quarta-feira, 23 de novembro de 2011

CABINDAS - RELIGIÃO E CRENÇA

P. JOAQUIM MARTINS, C. S. SP.
(Historiador Laureado de Cabinda)


Por intermédio de António João Fernandes, dos naturais de Cabinda, antigo e valioso funcionário do Estado, Cabinda ferrenho e amigo de narrar e historiar as crenças e costumes do seu povo e terras de Ngoio, foi-me possível a lista e narração de cada uma das «divindades» da mitologia dos Cabindas.
(António João Fernandes, «Antigo Reino do Congo-Arquivo de Quadros Folclóricos», apontamentos manuscritos que facilitou ao autor).
A. J. Fernandes, nascido a 7 de Fevereiro de 1879, veio a falecer a 23 de Junho de 1945.
Conheci-o perfeitamente e com ele falei muitas vezes sobre assuntos ligados aos usos e costumes das gentes de Ngoio.
(Tome-se esta descrição como um género de mitologia dos Bauoio ou de lendo mitológica. Nado mais).
 
As principais «divindades» eram:
Kuiti-Kuiti 
Mboze 
Lusunzi 
Nkanga 
Mvemba 
Lunga 
Bunzí ou Mbungi 
Nkunda Mbaki Nranda 
Makunku 

1 - KUITI-KUITI (Nzambi-Mpungu, uivanga naveka = O Nzambi-Mpungu, o que se fez a si mesmo)
Apresenta-se como filho de um deus que nasceu velho na terra, em Mboma Yala Linsongo.
Teve como irmãos a Nkunda Mbaki Nranda e Mboze.
A mulher era a sua própria irmã, Mboze, de quem teve dois filhos: Né-Mbinda Né-Mboma e Nkanga.
Numa das ausências de Kuiti-Kuiti, Mboze teve relações com o seu próprio filho Nkanga. Concebeu. Kuiti-Kuiti tendo conhecimento da traição e vileza da mulher, conhecimento através de um sonho, regressou a casa e pegou-se com seu filho Nkanga. Isto aconteceu em dia de nevoeiro cerrado (= Mbungi).
Com o susto, não pequeno, Mboze teve parto prematuro. E Kuiti-Kuiti mata Mboze e Nkanga.
Nkunda Mbaki Nranda reprova o proceder de Kuiti-Kuiti, seu irmão, por ter morto Mboze e Nkanga. Então, Kuiti-Kuiti faz ressuscitar os dois ao mesmo tempo.
À criança nascida deste crime de incesto foi dado o nome de BUNZI que, na interpretação de Fernandes, queria dizer: «Assistente de dois deuses em luta.»
Passados tempos, Né-Mbinda Né-Mboma, o outro filho de Kuiti-Kuiti, pede ao pai uma mulher para casar.
O pai manda-lhe que case com a própria mãe, Mboze.
Deste casamento nascem dois albinos gémeos.
Kuiti-Kuiti, em dada altura, toma os dois gémeos albinos e foge com eles para a Europa!
Chegados à idade precisa, os albinos tiveram filhos.
Kuiti-Kuiti mata os dois gémeos aIbinos, abandona na Europa os filhos destes e regressa sozinho às terras de Ngoio, indo habitar Mboma.
(Não querem ver nesta narração o fazer descender a raça branca da raça preta? A conclusão é bem fácil !...)
Sua mulher Mboze vai visitá-lo e, mostrando-lhe as duas filhitas que levava, diz-lhe: «aí tens duas filhas que tive de teu filha Né-Mbinda Né-Mboma.»
Depois, Mboze, foge de Kuiti-Kuiti e vai habitar em Buali, no Loango-Grande, transformando-se ali em outra divindade: Kinkambizi-Kia-Buingi.
Kuiti-Kuiti, sabendo disto, vai ao Loango em busca de sua mulher. Ainda que a custo, consegue que ela venha com ele e, os dois, vão habitar em Mbanza Kongo.
Mas, passados tempos, voltam a Mboma. Aqui tiveram uma filha: Madia-Mamboze.
Nesta altura Kuiti-Kuiti diz para a mulher: «Olha, Mboze, completamos a nossa missão. Fizemos muitos filhos. Tens agora que me recompensar com boa comida e boa bebida.»
A mulher concordou. Preparou duas panelas: uma com boa comida e outra com comida envenenada. Desta deu a comer a Kuiti-Kuiti e a seu cunhado Nkunda Mbaki Nranda e aos filhos. A da boa comida foi para Né-Mbinda Né-Mboma.
Morreram os que comeram da panela envenenada. Parte do povo lamentou e murmurou..... Mas vieram a ressuscitar!

