue

Neste termo NLINGO (ZINLINGO) temos de ver uma deturpação da nossa palavra moringue (moringa). Mas há quem a não aceite.

Os moringues, feitos sempre de barro bastante poroso, são usados, mesmo pelos europeus - ou eram, nos tempos sem frigoríficos - para conservar fresca a água.

Os fornos para a cozedura destas peças de olaria são tão simples como a própria confecção dessas peças: cavados em qualquer barreira.
 

ESTEIRAS

São três as qualidades e espécies mais comuns de esteiras.

LUANDU (pl. MALUANDU) - Esteira feita de papiros.

KITEVA (pl. BITEVA) - Esteiras feitas, ordinariamente, com as folhas da mateveira (outros escrevem matebeira) - a Hyphaene guineensis Schumach et Thonn. É um género de palmeira - de leque.

Esta palmeira dá igualmente um rico vinho, mas menos abundante do que a palmeira comum.

NKUALA (pl. ZINKUALA) -A esteira que se fabrica com a fibra do colmo da planta Nzombe.
 


Fig. P 38 - fazendo esteiras

O fabrico das esteiras é deixado totalmente às mulheres.

Desde bem novas as raparigas começam a experimentar fazê-las.

1 - As de papiros - luando.
( Escrevemos também luando por se ter tornado palavra muito comum, mesmo em português.)

O luando dir-se-ia uma espécie de junco grosso, da espessura de um dedo ou mais, com dois ou mais metros de altura.

O papiro é cortado e posto a secar. Apara-se, posteriormente, em tamanhos iguais, de metro e meio a dois metros. São, em seguida, ligados de palmo em palmo, atravessando a espessura do papiro com liana forte e maleável ou com a fibra do lubamba (Eremosphata cuspidata Mann & Wendl) ou, actualmente, com alguma outra qualidade de fio adquirido nas feitorias.

Usam-se tantos colmos de papiro quantos os necessários para se obter uma esteira de uns 80 centímetros de largura.

A esteira de papiro - luando - é a que se estende imediatamente sobre o solo. Mesmo que a cama seja de tábuas, mas sem colchão, sobre elas serão estendidos um ou mais luandos. Só por cima do luando se estende a kiteva.

2 - O tamanho comum da Kiteva é de uns 60 a 70 centímetros de largo por 110 a 120 de comprimento. Não há desenhos especiais na kiteva e nem os pode haver no luando.

Para um bom luando exige-se que o papiro seja perfeitamente regular e cuidadosamente unido.

Na Kiteva esmeram-se no entrelaçado e procuram que as fibras das folhas da mateveira sejam o mais regulares possível.

Em princípio, na Kiteva não entram cores. Comummente são da cor da palha. Uma ou outra, contudo, aparece com fibras azuis ou pretas.

3 - Nkuala - Há muito mais cuidado e brio no tecer de uma Nkuala.

Se é feita a cores diferentes e com desenhos simbólicos, toma o nome de Nkuala-Buinu (pl. Zinkuala - zibuinu).
 
 

Fig. P 43 - Uma esteira com a representação do Leopardo

Estas Zinkuala-zibuinu são trabalho quase exclusivo das raparigas e mulheres dos clãs Basundi e Baiombe. Também um pouco do Balinge.

A fibra do Nzombe para as esteiras com símbolos pode ser usada em quatro cores. Raramente aparecem as quatro cores na mesma esteira.

- Cor preta, conseguida com a imersão das fibras nas águas das lagoas - com imenso lodo e tanino de plantas - durante alguns dias;
- Cor vermelha, fervendo as fibras em água com túkula;
- Cor azul, fervendo também as fibras com água e anilina dessa cor;
- Cor amarela, cor de palha, a cor com que ficam as fibras secas,

Estas Zinkuala - zibuinu são usadas mais nas cerimónias da Casa da Tinta ou em ofertas.

Os luandos e biteva são para uso comum: nas camas, nas reuniões públicas, sempre que se tenham de sentar no solo, e dentro das casas, quando não há cadeiras, cepos ou bancos que chequem para todos.

Há quem se encarregue da encomenda de esteiras e que as faça, tornando essa ocupação num oficio rendoso. Quem as faz por ofício vai vendê-las depois aos comerciantes ou nos mercados públicos ou até a quem lhes vier bater à porta.

Com dois ramos de palmeira, tecendo e entrançando os folhas, fazem ainda as mulheres o Ntete (Mintete, plural ), a que já chamamos mutete, adoptando o termo.

