15 CABINDAS HISTORIA - CRENÇAS - USOS E COSTUMES: TOMO XV

CASA DAS TINTAS

« Casa das Tintas »  é nome muito genérico.
Pode aplicar-se:

A NZO KUMBI KIMPILO -a casa para onde ia a rapariga depois da primeira manifestação da puberdade;

A NZO KUALAMA - a casa onde a rapariga entra para as cerimónias que precedem a tomada de estado.

Casa das Tintas é designação dada pelos europeus, E diz-se «das tintas» por que as pessoas que entram nessas casas, para os cerimoniais respectivos, pintam-se, durante todos os dias que lá passam, com tukula.
Takula é o Pterocarps tinctórius - Welw.
Tukula à o cerne desta mesma árvore reduzido a pó, a serrim muito fino. A tukula tem uma cor avermelhada bastante viva.

Mas o nome de CASA DAS TINTAS aplica-se principalmente à NZO KUALAMA, também chamada NZO KUMBI (ou IKUMBI) ou NZO KUMBI KlBUALA e NZO KUMBI KINKUALA.

      NZO KUMBI ou NZO KUMBI KIMPILO

Logo que a donzela sentia os sinais inconfundíveis de que chegou à puberdade, tratava de avisar a mãe ou alguma de suas companheiras de confiança e retirava-se para o meio de uma planície onde se esconderia no meio do capim.

Reuniam-se, então, todas as outras companheiras e, pela tardinha, iam procurá-la entre cânticos e bater de palmas. Iam cantando e chamando. Ela nunca responderia ao primeiro chamamento,

Supondo que seu nome era Margarida Nkonde, chamá-la-iam, mais ou menos, nestes termos: Margarida Nkonde, Margarida Nkonde, konsí uendeze? Sika mvioze... bula kuku! Margarida Nkonde, Margarida Nkonde, para onde foste? Assobia, bate as palmas (para sabermos onde estás)...



Depois de deixar chamar por algum tempo, com o bater das palmas por umas três vezes, indicará onde se encontra.

As companheiras correm para ela. Encontram-na a chorar. Lançam-lhe imediatamente um bocado de tukula preparada por uma donzela que ainda não haja chegado à puberdade.

Voltam à aldeia entre cânticos. É já noitinha.

Parte das raparigas banham a Kikumbi enquanto outras tratam de forrar o quarto para onde vai com esteiras cujos desenhos, ordinariamente, encerram provérbios apropriados.

A rapariga vai continuando a chorar... Chora o tempo de infância que se vai.

Em cima de quatro estacas, bem fortes e seguras, a uma altura de 80 a 90 centímetros, estacas terminadas em forquilha, fazem a cama da rapariga. No chão, a par, ficarão as camas das donzelas que virão, de noite, fazer companhia à Kikumbi.

Leve e capaz de ser pintada com tukula é a roupa que lhe entregam. Essa roupa é colocada, antecipadamente, em uma bacia que contem água, óleo de palma e tukula para que tome a cor vermelha.

Depois de seca é que lhe será entregue.

Tendo a Kikumbi entrado na casa, atiram com tukula para a cama, paredes, tecto, esteiras, etc.

Rapam-lhe o cabelo. Todos os dias tomará banho e de novo será pintada com tukula. Dizem que é para tirar o cheiro de menina!

É uma velha que a lava e pinta. A rapariga lava também os dentes com tukula, da mesma com que a pintam. É ornada com missangas e braceletes bidenga e com argolas nlunga de cobre e ferro, nos braços e pernas.

Em alguns clãs deixavam, na cabeça, desenhos bastante simétricos a que davam o nome de nsanda. Na cabeça é posta a ntanta, banda de pano também embebida em tukula.

Do ombro esquerdo ao sovaco direito, passando pelas costas, e do ombro direito à axila esquerda, passam uns cordões tirados da palmeira bordão (a que chamam mpusu) ou de lubongu lufula com pele de animal e fios de algodão.

Na testa e nuca, fios de algodão também ornados com missangas e botões. Aos fios de algodão (makoko) que cruzam no peito dão o nome de ikanga.

Dos preparativos faz parte o trabalho das mulheres a reduzirem a pó a cerne da tukula com que a Kikumbi será pintada durante todos os dias que ficar na nzo kumbi.

Como se consegue esse «pá» de tukula?

Friccionando dois paus de tukula (sika tukula), um contra o outro, e tendo colocado entre eles uma areia branca especial - a nseka - com um pouco de água.

Essa qualidade de areia é tirada junto do nkisi-nsi. Quando a vão buscar levam dinheiro e aguardente para oferecerem ao nkisi-nsi (é o Kesumbí nseka - comprar a nseka).

Esses paus de tukula chamam-se lukunga (pl. zinkunga).

Fixa-se, o melhor que se pode, o pau debaixo; fricciona-se com o de cima. Este chama-se isese. O debaixo é o mbuli.

A tinta de tukula, que é de um vermelho vivo, consegue-se misturando o pó, o serrim, de tukula com água e óleo de palma, o que se pode extrair de 9 grãos de dendém, o número sagrado dos Bakongo descendentes de VUA LIMABENE (a de 9 seios, a que deu origem aos 9 clãs).

Os grãos de coconote que ficam depois de livres da polpa que contem o óleo, são enterrados debaixo da cama da rapariga. Não chegamos a ter a certeza se sim ou não eram depois desenterrados.

Noutras partes, no Lukula por exemplo, na festa da Nzo Kualama, a que precede a tomada de estado, a mãe da kikumbi costuma deitar esses grãos de coconote atrás da casa da filha recém-casada.

Dizem que dará felicidade.

Em «   Nós, os Cabindas » , na pá. 113, fala-se no costume de hastear o pano interior com os sinais do aparecimento da puberdade.

Nunca tal vimos ou disso ouvimos falar. Mesmo os mais velhos e mais velhas afirmam nunca tal terem presenciado em todo o tempo de suas vidas ou ouvido falar em tal.

