A PESCA
Nsuku (pl. Zinsuku)
Usam para isso o chamado lzambu, feito de uma pequena rede, que se coloca nos lugares em que se abriu o rio ou onde rebentou, sobretudo junto das confluências ou foz, junto do mar. O peixe que vai na correnteza da água acaba por ficar preso no lzambu
KULA - É pescar com arpão.
Kula (v. Kukula) - Caçar, perseguir.
TAMBA (v. KUTAMBA) - Pescar colocando armadilhas chamadas Básula (lbásula-Ubásula).
A básula é relativamente pequena.
Se é feita em tamanho maior, grande, passa -a chamar-se simplesmente Ndika (Pia Zindika), nome muito genérico para designar qualquer armadilha.
Quer na básula quer na ndika, para atrair peixe, costumam colocar grãos de dendém ou pedaços de mandioca fermentada.
Também empregam as maduka, espécie de feixes de espinhos como anzóis, aos quais prendem, como isca, o dendém e mandioca.
A básula e ndika são construídas com nervuras de ramos de palmeira (Mbanza-Zimbanza) ou da chamada palmeira bordão.
Nas lagoas do Uângulo, S. João, Kindende, Kunda (aldeias da margem esquerda do rio Lukula) e Zenze, dedicam-se à caça do Lamantim (Manatus).
Ibasula (pl. Ubásula)
A nsuangi é fabricada com lubamba que é, como sabemos, uma palmeira cespitosa, de caules finos e muito maleáveis e resistentes, ou com Likau (pl. Makau), mais forte ainda.
Esbarra, então, com os arames, lianas e paliçada espinhosa de puva e mete-se pela boca da nsuangi. As barbatanas não lhe permitem recuo, tanto mais que forçou a saída, e acaba por ficar imobilizado. Nem é preciso arpoá-lo. Regra geral já o encontram morto.
Mas usam o termo MPIASA como designação geral de pesca com anzóis, quer nos rios quer no mar. Isca diz-se Kiela - pl. Biela.
Como isca para os anzóis, na pesca à linha, quando nos rios, usam ordinariamente a minhoca (Nsáli - pl. Zinsáli). No mar, peixes pequenos ou sardinhas.
Apanhadas as minhocas, que abundam junto das margens dos rios e lagoas, guardam-nas em pequenos recipientes de folha, cabacitas, etc., etc.
Antes do aparecimento dos nossos anzóis (a que chamam Nzolo - pl. Zinzolo, adoptando, um pouco deturpado, o nosso termo), usavam em sua vez espinhos recurvados de certas plantas (maduca).
Também o pescar à linha, com anzóis, se diz LOBA - (v. Kuloba).
Mas quando se usa este termo refere-se ordinariamente a pesca nos rios.
Só os homens pescam com anzol. Por vezes, os pequenitos também já se entretêm nesta modalidade.
Usa-se pescar nas lagoas com tarrafa (Ntambu - pl. Mintambu).
Ainda pescam nas lagoas com rede. Esta, de alguns metros de comprimento, é fixa nos topos com dois paus fortes espetados no fundo da lagoa. Em canoa e munidos de arpão, quase sempre o de uma ponta (Nsoto-Muinda), tentam apanhar o peixe. Não sendo apanhado pelo arpão, uma vez perseguido, o peixe vai meter-se nas malhas da rede.
KUVONDA MBULIKILA, ou simplesmente KUBULIKILA.
Com estes termos se designa o apanhar peixe, durante a noite, à luz de um candeeiro ou de tochas de Safukala, matando o peixe à catanada, esperando a sua passagem em certos lugares.
O peixe, de dia, anda nas correntes de água. Noite alta - dizem que por volta da meia noite - começa a tomar os canais que ligam às lagoas ou outros pontos. A luz dos candeeiros ou dos fachos serve, em parte, para os atrair e, por outra, permite ao «pescador» vêlos e abatê-los com a catana.
Quando os rios, riachos e lagoas permitem que se ande a pé com água, o máximo, até à cintura ou um pouco abaixo do peito, não há problema. Vão para a água (eles ou elas, conforme o tipo de pesca) com o mínimo de roupa.
Homens e mulheres nunca pescam juntos.
Em águas mais profundas deitam sempre mão da canoa. Poucos são, dos que vivem junto aos rios e lagoas, que não têm uma ou até mais. Deslocam-se nelas servindo-se da vara da palmeira bordão, fazendo pressão sobre o fundo, ou da pagaia, espécie de remo que muitas vezes mais não é do que uma pequena tábua (em redondo, triangular ou quadrangular) pregada ou fixa de qualquer forma na extremidade de um simples pau ou vara.
