CASAMENTO
Se exceptuarmos aquilo que é próprio e exigido para um casamento católico - e note-se que a maioria da população do País de Cabinda é católica - tudo o mais é comum ao casamento natural, casamento clánico.
Resolve-se, sim, entregar a rapariga ao noivo em tal ou tal dia, que será de festa, de comes e bebes, e o casamento julga-se contraído pelo facto de a rapariga ir para o noivo com o consentimento da família.
O noivo deveria ter dado o Nlandulu kikumbi, a última parte do alambamento para que lhe fossem buscar a noiva à Nzo kualama e lha levassem para casa,
Vamos, pois, a particularidades e cerimoniais, mais de uns que de outros clãs. Muitos dos usos e costumes que vamos descrever estão em decadência especialmente ; nos meios mais próximos dos europeus e, de um modo muito especial, na cidade de Cabinda.
Depois dos primeiros proclamas na Igreja - ou depois de a noiva entrar na «Casa da Tinta» - o noivo não ouvirá mais uma palavra à sua noiva até que lhe pague, na primeira noite de casamento, o chamado Zibula munu - o abrir da boca.
Depois do 1, 2, 3, etc... parto, a lenha que sobra dos banhos da parturiente não é gasta imediatamente. Guardam-na, pelo menos umas três achas, até que a criança caminhe ou mesmo até ao parto seguinte. Existe a superstição de que se gastarem essa lenha Bisuali malu mamuana, a lenha das pernas do filho - a criança não chegará a andar ou difícil e tardiamente o conseguirá.
Na última noite de solteira todas as amigas a vão passar com a noiva. Cantam em tom lamuriento. A noiva, voltada para a parede, vai dizendo adeus a tudo e a todas também em cântico chorado.
Assistimos uma noite a uma despedida destas. É verdadeiramente impressionante. Dir-se-ia que choravam alguém que nunca mais veriam...
De manhãzinha, a noiva com as amigas vai ao rio ou lagoa mais próxima lavar-se cuidadosamente. É ajudada pelas companheiras. Pode adivinhar-se o trabalho que dará esta limpeza, lembrando-nos de que, pelo menos durante um mês, se lavou e pintou, diariamente e até várias vezes ao dia, com tukula misturada com água e algum óleo de palma!
Porque descansou, comeu melhor, limpou a pele com a tukula de todas as pequenas arranhadelas, impigens e «sarnices», tem agora uma cor mais bronzeada, está mais gorda e de pele mais sedosa.
Fig. - P 27 Cortejo de casamento no lukula-Zenze
Fig. - P 29 Mais dois noivos. Repare-se na mascara de tristeza da noiva em todas as fotografias
É assim. Tem que ser assim. Não deve mostrar que sente alegria em deixar a família. Tem que deixar os seus para se juntar ao marido. Mas terá que mostrar - mesmo que no íntimo possa estar satisfeita - que é cruz, trabalho, dificuldades e freimas o que vai buscar no casamento. Necessário se torna, mostrar que tem profunda pena em deixar os seus.
Na verdade nunca chegamos a saber qual a noiva que se casa por prazer e satisfação. Parece trazer a tristeza presa a todo o seu ser. É mais máscara de dor do que outra coisa.
Não se lhe vê um olhar terno para o noivo, não se nota uma manifestação de carinho e amor. Não há um abraço, um beijo.
Acabada a cerimónia na Igreja, quase sempre de manhã e casamentos católicos, organiza-se o cortejo.
Os noivos vestiram-se com o melhor que conseguiram ou puderam comprar. Um e outro, na maioria das vezes, lá para o Lukula e interior, levavam capacete, mesmo que fosse de manhãzinha o casamento e antes do sol nascer. Seguiam no cortejo quase sempre debaixo de um guarda-sol. No guarda-sol eram amarrados lenços às pontas. Sinal de festa e de alegria, mas que a noiva não mostra.
Durante o trajecto, primeiro para casa do nocivo, vão cantando e até assobiando. A um sinal dado, ordinariamente uma apitadela, 'todos param. Uma das raparigas do cortejo, escolhida entre todas, toma um lenço e com ele limpa o rosto e sapatos dos noivos.