A rapariga, já nesta altura, pode bem ter noivo. Tendo-o, este, ordinariamente, oferece-lhe panos e um lenço de cabeça que ela usará - se usar - bastante puxado para a frente dos olhos para mostrar que tem vergonha. Mas, no dizer do P. João Vissers, na área do Ndinge, a rapariga nunca usará os panos oferecidos, nesta ocasião, pelo noivo. Dá-os à mãe recebendo outros em troca ou guardando-os até ser casada. Faz assim, primeiramente, para mostrar a vergonha que sente em ter já noivo mas também para ficar livre de compromissos. Pode ser que venha a recusar casar com tal homem e, então. ninguém lhe poderá dizer: «mas aceitaste os panos dele».

Ainda em  «   Nós, os Cabindas »  , pág. 113, diz-se que a puberdade das raparigas começa pelos 12 anos.

Por estatísticas bem estudadas e bem fundamentadas, feita por pessoa de conhecimentos directos, a idade média da puberdade das raparigas anda muitíssimo mais perto dos 15 anos do que dos 12. Poderá mesmo dizer-se que a idade da puberdade, idade média, nunca será antes dos 15 anos.

O que deixamos descrito até aqui, no que diz respeito à Nzo-Kumbi, era como se procedia mais ou menos em todos os clãs, com uma ou outra excepção ou uma ou outra particularidade, nos tempos passados quando a donzela chegava à idade da puberdade.

Tudo isso, e mais o que descrevemos em seguida, se faz na altura da festa da NZO KUALAMA.

Não passa despercebida, porém, a chegada da puberdade, evidentemente. A donzela que sente chegado esse dia avisa a mãe e ainda corre, quase sempre, para a floresta. A mãe chama a família. Conta-lhe o caso e com os mais membros femininos vai em busca da filha. Trazem-na para casa. Dão-lhe um banho, lavam-na com sabonete e até com algum perfume, sempre à venda nas feitorias, e a pequena passa a andar à vista de toda a gente. Mas, tão novinha e a cheirar assim tão bem, ninguém deixará, na aldeia, de ficar a saber da transformação havida.

Entre os Basundi fazem, por vezes, a festa da puberdade em moldes ainda antigos, mas só em família. Pintam a rapariga durante umas duas semanas, que fica encerrada em casa. Nada mais.
Entre os Cabindas, Bauoio, não se pintam. Conservam-se por casa durante uma ou duas semanas banhando-se com frequência em água morna e não esquecendo o sabonete nem a água de Colónia ...

No dia fazem uma pequena festa familiar.. Mata-se galinha. Estão presentes os pais, os irmãos e a família mais chegada.

NZO KUALAMA

Nenhuma rapariga deixará de passar pela NZO KUALAMA e com todo o cerimonial pelo menos o indispensável - incluindo mesmo o que, em tempos, se fazia na Nzo Kumbi Kimpilo, e com a maior solenidade que seja possível.

A Nzo Kumbi Kimpilo é condicionada à idade de puberdade.

A Nzo Kualama é preparada com antecedência, pelo menos pela família da rapariga, e em ordem ao casamento, à tomada de estado.

Kualama, diz Marichelle: "En, âge de se marier" Estar em idade de se casar,

Kualama, será, antes, o passar pelas cerimónias da puberdade ou das que antecedem as do casamento ou tomada de estado.

Alguns no Ndinge, diz o P. Vissers, chegam a usar a mesma palavra com respeito aos rapazes na altura da circuncisão.

Nos tempos actuais a Nzo Kualama é, na verdade, a casa onde a rapariga entra para as cerimónias que precedem a sua tomada de estado.

Como dissemos já, Nzo Kualama também é denominada por Nzo Kumbi Kibuala a casa da virgem da aldeia ou NZO KUMBI KINKUALA - a casa da virgem das esteiras (por causa das esteiras que se colocam na cama e casa da rapariga).

Portanto, quando a rapariga está para casar entra na NZO KUALAMA.

O termo casar é genérico. Tanto pode ser tomado como casamento religioso, natural ou mesmo o estado de vida fácil ou de concubinato.

A esta festa, a da Nzo Kualama, nenhuma rapariga faltará.

Seria faltar às leis do Nkisi-Nsi, às leis de Lusunzi ou de Luamba quem se casasse ou tivesse relações sexuais sem se sujeitar às cerimónias próprias da Nzo kualama que reúnem em si todo o cerimonial antigo e que era também próprio do Nzo Kumbi.

A festa é previamente preparada entre a família e os amigos.

Já todos sabem que a rapariga está uma mulher feita. São horas de casar!

Nada dizem à rapariga, Ela, porém, muitas vezes desconfia do que lhe andam a arranjar. Mas procede como se de nada soubesse.

No dia aprazado mandam-lhe fazer uma viagem a título de qualquer coisa. A viagem será suficientemente longa para que possa voltar só à noitinha, Para maior segurança vai com uma ou duas amigas.

O acompanhar a rapariga nesta viagem de afastamento chama-se: kondula ikumbi.

Na aldeia outras pequenas e mulheres preparam a tukula (kusika tukula). Não é tão fácil como à primeira vista pode parecer o fazer a tukula para todo o cerimonial, para todo o tempo em que a rapariga fica no Nzo kualama. Leva bastante tempo, até porque, de vez em quando, as mulheres e as donzelas param para dançar, comer, beber...

E comem sempre muito bem no começo e no fim.

Fazem a comida e juntam tudo o que é preciso: duas ou três ou mais panelas de tukula bem cobertas com folhas de bananeira e cuidadosamente guardadas.

Acontece que, por vezes, os paus de tukula são mais duros e dificultam o trabalho. Nestes casos era chamado um velhote nganga que, com aguardente, vinho tinto e vinho de palma, aspergia o local onde se trabalhava e os paus de tukula.

Enquanto se faz a tukula não é permitido pronunciar o nome da rapariga nem as palavras tukula, takula, kualama, etc. Isto provocaria mabilia ou mabasa, isto é, «pulsações do coração» pelas quais a rapariga desconfiaria do que lhe preparam e, portanto, facilitando-lhe uma fuga, o que não convém.