É maior ou menor. O maior é para cargas, usado no transporte de mandioca, lenha, potes de água, etc., etc.

O mais pequeno, para viagens. Chama-se Nte-tete ou Ntete-tete.

Neste levam as poucas coisas necessárias ou alguma pequena lembrança para os pais ou quem vão visitar.
 
 



Desenho perfeito, baseado em fotografia, de um Mutete

Os maridos não gostam muito de ver as suas mulheres com o pequeno mutete à cabeça. É que andam fora de casa, em passeios, e não casaram com elas para isso.

E é por isso que há o provérbio que diz:

Makuela m'intete-tete :
Mi si kuela ko.

O casamento de cestinho:
Não é casamento.

Ou ainda:

Makuela m'intete-tete:
Podi síkama va nzó nuni ko.

A mulher casada (quando tem à cabeça) o pequenino mutete:
Não pode ficar em casa do marido.

Fabricados ainda pelas mulheres são os cestos chamados NTENDE (pl. ZINTENDE ) , MPILI (pl. ZIMPILI) a que, comummente, ouvimos chamar KINDA.

O Ntende sofre vários tamanhos porque várias são as suas aplicações. Se podem servir para cargas, não é raro, quando mais pequeninos, serem usados na guarda de coisas caseiras.

O MPILI ou KINDA é que são cestos grandes para carga pesada: de lenha, potes de água, mandioca, etc., etc.
 


Fig. P 47 - Tecendo uma Mpili, cesto para carga

Usam-no as raparigas e mulheres Basundi e Baiombe, carregando-o às costas. Para isso empregam uma espécie de correia ou faixa (tecida de fibras resistentes de plantas), de cinco a sete centímetros de largura, que passa um pouco acima do meio do cesto e é fixo em suas frontes. Caminham de cerviz vergada. Desta forma melhor se equilibram e mais facilmente seguram e transportam a carga, bem pesada e bem grande, por vezes.

A faixa tem comprimento bastante para poder servir a mais velhos e a mais novos (às vezes cada um tem a sua) e para poder servir com Zimpili mais ou menos volumosos. Tendo os tais cinco a sete centímetros de largura para melhor e mais comodamente assentar bem no alto da testa, vai adelgaçando para as pontas a fim de permitir fazer-se o nó à distância que melhor convenha.

Estes transportes de cargas às costas, a não ser a dos filhos, não se vê entre os Bakongo e Bauoio.  (Cf. Fig. P 37 )

O Ntende e Mpili são fabricados com zimbanza (as nervuras dos ramos de palmeira) ou com fibras de lubamba.

O tamanho e resistência que se deseja que tenha o ntende ou, sobretudo, o mpili conduzirá à escolha e preparação de nervuras de palmeira ou de fibras de lubamba mais ou menos grossas e mais ou menos largas. Mas, na mesma peça, o material empregado será da mesma qualidade e da mesma espessura.


MERCADOS

Cabinda, a actual cidade, foi conhecida até há bem pouco tempo, pelos povos do interior, pelo nome-de KIOUA (Chioua).

E KIOUA designava praça, mercado.

E foi mercado não só de escravos, nos velhos tempos, mas de todas a qualidade de produtos da região: peixe, panos-moeda (Lubongo), sal, artigos e géneros necessários à vida.

O sal, em tempos, era mercadoria só permutada pelos senhores da terra. Era debaixo de sua superintendência que se fabricava o sal.

A água do mar era fervida em grandes panelas, acrescentadas pelo menos umas três vezes, para se conseguir juntar algum sal. Este chegou a ser adquirido pelas pessoas do interior a troco de escravos.

Por isso, para serem os únicos beneficiários, os grandes senhores de Kioua castigavam quem fosse apanhado a tirar água do mar. O sal chegou a circular, no interior, como moeda.

Tudo isto anda ainda na memória dos velhos, dos quais recebemos estas notas, que as receberam de seus maiores.

Continua a cidade de Cabinda a ter mercado diário e em mais de um lugar. O de maior sortido é no próprio mercado municipal. Em Lândana e em quase todas as sedes de Administração há mercado.

Fig. P- 49 - Aspecto de mercado junto a casas comerciais
 

Fig. P -48 - No mercado Municipal

No interior, ora numa ora noutra aldeia mais importante, há mercado num ou noutro dia da semana.