Nkiti (pl. Zinkiti) - rede maior e usada, quase sempre, para o sistema de arrasto.
As redes, outrora, eram feitas de certas raízes de árvores, bem batidas e esfiadas, ou da fibra da entrecasca do embondeiro - Nkondo. E é aqui que se vai buscar -o termo Likonde para designar a rede mais pequena.
A likonde é estendida no mar e lá fica durante a noite ou durante o dia. É armada verticalmente. A parte inferior com pequenos pesos de chumbo (outrora pequenas pedras, ferros, etc.) e a parte superior com bóias. Estas bóias, em tempos passados, eram feitas de madeira leve, v. g. de Sanga-Sanga (Ricinodendrum africanum Muel.).
Hoje compram-nas de cortiça e até de plástico.
As duas extremidades da rede likonde ficam seguras ao fundo por duas pedras suficientemente pesadas, as extremidades inferiores. As superiores mostram-se à superfície por bóias grandes, às vezes um simples pau, tronco leve.
Hoje quase todos conseguem pequenos tambores de plástico para servirem de bóias.
Já não se dão ao trabalho de arranjarem fios vegetais. Compram o fio, e sabem bem escolhê-lo conforme a qualidade de rede que pretendem, nas lojas de comércio, agora quase sempre fio de nylon.
E muitos há já que compram as redes feitas, Iimitando-se mui simplesmente a repará-las quando rompidas.
Uns deitam as redes ao cair da tarde, e é o mais comum, para as recolherem de manhã, a partir das 6 ou 7 horas. Outros, pelas 9 ou 10 da manhã, para as levantarem pelo meio da tarde, pelas 16 ou 17 horas.
De cada vez a rede é cuidadosamente revista e colocada, estendida, a secar durante a noite ou durante o dia, conforme o tempo em que é usada.
A canoa é o meio de locomoção no mar.
Uma das muitas qualidades que se apreciam nestes homens do mar é a sua agilidade e o seu poder e capacidade de equilíbrio. Casca de noz que é a canoa e como se enfiam com ela através de todas as ondas! Certo é que o mar, quase sempre, é um mar calmo, de patas. Mas não são precisas ondas alterosas para que uma canoa vire. É o equilíbrio, a arte do pescador, que não o tamanho das ondas, maior ou menor, que mantém a canoa à superfície.
Mas não são imprudentes, não. Sabem bem o mar com que lidam e se, sim ou não, podem ir deitar as redes.
No mar, a pesca à linha é quase só um entretém.
Começam já a ter bons barquitos para a pesca no mar. E já se vêem também bons motores Mercury, Johnson's, Envirhude, etc., etc., aplicados a esses bons barquitos e mesmo a canoas!... O pescador Cabindes progride.
Quase todos têm uma certa sociedade. E os que fazem parte dessa sociedade, na maioria, assistem à saída do peixe. Ajudam a tirar e a colocar a rede na canoa (há sistema e ordem na sua colocação para facilitar o armá-la no alto mar), a estendê-la na praia para secar, notam a quantidade de peixe apanhado, etc., etc.
As canoas têm uma reentrância à proa e à popa. Em cada uma delas se aplica uma vara ou pau, suficientemente forte e comprido, que suporte o peso da canoa e permita um homem em cada extremidade dessa vara para a levantar. E isto, tirando-a do mar quando chega, ou levando-a para o mar quando se vai para a pesca.
O deitar das redes no local escolhido para a pesca é feito, comummente, por dois homens. Raro mais. E os mesmos que a armaram, são os mesmos que a recolhem.
À tiragem da rede há sempre gente, mulheres, sobretudo, para comprar peixe e as pessoas ligadas aos pescadores.
A pesca de arrasto com a Nkiti faz-se com duas canoas, uma a cada extremidade da rede. A Nkiti, como a Likonde, tem pesos na parte inferior e bóias na superior. Não é do tipo «saco». Nem todos os lugares, como bem se compreende, servem para se usar a Nkiti. Tem de se evitar os lugares com escolhos, muito frequentes na costa de Cabinda.
No interior, nos rios ou lagoas, a pesca é livre no tempo das chuvas. Mas há que se marcar a abertura da pesca pelo Nfumu-Nsi.
No tempo seco precisava-se de uma licença especial do chefe da terra (e chefe das lagoas e rios!). Quer na abertura da pesca, quer quando se pede autorização para pescar, no tempo seco, tem de se oferecer ao Nfumu-Nsi uma parte do pescado.