Limpa-se muito bem a casa para onde irá a rapariga. Em tempos, em cada aldeia, havia uma casa para este fim.

Em alguns clãs o pai ter-lhe-á comprado uns sapatos, ou coisa que lhe faça as vezes, e mais uma faca, colher e garfo.

A Kikumbi nunca poderá colocar os pés directamente na terra.

A Nzo kualama, festa de preparação para o acto mais sagrado da vida humana, é dedicada ao Nkisi-Nsi. Este habita na terra. E esta é também sagrada. Por isso a kikumbi não a poderá calcar directamente.

Eis a razão pela qual o pai lhe compra os sapatos para que os calce sempre que tenha de descer da cama. Doutra sorte terá que haver cuidado em ter esteiras por onde ela passa ou ser levada às costas de alguém, de alguém do sexo feminino.

Quando a rapariga volta da viagem, à noitinha, é então que lhe lançam a tukula e a agarram para o começo da cerimónia. Nesta altura chega a haver verdadeira luta. Dir-se-ia que a rapariga está possessa pois demonstra, por vezes, uma força de que ninguém suspeitaria. Luta e luta a a valer!... Mas, que pode contra todo o povo? Chega a ser espectáculo digno de ver-se.

Dominada, é levada para a casa onde, nessa noite, só mulheres podiam entrar. Nos tempos de hoje já começam a deixar entrar pessoas do sexo masculino, como mirones...

Dentro da casa contínua a luta e, por vezes, chega a vazar as fracas paredes de papiros com um braço, uma perna e até com a cabeça... Mas não há perigo de escapar. Os homens nesses casos estão sentados, fora, em volta da casa, de cara para as paredes, empurrando para dentro a mão, pé ou cabeça.

A casa chegava, por vezes, a ficar de tal modo danificada pela luta que no dia seguinte se tinha de substituir alguma parede de papiros, evidentemente - ou mudara rapariga para outra casa.

Ela acaba, porém, por deixar de fazer resistência. Fica verdadeira mente cansada. Cai no chão e começa a chorar. Um chorar cantado onde aparecem muitas vezes insultos contra os que a agarraram.

Vai chorando e cantarolando cânticos improvisados aos quais respondem as outras donzelas, sentadas em volta dela e mostrando, por vezes, não menor aflição do que a própria kikumbi.

Lá fora começa o batuque. Está um luar de sonha. A lua vem tomar parte na festa.

quase sempre na fase da lua cheia que se procede a estas festas. A lua é a electricidade das aldeias africanas!

As raparigas amigas não tomam parte no batuque. Ficam toda a noite com a kikumbi.

Em alguns clãs deixam a rapariga entrar em casa e que coma alguma coisa. Logo que as companheiras julgam ter comido bastante chamam-na à porta e, ao mesmo tempo que é agarrada, atiram-lhe com tukula e dizem-lhe:

Tuuóló! Tuuóló! (como que sinal de alarme.)

Abu ubele kinkumpa,

Abu ueka ndumba,

Bileze, losukuanu.

Até agora eras kinkumpa (kikumbi - virgem) (e não podias ter relações)

Agora tornaste-te ndumba (a que já pode usar)

Pequenas, gritai (dai sinal).

Todas gritam e berram de alegria. Só ela chora.

Noutros clãs ainda deixam que saia fora da porta, levam-na para onde se esconderam as que têm a tukula e lá é que a seguram e lhe lançam a tukula.

E em outros, e é o mais comum, apanham-na como descrevemos acima, logo à entrada da aldeia e, ao mesmo tempo que lhe lançam a tukula, dizem-lhe: até agora eras virgem; agora ás casada (abu ubele kinkumpa; abu ueka ndumba). Passas a ter autorização para usares dos teus direitos de mulher (depois de realizadas estas cerimónias da Nzo Kualama).

Há muita coisa que é comum, seja em que clã for.

É, por exemplo, sempre uma mulher casada a quem não tenha morrido o primeiro filho (télika muana ntete) quem segura a rapariga e a borrifa com tukula ou lhe lança a tukula. Só depois as outras a podem agarrar e segurar.

No primeiro dia é esta mesma mulher quem a vai pintar. Cada vez vai riscando, mesmo na parede, as vezes que pinta. Na primeira vez é até nove.

Ao apanhá-la e borrifá-la com tukula, a mulher diz-lhe:

Ba me nlosukuela ko,

Ba me mbula ko.

Nós não berramos contigo,

Nem te batemos.

As companheiras deitam-na num luandu (esteira de papiros) e cobrem-na com panos. Depois são-lhe cortados os cabelos e, em alguns clãs, também lhe cortam as unhas das mãos e pés até ao sabugo, quase até fazer sangue. É sinal, dizem, de que passou a ser mulher.

Cabelo, unhas e um pouco de tukula são metidas numa pequena almofada sobre a qual, nos dias que se seguirão, repousará a cabeça.

Hoje, quem quiser conservar os cabelos pode, mediante o pagamento de 10 ou 20$00.

A rapariga, na Nzo Kualama, não pode falar alto e nem falar com estranhos. Somente com pessoas de família e com as pequenas que lhe fazem companhia poderá falar baixinho. Estas donzelas que lhe fazem companhia chamam-se Binkiengie.

Sempre que estranhos entrem na casa, deverá cobrir-se da cabeça aos pés. Depois, se precisar de sair para alguma necessidade, deverá também cobrir-se com 'um pano pela cabeça e sem deixar ver o rosto.

As companheiras ao fazerem-lhe companhia, sobretudo na primeira noite, cantam:

Leze... é, bonda... é,
Kinkupa é..., bonda é ...
Menina... é, sossega ... é,
Solteira é... fica sossegada é...
 


Todas as meninas ficam de pé. Voltam a cantar na mesma toada:

Mataba nlonga leze...
Ueki muna nlonga bakuluntu...

Vais sair da companhia das meninas.
Para passar à companhia das pessoas idosas.
 


Sentam-se depois e voltam a cantar todas:

Lila... lila iaia... é...
Kete komba befu buáli...
Kete lamba befu buali...
leki siala minu veka...