Ao mesmo tempo um dos presentes estendia um outro lenço no caminho. Nele os convidados deitam algum dinheiro, que e recolhido pela rapariga que limpou o rosto e sapatos dos noivos. O dinheiro será para ajudar às despesas da festa.
Mantém a mesma cara de tristeza que se viu de manhã.
Lá para o meio do banquete é trazido ao noivo um prato em que aparece coconote, saka-folha sem óleo de palma e um pouco de mandioca crua. Tem um significado esta oferta. Servirá para indicar ao noivo que, quando um dia a esposa lhe entregar somente daquilo para comer, (é a família da noiva quem apresenta este prato), ele terá que concluir que nada mais há em casa que se coma!
Não é, porém, o noivo quem come ou simula comer deste prato nesta altura do banquete de casamento. É algum dos irmãos do noivo ou alguém chegado de sua família.
Em algumas partes a noiva nem assiste à boda. Mesmo que assista, como dissemos, não comerá (ou hão comia', uma vez que certos destes usos estão. a desaparecer).
Em certos clãs, no dia do casamento, além das bodas nupciais, há um prato reservado aos cônjuges. O marido será o primeiro a comer dele; depois a mulher. Mas se ambos comem do mesmo prato e da mesma comida não é na mesma ocasião. O esposo come em sua própria casa e o prato, com a comida que ele deixa, é levado para casa da mãe da esposa ou para outra casa onde a esposa esteja. Esta, então, comerá sem mostrar; repugnância pois, se o fizesse, daria mostras de que não gostava do marido.
Em tempos passados, mas ainda do nosso tempo, sobre as panelas da comida levavam os testos antigos repletos de símbolos e conceitos. Eram explicados aos noivos pelos velhos e velhas presentes.
Quase sempre encerravam provérbios a indicar o que deveriam ser um para o outro e como deviam conduzir-se na vida de casados.
Por mais estranho que pareça, a noiva continua sem dar um sorriso! Apresenta-se sempre muito triste, olhos cravados no chão, sem falar, caminhando sempre muito devagar.
Pelas 9 ou 10 da noite, vêm buscar a noiva para a levarem para casa do marido. O cortejo é formado só por mulheres e raparigas. Os homens não podem tomar parte.
Como nos lembramos da noite em que espiamos um destes cortejos!...
Uma das raparigas, ao fado, leva uma esteira. Servirá para a portadora da noiva repousar um pouco, colocando a noiva na esteira. É proibido à noiva poisar directamente os pés na terra.
Nestas exigências em ser levada às costas e em não poder colocar os pés directamente no chão, volte a ver-se o respeito ao Nkisi-Nsi, fonte da fecundidade que habita na terra, da fertilidade dos campos, da fecundidade da 'mulher.
Mesmo que a piquem, que a magoem, que lhe puxem pelas pernas e braços, que lhe dêem beliscões, e tudo isso lhe fazem, nada dirá e tudo suportará. É que tem de começar a provar que é mulher forte, capaz de suportar as dores e trabalhos que a esperam como esposa e mãe.
Aparentemente parece estar morta.
Não o tendo feito terá que apresentar tudo isso naquela hora, doutra sorte não lhe entregarão a noiva...
Já dentro da aldeia irão parando e poisando a rapariga, que continua a não falar e nem a dar-se por aborrecida ou fatigada, quantas vezes julgarem necessárias para obrigarem o rapaz e família a cumprir o que é de lei. Por vezes há verdadeiras discussões e quase se chega a vias de facto. A família da rapariga apela para os seus direitos e interesses. A do rapaz, para os dele.
Tudo de acordo, entregue à noiva o que lhe pertence e pago o mata-bicho às portadoras e acompanhantes da noiva, eis que esta, finalmente, chega perto da casa do marido.
O cortejo que presenciamos, tendo começado pelas 9 da noite, para percorrer uma distância de uns 600 a 800 metros até à casa do noivo, terminou perto da meia noite.