E no mercado aparece de tudo o que é necessário para sustento e alimentação, a saber:

Peixe fresco, peixe defumado, peixe frito;

Mandioca crua, kikuanga (a mandioca, depois de fermentada e de muito bem amassada, cozida em banho maria, envolvida em folhas de bananeira), dendém, feijão (várias espécies), milho, amendoim, macoba, inhames.
 
 

Fig. P 35 - Raspando mandioca fermentada no Bumbulu kimunga para fazer kikuanga

Fig -P 36 - Kikuanga já cozida e envolvida em folhas de bandeira


Bananas, mamão e papaia, ananás, mangas, anonas;

Luandos (esteiras grossas de papiros) e esteiras mais finas e comuns;

Piri-piri (seco e verde), folhas de mandioca para esparregado, gengibre...

Não se vêem à venda nos mercados animais domésticos nem carnes, mesmo de caça. São guardados para festas ou gastos familiares, em certas circunstâncias.

O sal, arroz, açúcar, sabão, panos, fazendas, blusas, quimonos, sapatos, etc., etc., são adquiridos nas lojas de comércio e feitorias.

Ou se compram a dinheiro ou por permuta. Na permuta entra frequentemente o óleo de palma e o coconote, café, milho e feijão, e ainda ovos e frangos.
 

DIVISÃO DO TEMPO

Está adoptada, praticamente, em toda a parte a nossa divisão de tempo em anos, meses, semanas e dias,

Ano ainda se diz MVU (pl. ZIMVU).

O mês é designado por NGONDA (pl. ZINGONDA), o mesmo que LUA.

Para os doze meses do ano adoptaram os nomes em português.

Por influência portuguesa, os povos dos territórios vizinhos designam da mesma forma os meses do ano.

Os dias da semana são:

Domingo

Kikunda feio (ou llumbu Kimueka) - Segunda-feira
Kimuali (llumbu kimuali) -Terça-feira
Kintatu (llumbu kintatu) - Quarta-feira
Kiná (llumbu kiná) - Quinta-feira
Kintanu (llumbu kintanu) - Sexta-feira

Sábado.

Nos velhos tempos

O ano dividia-se em duas épocas:

1 - A das chuvas - Ntangu Mvula - Tempo das chuvas.

2 - O tempo seco, do cacimbo - Ntangu lsivu - Tempo do cacimbo (Kisivu - pl. Bisivu - Cacimbo).

O tempo das chuvas ia (e vai ainda) do actual Outubro a meados de Maio; o tempo de cacimbo, dos meados de Maio a meados de Outubro.

Facto interessante: não é raro, nas terras do País de Cabinda, as chuvas começarem a cair mesmo no dia 15 de Outubro e terminarem uns dias antes do 15 de Maio ou mesmo nesse dia.

Os meses eram todos de 28 dias, de lua nova a lua nova.

Não tivemos conhecimento dos nomes que dariam, outrora, aos meses, a não ser de dois de que falaremos depois.

Cada mês dividia-se em sete semanas de quatro dias cada uma.

Os nomes desses dias da semana:

Em tempos deram-nos os nomes de
 NSONA
 NKOIO
 NTONO
 NSILO

Posteriormente, os de
 NTONO
 NSILO
 NSONA
 NKANDA

O NSONA, para uns, correspondia ao dia de descanso absoluto.

O dia imediato ao aparecimento da lua nova devia ser tomado como o primeiro dia da semana. Os outros ficariam relacionados com ele.

Cada dia tinha o seu trabalho estipulado.

Marichelle diz:

NSILO - nome de um dia correspondente à segunda-feira.

NTONO - primeiro dia da semana dos indígenas.

NSONA - dia da semana dos vilis durante o qual é proibido trabalhar e dia de honrar os feitiços.

P. J. Troesch cita uma passagem do dicionário do P. Derouet a este respeito. É ela:

«Os fiotes conhecem somente quatro dias: Ntono, dia das grandes assembleias e das «palavras».

Nsilo, dia em que se retira a mandioca da água em que estava a fermentar.

Sona, dia de descanso absoluto. Durante o Sona era proibido comer beringela e esparregado.

Nsuka, dia de orações; quando desponta deita-se a mandioca a fermentar.»

O que se fazia em dia de Sona (outros escrevem Nsona) segundo a descrição do velho Estanislau Kimpolo:

Esse era o dia que se revestia de maior solenidade.