Chora... chora... irmã...
Mesmo a varrer nós as duas...
Mesmo a cozinhar nós as duas...
Eu vou ficar só...
 


laia... like báluka kisi lubamba...
Minu maiola-iola bikumbi, na mama... é

Irmã... vais mudar como se fosses um lubamba ...
Eu cantava muito na festa das outras bikumbi, o mãe!
(laia, está por komba - irmão, irmã).
 


As donzelas vão continuando a cantar.

Lá fora rufam os tambores. Ouvem-se os recos-recos e as latas com areias dentro. O batuque continua até ao primeiro galo.

A pouco e pouco todos vão indo para suas casas.

Na Nzo Kualama já se fez silêncio. Procuram dormir.

Logo que começa a romper o dia, na primeira manhã, as raparigas acordam a kikumbi cantando:

Bukiela... bukiela...
Susu kókula,

Makuangi kabúla mbembo.

Amanhece... amanhece...
O galo canta...

As perdizes também já cantam.

Bukiela... bukiela.,.

Muana mama ikotuka imene...
Bukiela... bukiela...
Muana mama likuenda ikiunda...

Amanhece... amanhece...
A filha acorda de manhã cedo,
Amanhece... amanhece...

A filha vai ficar triste.
lkotuka imene
Ikukusa imene
Levanta-se de manhã cedo,
E pinta-se (de tukula) de manhã.
 
 

As raparigas vão, depois, à água.

Enquanto as outras cantam a kikumbi chora. Chora os dias da meninice e da juventude passada.

Todos os dias se lava e se pinta de novo. Como já dissemos, no primeiro dia e na primeira vez é pintada nove vezes seguidas.

Não pode, já está dito, colocar os pés directamente no chão.

Ou toma uns chinelos (actualmente, pois outrora, dizem, usavam uma espécie de tamancos feitos de madeira) ou são levadas às costas de outrem.

As raparigas quando voltam da água chamam a mãe, o pai e família da donzela para que as ajudem a descarregar as sangas - potes - da água.

E chamam cantando:

A Buanga... ntula ...
A Tata... ntula...
A Mama ... ntula ...

O Buanga ... Tira,
O pai ... Tira...
O mãe ... tira...
 
 

A família vem e dá-lhes qualquer coisa em reconhecimento do trabalho que estão a prestar. O pai deverá, em sinal de alegria, dar um ou dois tiros de espingarda. Se assim não faz, não deixarão de cantar:

Tata, loza... é: kakuiza loza ko?
Minu teka mena nlengia uiza loza ko?
Minu teka mena minkondo?

Pai, dispara... é: não vens dar tiros?
Esperas que me nasçam os cabelos para atirares?
Esperas que me nasçam (cresçam) as unhas?

Se só dá um tiro não deixarão de a arremedar, cantando:

Makuanga maku uiza kótuka?
Kakuiza loza ko!

Vens espantar os teus makuanga (espécie de pardais) ?
Não vens dar tiros (não vens fazer a festa de tua filha, não)!
 
 


Começa, depois, uma vida mais ou menos sempre igual de lavagens e pinturas na

Nzo Kualama.

À noite, com danças mais frequentes, há mais animação na aldeia. Os pais fazem gastos procurando receber bem os que são da família ou amigos e mesmo aqueles que, a pretexto da festa da filha, vem tomar alguma coisa e aumentar o número dos convivas.

A gente mais nova, rapazes, fazem diligências para entrar na casa onde se encontra a rapariga.

Nessa altura, em geral, o pretendente tem de dar à noiva um espelho, um prato, faca, garfo, bacia etc. coisas que, desde já, ela pode usar.

As vezes, em certas ocasiões e certos clãs, os rapazes podem entrar na Nzo Kualama para brincar, menos o pretendente. Mas, na hora da brincadeira, este mandará para lá um rapaz de sua confiança para evitar que algum se dê ao desporto de ser demasiadamente galante ou atrevido para com o kikumbi.

Nos clãs onde se permite que o noivo entre, a rapariga será sempre avisada quando ele vai entrar para que ela, e bem a tempo, esconda o rosto rebaixo do pano. Tendo ele entrado, ela não falará.

É absolutamente proibido que o noivo oiça a voz da noiva.

A rapariga, sempre vestida e pintada de vermelho, o vermelho da tukula, fica, por vezes, irreconhecível.

Não sai fora.

Tendo necessidade de sair para satisfazer alguma necessidade, avisa-se em voz alta e quase cantada:

Konga lunena... nena,
Babakala ... banza,
Bakiento ... maleso!

Um grupo vai... (entre o milho),
Os homens (limpam-se) com banza,
As mulheres, com lenços!

E quando regressam:

Mafumina kunena:
Ndoko teliá.

Voltamos (de entre o milho!):
E (agora) vamos comer!

E, de facto, anunciam, cantando, quando vão comer,

Befu tuéki maka... éié!

Sukula zindonga, tueki teliá...

Nós vamos subir (para comer)!

Lava os pratos que vamos comer,

Ono ke munzala... kuizanga!

Tuéki liá... tueki liá.. .

Quem tem fome ... que venha!
Nós vamos comer ... nós vamos comer...
 


A rapariga come sozinha e antes das companheiras.

Come sentada em cima da cama e com as pernas cruzadas, à Buda...

Durante a noite a casa está praticamente sempre iluminada.

Se outrora usavam resinas como iluminação (p. ex. tochas feitas com a  resina de Safukala - Pachylobus pubescens, Vermoes), hoje têm candeeiros de petróleo.

Se o petróleo falta, as raparigas que tomam conta da kikumbi - bananga kikumbi fecham-na na casa e vão pedir o petróleo.

E pedem-no nos termos seguintes:

léié ... tulueka, tulueka...
léié ... befu bileze bikumbi tulueka...

léié ... nós cortámo-nos, nós cortámo-nos (dizem assim para chamarem mais a atenção).
léié... nós, as  «  criadas »  da kikumbi, cortámo-nos (ferimo-nos).
 
 

Komba nganda,
Viviokila bileze bikumbi...