Este costume ainda é seguido, mais ou menos, nas regiões do interior, que não no mar. Para aqui basta-lhes a licença da Delegacia Marítima!...
Fig. P 80 - O fruto, Mpusu, do embondeiro
O Mpusu é o fruto do embondeiro. A casca é bastante dura e resistente. Depois de seca e livre das sementes (que em verdes chupam) e de todo o interior, serve para tirar água das cacimbas, das canoas, etc.
Ou por rachadelas - que o sol ajuda a abrir - ou por uma ou outra onda mais arrevesada, sempre entra um pouco de água nas canoas. Mas, dizem, se - o pescador leva o mpusu a canoa não pode ir ao fundo. Com ele deitarão fora a água, que - nunca será mais do que a que podem tirar (salvo verdadeira desgraça).
O mpusu é o amigo das canoas. !E se «quem tem amigos não morre na cadeia», barco que tem mpusu não vai ao fundo.
B - A CAÇA
SISTEMAS DE CAÇA
a) - Com armadilha:
1. - Tipo de laço armado em que um forte e resistente pau faz de mola.
No laço era usado o lubamba ou uma liana maleável e robusta. Hoje já empregam cordas da espessura desejada, comuns ou de nylon, e até fio de aço. São para apanhar os animais, ordinariamente, pelo pescoço.
Pode armar-se aqui ou além, onde julgam que passará algum animal. Mas é frequentemente usado, a intervalos espaçados, montados num sistema de paliçada. Nessa paliçada o animal procura uma saída.
E é nela que está a armadilha, o laço que o prenderá.
2. - Armadilha-ratoeira, em ferro e com dentes, de proveniência europeia. Armada na caça aos felinos e, comummente, para serem apanhados pela pata.
3. - Sistema de fosso.
Cova suficientemente funda, não muito larga e com paus ou ferros afiados voltados para cima e espetados no fundo do fosso. O animal que ali caia dificilmente escapará vivo. É quase sempre encontrado já morto, espetado nos vários paus ou ferros.
Sistema usado para apanhar pacaças, antílopes de toda a espécie, porcos do mato e o que lá cair.
4. - Redes.
Usada para a caça de animais pequenos, v. g. o Sibizi - espécie de roedor - e a Nsese a seixa, pequeno antílope das florestas. Homens e cães perseguem esses pequenos animais que vão emaranhar-se nas malhas das redes.
b) - Caça com armas de fogo: (KULOZA)
1. - Caçador individual. Procura a caça nos locais mais azados. Sai muito cedo de casa, ainda de noite e especialmente (mesmo de dia) depois de terminada uma boa chuvada. Se se é caçador de gema - e gostam imenso de passar por isso - raro andará sem a arma (canhangulo) e pronta a fazer fogo.
2. - Caçadores em conjunto, regra geral só em batidas se encontram. E fazem as batidas quando sabem da presença de alguma peça de caça (pacaça, antílope dos maiores, porcos do mato, etc.) no meio de planícies, em pequenos bosques ou em lugares propícios para isso.
Do lado contrário ao vento, postam-se, em largo semicírculo, os caçadores. A favor do vento entram os batedores e os cães. A vozearia das gentes, o ladrar dos cães e o barulho dos seus chocalhos espantam a caça que já os pressentiu também pelo cheiro que lhe veio no vento. Corre, então, para o lado dos caçadores onde é, por regra, abatida.
Em pequenos bosques ou planícies, especialmente no tempo das chuvas em que as pegadas dos animais ficam mais marcadas, quase sempre se manda alguém ver se lá terá entrado algum animal.
Facilmente se sabe, pelo sentido das pegadas, se sim ou não.
Concluído que há animal na mata ou planície, através do tantã, por toque já bem conhecido como sendo para chamar para a caça, avisam-se os caçadores da aldeia. Prestes se juntam. Não faltarão nem cães nem batedores. Estes, segundo as regras, atiram com o animal para o lado dos caçadores, postados em lugares que julgam estratégicos. Se a sorte não for madrasta, haverá carne para o povo.
Os chocalhos dos cães chamam-se NDIBU (pl. ZINDIBU). São feitos da árvore Ndau, madeira leve e fácil de trabalhar.
Mas não há caça sem cães.
Não podemos fazer uma verdadeira ideia do valor que esta gente dá aos cães. Parece que fazem parte da família, desculpando a expressão.
Nas regiões de mais caça são muito mais procurados e muitíssimo mais estimados.