Mais uma vez, pela última, mesmo junto à porta da casa do noivo, a noiva é colocada na esteira e luandu. Uma mulher da família dela vai ver o quarto e como a cama está arranjada.
Acabará por deixar de fazer resistência, chegando a ficar verdadeiramente cansada, e, finalmente, é colocada e deitada na cama.
Antigamente chegavam a amarrar a rapariga que fosse renitente e não quisesse ir para o marido. Se continuasse nessa recusa, chegava a ser amarrada à cama, de costas para baixo, braços e pernas atadas, ficando estas suficientemente separadas para que o marido pudesse, querendo, usar do seu direito!... Costumes e... tempos...
Fica, depois de colocada na cama, com a noiva uma mulher a quem também não haja morrido o primeiro filho. Prepará-la-á e dar-lhe-á conselhos. Fica com ela até que o marido entre. Sairá imediatamente logo que ele cheque.
Dos conselhos que dava faziam parte os seguintes:
Na realização do acto matrimonial deve interpelar o marido como filho de sua sogra, nomeando o nome dela e pedir-lhe para que faça as coisas com cuidado, sem forçar e sem pressa e invocando o Nkisi das relações sexuais, o Nkoza-Mangaka.
Admitindo que a sogra se chama Landu, ela dirá:
O marido, por sua vez, também terá recebido conselhos dos velhos.
Sobre o cortejo da noiva e entrada dos parentes no quarto nupcial, é interessante lembrar o que se passava no Ocidente, na Idade Média, e que nos é narrado por A. Adams em seu livro Reinado do Amor, trad. de Augusto Rodrigues, pág. 59.
«No dia do casamento ou do concúbito, como vulgarmente se dizia, os parentes e amigos acompanhavam os noivos, com a maior solenidade, não só à Igreja e ao 'banquete, mas também aos aposentos nupciais. A cena de «Lohengrin» de Ricardo Wagner é, neste ponto, absolutamente histórica
pagar-lhe-á o Kusumba mbembo - o comprar a palavra, ou, o que dá o mesmo, o Zibika muniu - o abrir a - boca. E o marido «compra a palavra» à esposa por mais ou menos uns 50$00...
Na primeira noite de casados, no País de Cabinda e conforme os clãs, como já apontamos no capítulo sobre a «Casa da Tinta», - os noivos dormem, tendo junto do leito duas garrafas de vinho do Porto (ou licoroso), ou uma de bagaceira, ou duas de água, sendo urna com água pelo meio e a outra cheia.
Se se lava com a garrafa meia de água, a mulher não estava virgem, é meia mulher; se da garrafa cheia, estava intacta.
Afirmaram-me ainda que, por vezes e sobretudo entre os Bauoio, no dia seguinte à primeira noite de casadas, os da família da rapariga iam à cama dos noivos ver se havia qualquer sinal de que ela estava virgem... A possibilidade de uma hemorragia não deve ser posta totalmente de parte.
Se o noivo encontra a noiva não virgem pode exigir (e exige) abatimento no alambamento, podendo ir até à metade dele. Obriga ainda a mulher a dizer-lhe com quem andou, levando depois - o caso para tribunal indígena, onde o violador é sempre condenado a pagar pesada multa e através do qual a família da noiva também' recuperará o que teve de descontar ao noivo.
Mas nunca vi que a falta de virgindade fosse causa de separação dos noivos ou pedido de anulação ou declaração de não válido o matrimónio. Conheci, contudo, um caso em que o marido até com um alicate, apertando os dedos da esposa, a obrigou a dizer os nomes dos rapazes com quem andara antes do casamento e depois de já se ter comprometido com ele (pela entrega da parte do alambamento chamada Mbongo zikunzikila kimigo - o dinheiro para que se dê a conhecer que a rapariga já tem «amigo», pretendente).
Se lá não viver, escolhe-se uma casa de confiança para onde irá nesses dias.