Varre fora (o terreiro)

Onde vão passar as «criadas» da kikumbi.

Tuala pitrólé ... kambua ...
Tuala fósfro ... kambua ...
Dá cá petróleo ... falta...
Dá cá fósforos ... faltam...

E, desta forma, se vão passando os dias na NZO KUALAMA.

Ordinariamente a rapariga nunca passará menos de um mês na, «Casa das Tintas».

Há na NZO KUALAMA uma cerimónia, que ainda não mencionamos, e que é, por assim dizer, a razão de ser desta festa.

Em substância, a cerimónia é comum a todos os clãs.

Não chegamos a saber se tem dia rigorosamente marcado - se no primeiro dia, se ao meio do tempo ou se nos fins dos dias que a kikumbi passa na Nzo kualama - para essa cerimónia.

A mãe da rapariga entrega à mulher que foi escolhida para «mestra de cerimónias» e que, como sabemos, deverá ter ainda vivo o seu primeiro filho, 9 (nove) grãos de dendém. A mulher que pinta a kikumbi pela primeira vez também terá uma panela em que foram colocados nove pequenos montitos de tukula.

Os grãos de dendém são misturados na panela onde se colocaram os nove montitos de tukula.

A mulher chama um garotito antecipadamente escolhido. Estende uma esteira nova onde se senta a kikumbi bem como o pequeno.

A rapariga está, pois, sentada. Esse pequenito é, por três vezes, posto e tirado pela tal mulher em cima das coxas da rapariga, ficando os dois -a kikumbi e o pequenito face a face, de frente.

É isto o Kusumuna kina (china) ou Kusumuna nIongo - levantar a proibição, o tornar lícito.
A partir desta cerimónia a rapariga já podia rir e brincar.
Por isso julgamos que tem lugar logo nos primeiros dias.
Pode rir e brincar até ao dia em que a levam para o rio para acabar com tudo num banho, antes do casamento.

Mas no último dia, na despedida, voltará a lutar e a chorar.

A cerimónia do Kusumuna kina tem por fim permitir à rapariga, daí para o futuro e sem cometer falta contra o Nkisi-Nsi ou contra as leis de Lusunzi - o coabitar matrimonialmente.. . passados os dias das cerimónias na Nzo Kualama.

Contudo, já mais próximo de nós, a cerimónia essencial deve estar resumida no acto

rapariga se pintar com tukula. Esta pintadela, mesmo breve e sumária, tornou-se certamente a cerimónia essencial da NZO KUALAMA.

Esta afirmação a baseamos no seguinte: as raparigas internas das Missões das Irmãs Missionárias, saindo do internato para a Igreja, onde vão casar religiosamente, passam sem o tempo e cerimónias da Nzo Kualama. Mas não dispensam uma pintadela de tukula, de fugida que seja, na tarde do dia do casamento antes de seguirem ou, melhor dito, antes de serem levadas, à noitinha, para casa do marido.

Nenhuma rapariga, pois, terá a primeira noite de núpcias sem ter sido pintada, Será por pouco tempo, uma ou duas horas e até nem tanto poderá ser, por vezes. Nesta pintadela, para algumas, se resumirá agora a cerimónia principal da Nzo Kualama que lhe permitirá, de futuro, ter vida matrimonial.

A partir da cerimónia do Kusumuna kina, conforme a descrevemos acima e que é do ritual comum... ou resumida na pintadela de tukula, a kikumbi é livre para tomar estado - casar ou, simplesmente, passar à vida livre...

Mas não se esqueça de que esta permissão lhe é concedida por essa cerimónia, mas acabando os dias da festa da Nzo Kualama,

Já dissemos que na mesma casa onde fica a kikumbi, em esteiras colocadas no chão, vão amigas lá pernoitar.

Há quem afirme que com estas donzelas os rapazes têm ou podem ter certas liberdades...

No Maiombe ex-belga e português chegam a afirmar que não há crime se as raparigas ficam grávidas, quer tenham ou não passado pela «   Casa da Tinta »  (mas só durante estes dias em que fazem companhia à kikumbi).

Em Kakongo, Ngoyo, Ndinge, Nzobe há crime.

Nesse mesmo dia da cerimónia do Kusumuna kina o pequeno pode ir embora. Mas não deixa de ser muitíssimo comum encontrar-se sempre na «  Casa da Tinta » , a fazer companhia à Kikumbi, uma rapariga e um pequenito. E, ou por brincadeira ou por fazer parte do cerimonial, o pequenito está quase sempre pintado de tukula.

Quando a rapariga vai para a Nzo Kualama já tem, em regra, pretendente. Será ele quem corre com algumas despesas, sobretudo vestuário e alimentação da rapariga.

Outras vezes, não raras, é na «  Casa da Tinta »  que a rapariga acabará por arranjar namorado ou o futuro marido. São estas que mais tempo ficarão na Nzo Kualama, pois, sempre levará mais tempo a arranjar pretendente e este a conseguir o mínimo necessário para o alambamento e para levar a rapariga como sua mulher.

Uma coisa é certa:

Da Nzo Kualama a rapariga sai ou para o casamento, quer natural quer religioso, ou para a vida de concubinato ou de meretriz. A rapariga não poderá ter vida sexual sem passar pela Nzo Kualama.

Na véspera da saída, durante toda a noite - esta véspera é, quase sempre, a do casamento - a kikumbi com as amigas passa o tempo a chorar e a despedir-se das companheiras dos tempos alegres e desafogados da infância. Amanhã será casada. Será uma nova vida que não conhece mas que sabe ser de muito mais trabalhos e preocupações.

Por isso, nessa altura e nessa última noite de solteira passada na Nzo kualama, os cânticos são verdadeiramente tristes e de muita amargura. Não há fixão. Assistimos a uma dessas noites.

Na sua cama de Kikumbi, onde se foram diariamente acumulando as esteiras e o pó de tukula, ela passa, em elegia bem triste e sentida, toda a sua vida. Está na cama e de rosto voltado para a parede.

Para tornar mais doloroso o momento, em resposta, também as companheiras lhe lembram todas as horas passadas de felicidade e despreocupações.