E entre cães e cães preferem os pequenos, os «cabires». Preferem estes por terem melhor boca e porque, sendo mais pequenos, mais facilmente perseguem a caça por entre o emaranhado das lianas.
Digamos agora que, por causa da abundância de lianas, mata espessa, etc. o viver
Battel (de 1589 a 1619 em África) já no seu tempo falava no gosto que esta gente tem pelos cães e, sobretudo, «cães portugueses e doutros» - Portugais et des autres.
Os nativo do Maiombe, onde os cães são mais raros e por isso mais estimados, descem com frequência a Lândana ou a Cabinda e aldeias junto ao mar para a compra e troca de cães. Compram-nos por bom dinheiro ou trocam-nos por porcos, cabras, ovelhas e carneiros.
O mesmo Battel afirmava ter visto comprar um cão por 30 (trinta) libras esterlinas!
Quantas vezes vimos homens do Maiombe, ou do interior do País, seguirem de regresso à sua terra com 4, 5 e mais cães amarrados, que compraram na orla marítima e os levavam para venda entre os seus!
O cão é o animal mais procurado e mais bem tratado. Ainda hoje. Que atenção têm e preocupação em prender e segurar um cão sempre que vai a passar um carro! Ás vezes deixam, em perigo de ser atropelado, um filho; mas o cão será bem seguro...
É adquiro ou trocado, por mais reles que seja, por bom preço ou outros animais domésticos.
Não era raro - e ainda agora? - a oferta de 100, 200 e mais escudos por um cão; a troca de duas ovelhas, dois ou três porquitos por um cão.
Ofereça-se por um cabrito uma boa quantia e com dificuldade nos será vendido. «Não querer, não poder vendem, será a resposta.
Mas se mostramos um cão (assim era) deixa de haver dificuldade e, em lugar de um cabrito, oferecem dois ou três. E o cão poderia ter custado 10, 20 ou 30 escudos!...
Houve quem trocasse um cão por 100 cobertores, afirmava-nos o falecido Irmão Gervásio!
Mas não haja dúvidas de que, muitas vezes, só se conseguia um cabrito ou carneiro para matar havendo cães para dar em troca!
Com os cães, portanto, conseguia-se o que nem sempre era fácil conseguir-se com dinheiro.
Para que se não julgue que falamos «de graça», mesmo tendo dado os testemunhos de Battel e do Ir. Gervásio (com uns 60 anos no País de Cabinda) vamos citar, do diário da Missão Católica do Lukula-Zenze, duas bem interessantes passagens a este respeito.
Em 14 de Julho de 1925 pode ler-se:
«O P. Alves e o Ir. António foi até ao povo de Kalungo onde se concluem negócios de certo proveito: quero dizer se trocam uns cães por porcos ... »
De notar que o Kalungo é uma aldeia que fica na outra margem do rio Lukula, a perto de duas horas de caminho, e do lado da actual República do Zaire.
Em 20 de Novembro de 1927 lê-se:
«Pelas 11 horas veio a camioneta do Oliveira trazendo correio e roupa da Igreja. Ao sair da Missão correram-lhe ao encontro os cães, Um ficou morto. Este mesmo cão o Ir. António tinha vendido por uma linda ovelha e um pato».
Aos cães, como em toda a parte, dão nomes.
Os naturais de Cabinda - de todo o País - aplicam a seus cães, às vezes baseados na actuação que têm na caça, nomes que são antes o enunciado de seus provérbios. Passam a ser conhecidos e a dar-se por conhecidos pela primeira parte do provérbio.
Os «nomes-provérbios» que vamos apresentar são, nomes que, ultimamente, em reunião de vários naturais de Cabinda, recolhemos dos próprios donos ou nomes que nos deram de cães de seus vizinhos ou conhecidos.
- Não te metas onde não és chamado.
- O ndoki é sempre ndoki, sempre a fazer e a desejar o mal.
- Quem se mete em maus negócios ou maus caminhos sabendo que o são?
- Nem sempre se reconhece e se recebe a paga do bem que se faz.
As qualidades de coração são bem melhoras e maiores do que as da Inteligência, da cabeça.
- Não te metas no que te não pertence.
- É, por vezes, dos mais íntimos que se recebem maiores ofensas. A ingratidão!...
Balanga mana mavioka.
Costuma pensar nas coisas já passadas.
- Para quê? O que interessa é o presente.
- As notícias más correm céleres. O bem é mais lento.
- Que comam e deixem a vida dos outros e se ponham a caminho.
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