Esconde-se todo o dia na cama da mãe. Só fala baixinho com as amigas e come furtivamente debaixo do pano. Depois, durante a semana seguinte e até quase a um mês, entra e saí de casa do marido, mas sempre com a cara escondida. Durante este tempo, o mês a seguir ao casamento, fora da casa não pode falar com o marido. Só depois ficará tudo normal. Ao terminar este tempo é uma cunhada quem lhe tira o pano da cabeça e da frente dos olhos.
Puxa-lhe o pano e dá-lhe, mais ou menos, uns 5$00.
Nos primeiros oito dias, quando vai para casa da mãe ou de pessoa de confiança, cada madrugada depois de cantar o segundo galo, à noitinha é, novamente, reconduzida pela mãe ou por essa pessoa de confiança a casa do marido.
Nestes primeiros oito dias é a mãe dela quem cozinha.
Findos eles, na véspera, a mãe da rapariga e alguns membros femininos da família dela, cozinharão pela última vez e dirão à rapariga como proceder no arranjo da casa e na confecção das refeições.
A este dia chama-se o Simbisia makuku - o segurar os «mukukos», morros da formiga salalé que servem de trempe às panelas.
É o último dia em que a sogra cozinha para o genro e em que ensina mais uma vez a filha.
Passará a haver uma certa deferência da sogra para com o genro. A sogra encontrando o genro deverá tomar outro caminho ou, não havendo outro meio, afastar-se para o lado e deixá-lo passar.
Não deverá entregar-lhe nada directamente para a mão. É preferível, caso não haja intermediário, colocar no chão o que tiver para entregar.
No dia seguinte a esposa começa a cozinhar. Pode confeccionar qualquer refeição menos o preparar saka-folha, o esparregado de mandioca. Fazer comida tão fraca e tão comum no primeiro dia?
Uma das cunhadas paga-lhe, com dinheiro do marido, está visto, para que ela coloque em tal ou tal lugar os resíduos da lenha, folhas, cascas, etc., etc. o Ntútika Nsodu que já vimos ser pago também à sogra.
É que, se lhe não pagarem, a esposa deita-lhes o lixo mesmo à entrada da porta!...
A roupa antiga, usada pela rapariga quando solteira, é toda entregue à mãe. Tem roupa nova, não precisa da velha.
O esposo deve respeitar o nome da esposa e vice-versa. Mas maior é a obrigação da esposa em respeitar o nome do marido.
Por isso, não poderá pronunciar o nome do esposo, trata-se do nome de família, pois o do baptismo, ainda que sempre com respeito, pode pronunciá-lo, a não ser em caso de absoluta necessidade.
Devido ainda a este grande respeito que a esposa deve ter pelo nome do seu marido, ela deverá evitar proferir qualquer palavra homónima ou homófona que possa dar a parecer o nome do marido.
Assim, se o marido tem o nome de Tebuka, a esposa não pode dizer tébuka nem tébuka monho (recordar, recordar-se). Para dizer o correspondente a recordar-se, lembrar-se, terá que empregar a palavra lembula, do português «lembrar», ou dizer ou querer dizer o mesmo por rodeios. Também não dirá tébula - lembrar - mas sim lembula.
Se o esposo se chama Pitra - nome que pronunciam facilmente Pitala - já a esposa não dirá pitaloio (petróleo) mas nzeteloio.
Em vez de sômbuka, saltar por cima de, transpor, dirá sempre zotuka, caso o marido se chame Sômbuka. Se este tiver o nome de Peleso (de preso a mulher para se referir a alguém que esteja preso nunca dirá nandi kukala mu peleso mas, sim, nandi kukala mu «cadea» (ele está na cadeia e não ele está preso). ( João Vissers, achega por correspondência com o autor.)
A mulher que é Ndumba - meretriz - já de certa idade, se resolve ser amante de alguém, vai ter com ele, à noite, e regressa, de manhã, a casa dos pais, uma vez que as mulheres, em principio, não têm casa própria.
Daqui se pode inferir que não há mulheres de má vida chamadas de «porta aberta». Pode haver raparigas que não encontram noivo ou até que querem levar vida fácil. Vão com este ou com aquele. Podem ter vida matrimonial durante semanas, meses e até anos com certo indivíduo. Mas, por regra, não se vende a quem quer e a quem vem. Escolhe, aceita, resolve, concorda ou não. A família o saberá e receberá a sua parte do alambamento.