Passou o tempo da Nzo Kualama. O noivo já deu o nlandulu kikumbi. É dele agora. Vai amanhã ser casada.

Adeus tempo alegre e de folguedo!...

Mais de vinte e oito anos são passados a estudar e a procurar dados sobre este assunto da Casa da Tinta.

Muita coisa nos terá escapado além de termos esbarrado com opiniões e afirmações contraditórias sobre o cerimonial e costumes da Casa da Tinta.

Um desses pontos é o seguinte:

Há ou não há na Nzo Kualama uma iniciação efectiva da vida sexual?

Há quem tal admita e tal afirme. Já nos asseveraram que, durante a noite, a mulher que tem por missão tomar conta da rapariga vai chamar um rapaz (que a família da rapariga desconhece e desconhecerá) para que venha ficar com a kikumbi.

Mas esta afirmação de que na Nzo Kualama se dá a iniciação prática da vida sexual só a ouvimos a pessoas do sexo masculino.

Que não, que nunca, é a afirmação feita por todas as-mulheres.

E são estas que passam pela Nzo Kualama!

E é esta afirmação, na verdade, que temos de tomar em conta uma vez que é comprovada por tudo quanto se passa na Casa da Tinta.

A Nzo Kualama, como vimos, é a casa onde a kikumbi vai seguir todo o cerimonial que lhe permitirá - depois - ter vida de casada.

A cerimónia do Kusumuna kina tem esse fim: dizer-lhe que, depois de acabados os dias da Nzo Kualama (repetimos, depois de acabados, e não antes, nem nesses dias) é livre para tomar ou não a vida de casada ou mesmo a vida de meretriz.

A kikumbi é rodeada de todas as cautelas e há mesmo castigos e multas para quem pretender abusar.

Sem autorização, ninguém do sexo masculino lá pode entrar.

Está sujeita a uma multa toda a pessoa do sexo masculino que tocar, só que seja, na cama da kikumbi.

Em Cabinda, a rapariga guardava ao lado da cama, durante os dias da cerimónia portanto, durante todo o tempo que se encontra na «  Casa da Tinta »  - uma campainha, um pau ou um chicote e um garfo. A campainha era para chamar as pessoas -e denunciar o intruso; o pau e chicote e até o garfo para, podendo, fazer justiça por suas próprias mãos.

Por outro lado, sabemos que com a rapariga, durante a noite e durante o dia também nunca está só ficam várias companheiras.

Na cerimónia do Kusumuna kina, Kusumuna nIongo, não se pode admitir iniciação prática, efectiva, com o pequenito. É cerimónia, simplesmente, que dá a kikumbi o direito de usar da vida matrimonial, passados os dias da Nzo Kualama.
Há ainda outros factos que provam esta afirmação.
Era costume - e ainda hoje se faz, por vezes e não raras, em terras de Ngoyo e Kakongo - a família da rapariga, na manhã a seguir à primeira noite de casados, ir verificar se há sinais que mostrem ter havido rompimento de himen para prova da integridade da rapariga...

Se as raparigas, bem batidas por vezes, chegam a levar, nestes tempos, mercurio-cromo para enganarem os incautos e pretenderem passar por virgens!

Se até chegam a ter coragem para se cortarem!...

Além disso, conforme os clãs, os neo-casados, na primeira noite, tem junto ao leito duas garrafas de vinho do Porto, ou uma de bagaceira, ou duas de água, sendo uma cheia e outra pelo meio.
No caso das garrafas do vinho do Porto: caso fiquem no quarto, entende-se que o rapaz encontrou Virgem a esposa.
No caso da garrafa de bagaceira: ou a deixa por abrir, e é sinal de que a noiva estava intacta. ou a abre e bebe um pouco, e é sinal de que a não encontrou virgem.

Com as garrafas de água: lava-se com a garrafa cheia, no caso de a noiva estar virgem; com a meia garrafa se a encontrar violada, se é somente meia mulher!

Um fim lucrativo existe neste «ritual», além de nos provar que não é na Nzo Kualama que se dá a iniciação efectiva e prática da vida sexual.

Este fim lucrativo é a favor do noivo. É que se a rapariga não estiver virgem ele tem direito a exigir redução, mesmo até à metade, do alambamento e, chegando a saber quem foi o violador - e não deixará de saber quem foi - carregá-lo-á de bem pesada multa.

Há regiões, diz o P. João Vissers, onde a «Casa da Tinta» se torna foco de imoralidade. Noutras, ao contrário.

Há um ditado que existe em todos os clãs, ainda que com aplicação diferente, segundo a opinião que fazem da Nzo Kualama.

Esse ditado é: Ikumbi nzau - a kikumbi é um elefante, é como um elefante.

Querendo levar para a imoralidade, dar-se-á a explicação seguinte: o Nzau, elefante, não é tabu para ninguém. Igualmente a Kikumbi. Não deixa de ser muito forçada a ilação.

Em contrapartida, chamam à mulher casada nhoka - serpente, sendo animal que nem todos podem comer.

No outro sentido, mais verdadeiro, mais moral e mais digno, chamando Nzau à kikumbi, quer-se afirmar o seguinte: o elefante é tamanho e tão importante que, quando se abate um, a notícia espalhasse por toda a parte e a carne abunda tanto que todos podem receber um bocado.

Kikumbi, Nzau! Sim. A kikumbi, a festa da kikumbi, é como se se matasse um elefante. A festa é grande. Há abundância de dança, de carne, de bebida que chega para todos. Há muita e muita brincadeira.

Mas, mesmo assim, os factos provam que a iniciação efectiva da vida de casados não se faz na Nzo kualama.

O fim da «  Casa da Tinta »  é, de facto, o levantar a proibição de uniões sexuais e permitir, portanto, a vida de casados. Mas isto só depois de acabados todos os dias da cerimónia na Nzo kualama.

Temos de concordar que, dentro da lei e ordem natural, muitos benefícios se devem à instituição da Casa da Tinta.

Com ela afastaram-se muitas misérias e conservou-se a raça mais sã e mais forte.