Os Reis da terra tiravam cada um 9 folhas da planta Mabata-Bata, que se tinha por planta sagrada. (Veja-se aqui novamente o número 9 - número sagrado).

O Rei, sobrepondo essas 9 folhas de Mbata-Bata, colocava-as na sua frente segurando-as com o seu barrete Ngunda.

Com cinza, ou com uma espécie de barro que se encontra perto das praias - tendo-se o cuidado de o ter sempre de reserva - marcava a testa, os cantos dos olhos e o peito, tendo começado pelo umbigo.

Isto faz-se pelas seis da manhã. Toda a aldeia deve estar em absoluto silêncio.

O Chefe vestia-se com os melhores panos que tivesse e com todas as suas insígnias.

Ficava dentro de casa sentado. Pelas duas da tarde as mulheres levavam-lhe comida. Podiam, então, começar a falar todos.

Ao deitar-se o Chefe devia recolher as folhas de Mbata-Bata que, guardadas num pequeno cesto, serviam de um Nsona para outro.

Ultimamente deram-nos outros nomes e descrições sobre os dias da semana.
 

NTONA, NSILO, NSONA e NKANDO

O Nsona e Nkando, dizem-nos, eram os dias de descanso. Não se podia trabalhar nos campos nesses dias. Eram destinados às cerimónias feiticistas e ao julgamento de questões.

Nesses dias de Nsona e de Nkando, o nganga do Mbumba não podia comer feijão makundi (frade), nem mandioca fermentada e nem saka-folha (kilembe).

Mesmo as outras pessoas não podiam, nestes dois dias, levar para dentro de casa os ramos de mandioca de onde deveriam tirar as folhas para o esparregado. Deveriam executar esse trabalho fora de portas, deixando cá fora os pedúnculos.

O nkisi Mbumba era também para acalmar os nervos e ânimos... Por isso quem lá ia deveria regressar perfeitamente calmo.

Na panela do feitiço, juntamente com ervas e outras drogas, eram queimadas as preocupações dos clientes!...

Também usavam amarrar à panela uma tira de pano, ordinariamente de zuarte. Em uma das pontas pegava a nganga e na outra o cliente. Dessa forma eram afastadas as preocupações das pessoas!

Os meses correspondentes aos nossos Fevereiro e Março eram denominados, respectivamente, Muana Sungi Nuni e Muana Sungi Nkazi.

Nestes meses as pessoas que traziam braceletes de cobre deviam cobrir esses braceletes com pano, pano vermelho ou zuarte.

Se o não fizessem, seriam tomadas como as causadoras da morte das pessoas que falecessem durante esse tempo.
 

LEIS E PRINCÍPIOS SOBRE O TRABALHO

Levar ao fim o trabalho começado: quem faz uma camisa prega-lhe os botões.

Cada um colhe o que semeia: do lado que se desenrola a esteira, desse lado é que se dorme.

Enquanto se faz um trabalho, não se executam outros: o sapo não salta os paus enquanto come.

Do trabalho das mãos nos vem tudo: é que as mãos salvam a vida ao seu dono.

Mais vale trabalho do que boas falas: o som do tantã pode ser muito agradável, mas não tem o valor da palmeira que, com o dendém, alimenta o homem.

Há trabalhos que nem todos podem fazer: se os trabalhos da cozinha são próprios da mulher, já é ao homem que pertence subir às palmeiras para nelas colher o dendém que dá a óleo para as refeições.

É preciso ter forças, comer, para poder trabalhar: sem vento o barco à vela fica parado.

Cada um trabalha com o que é seu: ninguém vai torcer a corda no joelho do vizinho.

Trabalhos pequenos estão à altura de todos: por fraca e pequena que seja uma faca pode ter sempre aplicação.

Cada coisa por sua vez: lá por que o cão tem quatro patas, não toma quatro caminhos ao mesmo tempo, mas um só.

Não se meter em trabalhos que se não podem levar ao fim: ninguém se mete com um cão sem ter meios de defesa.

Há trabalhos que só pessoas experimentadas podem levar a bom termo: uma criança pode matar uma cobra pequena mas não se abalança a lutar com as grandes.

Não se pode passar sem trabalhar: o sol nasce, o dia desponta para que o homem se lance ao trabalho.

Quem mais trabalha, mais colhe: também é o pássaro que mais se mexe e anda o que mais comida apanha.

Quem não trabalha, não come a galinha que não esgaravata não consegue alimentação e passa fome.



Varios tipos de armadilhas para pesca

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