Mas, repetimos, mulher de má vida, de «porta aberta» a aceitar todo o «cão e gato», não se encontra, como regra, no País de Cabinda.
Se, por ventura, o amante de uma ndumba se resolve a tomá-la para mulher, mete-a dentro de casa, ordinariamente pelas 19 horas, fecha-a e vem para fora, para junto dos amigos - que já estarão avisados - e dá um tiro em sinal de que ficou com ela.
Nessa altura todos gritarão:
Quando era simples amante e vinha ter com ele, mesmo que fosse todos os dias, continuava livre para escolher, caso quisesse, um outro. Agora jamais o deverá ou poderá fazer, pois foi tomada como esposa, para o qual o marido não pôde deixar de dar o alambamento respectivo à família.
Outros procedem de forma diferente:
Na manhãzinha seguinte à noite passada com o homem que pretende a ndumba para esposa, vem a família e amarra - dois ramos de palmeira, dos mais tenros - nsoko ibá - e pergunta se a tal rapariga está em casa e gritam alto: essa tal rapariga é ndumba... mas agora quer casar.
ALGUMAS REGRAS E PRINCÍPIOS APLICADOS AO:
A - CASAMENTO
«Antes que cases... vê o que fazes», não te ponhas a adivinhar.
B - MARIDO
Só ele manda em sua esposa, como só o dono do machado o usa na sua roça.
Mesmo que, por lei, venha a possuir outra mulher, que não abandone a primeira. Também quem compra um cachimbo novo, por princípio, não deita fora o velho por lhe poder ainda vir a ser preciso.
C - ESPOSA
Deve andar ligada ao marido como tartaruga à concha.
NZO-MPILO
Em épocas passadas havia em cada aldeia, na periferia, uma ou mais casas, onde as mulheres nos seus dias do mês iam viver.
Para o marido que tivesse feitiços em casa (os grandes senhores) ela não podia cozinhar. Porém, para outros podia, desde que usasse outro fogo, outra água, outra comida que não a dela.
A mulher que se encontrava na Nzo-Mpilo devia pintar, a carvão - makala mambazu - a testa para se não encontrar com o possuidor do nkisi Maluango. Se, por acaso, se vissem, ela deveria tornar imediatamente outro caminho ou direcção ou, pelo menos, entrar no capim e voltar as costas ao caminho até que passe o Nganga Maluango.
A mulher que não colocar na testa o sinal de carvão, passando pela Nganga Maluango, adoecerá certamente... Terá, então, questão e será obrigada a pagar ao Nganga Maluango para que lho não venha mal algum ou maior, se já tiver adoecido!...
De modo algum as poderia levar para casa do marido.
NZO-BUALI
Tem este nome a casa e recinto onde a parturiente, depois de dar à luz, terá de se conservar durante o período de um ou dois meses, o período de convalescença e tratamento.
Ao lado da casa onde pernoita e passa a maior parte do tempo, foi arrumada e empilhada a lenha que começou a juntar desde que se sentiu grávida e onde, nos últimos dias, se fez um cercado de ramos de palmeira em volta do local onde tomará os banhos.
A bacia era, em tempos, como já dissemos - e ainda hoje em certos lugares e com certas mulheres conservadoras - uma cova onde a água, o mais quente que se possa suportar (chegam a ter escaldadelas!) será lançada cada vez, duas vezes ao dia, que toma banho.
A água sumir-se-á por essa mesma cova, ou far-se-á uma outra, ao lado, para onde será mudada e por onde desaparecerá.
Acabado o primeiro mês da Nzo-Buali, a mulher tomava uma pequena bacia, onde se encontrava tukula amassada com dendém cortado aos pedacitos, e passava por todas as casas atirando às portas um pouco dessa mistura. A esta cerimónia chamavam o Nhalimina uma bênção. A mulher que deu à luz também havia recebido a protecção e benção do Nkisi-Nsi.