Este costume é, como temos repetido, uma das leis de Lusunzi ou de Luamba, tudo integrado nas obrigações impostas pelo Nkisi-Nsi e sob a vigilância do Ntoma-Nsi e dos Zindunga.

Esta crença e sujeição existe ainda, pelo menos, no subconsciente das gentes de Kakongo e Ngoyo.

Escrevia-nos um dia o P. João Vissers, quando lhe mandamos este estudo sobre a «  Casa da Tinta » : «  Ando pelos povos de cá cheios de porcaria, prostituição e infidelidade. Acredito de cada vez mais no valor moral das ; cerimónias da Nzo Kualama ou Nzo Kumbi » .

Uma rapariga nunca - ou raríssimas vezes - tinha relações sexuais antes de passar pela «  Casa da Tinta » , portanto, antes de ser verdadeiramente mulher.

Era para não se degradarem, por espírito de pureza, por virtude ou 'dignidade pessoal? Cremos bem que não. Conservavam-se íntegras até essa data porque era uma lei grave do clã e os castigos aplicados aos infractores eram tais que arrefeciam todos os maus instintos e refreavam todos os apetites...

Maiema - falecido em 1904 - o terror do Maiombe, chegava a condenar os culpados a serem comidos pelo selengo (Anomma Arcens, West), o Kisonde do Sul, formiga carniceira, que anda em cordões de milhões e que em poucas horas deixa uma pessoa só com o esqueleto se se não puder defender, tendo as mãos e pés presos.

E assim fazia, por vezes, o Maiema.

Os Bauoio e Bakongo condenavam os infractores à dança Mbumba Mbítika. Ainda em 1941 e depois em 1950, no Povo Grande - Cabinda, houve essa dança. Os culpados dançavam nús, ou coberto o sexo com lubongo lufula, e, ao ritmo do canto e dança, eram castigados e fustigados por toda a assistência.

Em Presvost se pode ler: «Uma donzela que se deixa seduzir antes do casamento deve aparecer na corte com o amante e declarar a falta e pedir perdão ao rei. Esta absolvição não tem nada de humilhante; mas é tão necessária que temer-se-ia que o país ficasse condenado a uma eterna seca, se alguma rapariga que tivesse cometido essa falta não se submetesse à lei.»

Mas, este «antes do casamento» deve entender-se por antes da cerimónia do Kualama.
Tudo isto, pois, para quê?

Para que a mulher tenha a sua vida sexual, matrimonial, somente depois de ter passado pelas cerimónias da NZO KUALAMA.


Figs. P 30 - Duas jovens na idade da puberdade



Figs. P 31 - Uma das raparigas vestindo bem a europea



Figs. C 30 - Ofertas para a Festa da Casa da Tinta
 



Fig. -C33 Fazendo a tukula para pintar a jovem que entra na Casa da Tinta



Fig . - C-34 A jovem e apanhada e levada as costas



Figs. C35 - E comeca a pintadela



Figs. C 36 - Daqui a pouco quase não se reconhece quem e'


Mais algumas letras de cânticos da Nzo Kumbi ou Nzo Kualama.

Em muitos deles, mesmo já dos mencionados, não deixa de aparecer certa malícia, mesmo que escondida e, por vezes, muito subtil.

É ... é ... é ... é ...
Mabene nkiento izanu tulala,
Mabikila mama,
Éié... éié ... mama... éié...

É... é... é ... é...
Vinde dormir nos seios da mulher,
Nos que deixou a mãe,
Éié... éié... mãe... éié...

Mama nkula va nzo andi,
Ina katunga,
Bakuela bakuangilanga,

Ibila mulamba.

A palavra e música dos cantos foram tomados connosco pelo P. Martinho de Campos. Temos de agradecer ao P. J. Vissers algumas achegas para este estudo.

A mãe expulsou (a filha) de sua casa,
Da casa que ajudou a construir,
As mulheres casadas discutem,
Por causa do cozinhar...

Bakuela bamenombe mioko,
Kani ibila mulamba...

As mulheres casadas têm as mãos negras,
Por causa do cozinhar...

Nengumuna, nengumuna ndelu... é
Nengumuna, nengumuna, ba mama...

Está a descer, está a descer e a escorregar... é
Está a descer, está a escorregar, a mãe...

Lukula ke ndelu... é...
A Luangu ke ndelu ... é ...

O Lukula escorrega ... é ...
O Luangu escorrega ... é ...

(Lukula e Luango, sendo nomes de rios, estão por nomes de pessoas).

A bindika, à bindika...
Mama ka kabanga ko...

Fecha, fecha...
Que a mãe não reparte nada...

Tu, tu, tu ... a binduka ...
Tu, tu, tu ... a binduka ...

Tu, tu, tu ... abre ...
Tu, tu, tu ... abre ...

Bimuaia ... Bikandama...
Kandula biau.

Solteiras... ou casadas...
Recolhe-as (toma-as, anda com elas) ...

Ndula isueko kinene...
Bakambua tina vana ianga...

O Nduda é um grande lugar para esconder...
Não fugiu da lagoa...

Nduda é um a espécie de amuleto, com pano de zuarte, em que se metiam cabelos, unhas, cuspe... (o cabelo era o da frente da testa) pólvora, folhas, etc., etc.

Penduravam esse amuleto no quarto, contra os malfeitores e espíritos do outro mundo...
Mas este Nduda da cantiga é preciso que se entenda!...

Paulina Nlandu,
Taba muana ukamba liata.

Paulina Nlandu (nome de pessoa),
Não tires o miúdo da mama, enquanto não caminhar...

Vio-vio nlele biteka...
Taba muana ukamba liata...

Andam como pano enfeitado de flores (a mostrarem-se)

Não tires o filho do seio, enquanto não caminhar...
 
 

AS ESTEIRAS NA CASA DA TINTA


Temos de admitir esteiras corri provérbios e sem eles.

As que encerram provérbios - Zinkuala zibuinu - revestem, por vezes e conforme os bens e categoria da família da Kikumbi, as paredes da casa ou quarto onde ela está.

As outras são colocadas, espalhadas pelo chão e, sobretudo, na cama da rapariga. (Kiteva ou Nkuala).

Por princípio, cada vez que a rapariga é pintada, de manhã, é-lhe colocada na cama e é sentada na cama que a pintam-uma esteira.

Admite-se, pois, com facilidade, que cheque ao fim dos dias de estadia na Nzo Kualama com um verdadeiro colchão de esteiras.
Vamos dar alguns provérbios que podem aparecer nessas esteiras e com a aplicação à kikumbi e à sua futura condição de esposa.

Notemos, desde já, que todas essas esteiras ficam a fazer parte do património da rapariga.

1 - Finga ngo mu lutambi.

Falar mal do leopardo nas pegadas (na ausência).
Não deve ser assim. Deves dizer directamente ao teu marido o que tens e pensas.

2 - Nkuvu uinátina muanz'andi.
    A tartaruga leva consigo o tecto.

Assim, a mulher deve andar com seu marido e vice-versa.

3 - Ngongolo nombe ka futamena:
     Liambu.

O milpede negro que se enrosca:
Questão (houve motivo para isso).

Se a mulher deixa a casa do marido, se ela não está contente, é que houve algum motivo para isso.

4 - Nkomba nganda:
     Kakuiza zinfumu.

Varre o terreiro (em frente à casa):
Que vem aí o chefe.

A mulher deve ser cuidadosa, limpa e asseada.

5 - Ntumbuluita:
     Minu ienda kuami.

Desengana-me:
e eu vou-me embora.

É preciso usar de franqueza.

6 - Ndenina kuaku:
     Minu veka iza tákana.

Defeca sobre mim:

Fui eu quem veio ter contigo.

A mulher deve sujeitar-se ao seu marido.

7 - Ubá nkandi vuila:
     Ka mpapa nkandi libólila mu maiala.

Sê como coconote inteiro, integro:
Que muitos coconotes apodrecem na lixeira (por não estarem inteiros).

A rapariga, como o bom coconote que tem sempre compra, deve estar inteira e ir kikumbi para o seu marido.

8 - Likova likanga Nzambi.
     Muntu limonho podi kútula ko.

Nó que Deus dá:
O homem não o pode desamarrar...

O casamento é nó dado por Deus. Quando casou, casou mesmo.

9 - Bókuta (sonsa), ólio like mu nhitu aku:
     Monti kani lingana, ueki lósuka.

Cochichas, o que está no teu corpo (o que toca por ti mesmo). Contudo, se se trata dos outros, falas alto.

Devemos ser leais e honestos, francos. Até devemos calar os defeitos dos outros, especialmente os do marido.

10 - Va lembua Nzambi:
       Zitika.

O que Deus deixou determinado Acabou (está determinado de vez).

Nem a mulher nem ninguém pode ou deve ir contra o que Deus ordena.

11 - Ngolo zinona:
       Kina bavondela.

A força das formigas: (Está) na dos que mataram (está na força dos que mataram qualquer ser vivo e de que elas se aproveitaram).

A verdadeira mulher de casa vive do seu trabalho e não espera viver à custa alheia.

12 - Nsansa luandu:
       Uibolila mu luvúkulu.

Esteira velha:
Está a apodrecer atrás da casa...

A rapariga não deve ficar solteirona, posta de lado como esteira velha.

13 - Makuela m'intete - tete:
       Podi sikama va nzo nuni ko.

Casamento de cestinho:
Não é casamento.

A rapariga deve casar-se, mas não para andar de cesto à cabeça de um para outro lado.

14 - lbakana muna nsinga:
       Butukuila buá ikambua.

Foi apanhado na corda:
Não pode ser desamarrado.

O casamento também é uma espécie de prisão. A donzela deve saber disso e para isso deve estar preparada.
 


Fig. C 37 - Uma esteira da Casa da Tinta (Ngolo Zinona)



Fig. C 38 - Outra esteira ( Loba e Nkandi vuila)



As esteiras, cujas fotografias apresentamos, têm as significações seguintes:

1.a - Tem o nome de Maviongo manona - o desenho das formigas. Ngoio zinona: Kina bavondela.

A força das formigas: (Está) na dos que mataram (está na força dos que mataram qualquer ser vivo e de que elas se aproveitam).

Não deve ser assim na vida. E a mulher que vai casar não é para viver à custa alheia. Deve trabalhar para si e para os seus.

2.1 - Maviongo maloba - Desenho da filária (que se mete por toda a parte, no corpo das pessoas, e que só faz mal e provoca dores).

A mulher não deve ser intrometida.
Os pontos escuros que se notam no entrelaçado da esteira representam coconote. E tem o simbolismo seguinte:

Ubá nkandi vuila:
Ka mpapa nkandi libólila mu maiala.

Sê como o coconote inteiro (integro):
Que muitos coconotes apodrecem na lixeira (por não estarem inteiros).

O valor da donzela (à semelhança do vaiar do coconote, que tem sempre venda quando inteiro) está na sua integridade, virgindade.
 
 

O QUE PENSAM E DIZEM E ESPERAM DE UMA DONZELA:

- Seu valor está na virgindade e bom porte.
- Vale a pena lutar, trabalhar pela rapariga intacta.
- Rapariga que perdeu a virgindade é como palmeira caída: todos lhe podem saltar por cima.
- Sem casar é como acha, cavaco abandonado.
- Perdendo a virgindade é como saco de amendoim roto a dar entrada aos ratos...
- Se se porta bem e segundo as leis, não sofre insulto nem vergonhas. Deve procurar unir-se em casamento para não andar aos saltos como os macacos... Deve ser inteira, intacta, como o bom coconote. É coisa sagrada que deve estar "fechada"  ... Pode ser muito bonita mas, se estiver como arvore furada, nada vale. Rapariga que vai casar tem de saber trabalhar.
-A festa da rapariga que vai a casar, a todos alegra e dá fartura. Etc., etc., etc.

(Cf. «  Sabedoria Cabinda » , pág. 510)



Casa tipica das terras de Cabinda. O numero de casas indica mais a existencia de concubinas do que a de muitos filhos.

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