Se ela não fizesse a cerimónia do Nhalimina os espíritos protectores da família (e eram o: Mbingo, Ngovo, Mabiala Mandembo, Kozo, etc., etc.) apodreceriam!
Terminado o prazo dos banhos, tapava a cova que fazia de bacia e untava-se com tukula durante mais um ou dois meses.
A planta nzo-zinfunzi (casa da nfunzi - galinha do mato) tomava (e toma) esse nome por as galinhas do mato andarem sempre perto. ( Estes usos e costumes, ligados à Nzo-Mpilo e Nzo-Buali - e a tantas outras coisas - estão a desaparecer.
A INFIDELIDADE CONJUGAL
O homem não está, e nunca esteve, dentro da ética deles, sujeito ao rigor da fidelidade que prende e a que obriga a esposa.
Por isso, pode ter relações com qualquer mulher livre. Mas a mesma ética os obriga a guardar absoluto respeito à mulher de outrém.
Tomar a mulher alheia - e torna-se já de outrém desde que alguém comece a pagar o alambamento - é sujeitar-se a duros castigos e, no tempo presente, sobretudo, a pesadas multas.
Quem falasse, outrora, para uma mulher do Rei, no recinto de sua residência, era cruelmente supliciado e, de ordinário, levado com a cúmplice ao lugar do suplício onde lhes eram cortadas as cabeças.
Os corpos eram retalhados aos pedaços e ficavam à vista de toda a gente, pelo menos um dia inteiro.
Por vezes, os Reis e grandes senhores, depois do parto de uma das esposas, se havia certa desconfiança, chegavam a sujeitar um escravo da dita esposa à prova da Nkasa. Se o escravo acabava por cair morto, inferia-se que a mulher havia sido infiel e adúltera e era condenada a morrer queimada e o cúmplice a ser enterrado vivo.
É que a mulher infiel, adúltera, atrai castigos para todos e, de um modo especial, para o próprio marido.
Assim, se depois de um acto de infidelidade da mulher o marido vier a adoecer... a doença é castigo, castigo do Nzambi por intermédio do Nkisi-Nsi. A mulher para que o marido recupere a saúde terá que lhe confessar que pecou, com quem o fez, quantas vezes e com quantos.
Uns dois casos para exemplificarmos isto. São casos absolutamente certos. Não damos os nomes das aldeias nem das pessoas por motivos bem óbvios.
NA ALDEIA DE X
F..... foi encontrado, em 1943, na cozinha da mulher de outrém, estando lá ela.
Levado ao tribunal indígena, a multa foi de 50 cobertores, dos finitos, que na altura custavam, cada um, 30$00. Mil e quinhentos escudos, portanto, custou o atrevimento.
Mas é que este F. era useiro e vezeiro. Não era a primeira vez a ser apanhado. Por isso a multa lhe foi a 50 cobertores.
Entrar na cozinha de outrém, estando lá a mulher e pedir-lhe, por exemplo, lume, é tomado por todos como solicitação pura e simples.
NA ALDEIA Y
S. trabalhava na Mavinha. Era longe. Não podia vir pernoitar a casa.
A mulher foi-lhe infiel.
O assunto foi para o tribunal indígena.
Qual foi a sentença?
Para o júri que resolveu o assunto: 50$00 cada um dos delinquentes; 50$00 e mais uma garrafa de aguardente a família da mulher.
Portanto, o marido recebeu 900$00 em dinheiro e quatro garrafas de aguardente (valor de 200$00); o júri, 200$00 e uma garrafa de aguardente.
Nada mau para a época de 1944!...
E ali se paga tudo na altura.
Pode ser que o multado não tenha dinheiro ou as coisas.
Mas as pessoas de família virão imediatamente em seu socorro, São verdadeiramente solidários.
Com a falta confessada ao marido, assunto resolvido pelo tribunal, a vida familiar volta a correr perfeitamente e normalmente.
Nunca vimos um caso destes ser causa de separação ou divórcio.
O homem e mulher Cabinda não foge dos filhos. Pelo contrário. E querem os filhos para que possam estar perto deles, para que possam, mesmo, viver com eles.
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