2 - MBOZE
É irmã e mulher de Kuiti-Kuiti, como se deixou dito.
Depois da ressurreição de Kuiti-Kuiti, Mboze reformou a sua vida.
Mulher de grande beleza, umas vezes era encontrado muito bem vestida, outras fingindo de pobre miserável, esfarrapada e imundal
Quando sofria algum roubo, levantava-se durante a noite e descia as povoações a gritar e a reclamar o que lhe haviam roubado. Ameaçava os ladrões com todos os castigos e males possíveis.
Quando fingia de pobre, amaldiçoava quantos lhe negassem esmola.
Foi pouco amiga das mulheres por ter sido uma mulher quem lhe negou água um dia em que, cheia de sede, lha pediu.

3 - LUSUNZI
Filha de Né-Mbinda Né-Mboma e de Mboze.
Teve por marido seu irmão Nkanga.
Seus irmãos: Bunzi (irmão e sobrinho), Mvemba (irmã e sobrinha) e Madia-Mamboze (irmã e prima)!
Depois desta vida tumultuosa e devassa do período de Kuiti-Kuiti, comenta J. Fernandes, é LUSUNZI, produto «daqueles actos ião desonestos e revestidos de tanta imoralidade», quem vem ensinar e impor, na verdade, doutrinas e sistemas sociais de «alta moralidade» (sic) que o povo tão bem recebeu a ponto deles fazer leis, usos e costumes.
Leis, usos e costumes que ainda hoje se sequem.
São de LUSUNZI as leis que regem todos os actos da vida moral e social dos povos de Ngoio. Ainda agora o chegam a afirmar.
Entre essas leis podemos salientar as seguintes:
a) A que proíbe expressamente a cópula de qualquer homem com uma mulher, no chão, ainda que esposa, ou numa casa de portas e janelas abertas e sem cama (que na altura era de simples esteiras de papiros).
b) A que proíbe terminantemente relações com uma jovem (Kinkupa ou Kikumbi) sem que tenha passado pela cerimónia do kualama (designada, comummente, por «casa, da tinta»).
c) A que proíbe à mulher, nos seus dias do mês, ter relações seja com quem for e o cozinhar para o marido enquanto durarem esses dias.
d) A proibição de casamento entre parentes, mesmo bastante afastados, bem corno a de qualquer relação íntima com qualquer deles, mesmo que não casem.
Para as pessoas casadas instituiu LUSUNZI e LEMBA as mútuas confissões íntimas de tudo quanto se julgue, num certo momento, ser causa de males para um dos cônjuges (v. g. o marido adoecendo depois de uma infidelidade da esposa, a doença é tida corno efeito dessa infidelidade; a mulher terá que confessar essa falta ao marido, aliás, ele não curará!).
A LUSUNZI com LEMBA junta-se também KALUNGA, que é a confessora e está presente a esses actos íntimos.
LUSUNZI, para os Cabindas, é o maior de todos os Bakisi-Basi, o espírito protector da terra.
Por sua vez, ela constitui um seu representante na terra, o Nganga-Lusunzi (o sacerdote de Lusunzi) encarregado de vigiar e fazer cumprir todas estas leis com a ajuda dos ZINDUNGA.
A lenda diz que LUSUNZI tinha duas caras na mesma cabeça. Uma cara era branca, e branca era a parte do corpo que estivesse desse lado. Outra cara era preta, e preto era quanto estivesse desse lado.
Qual a explicação das duas caras?
Para fazer compreender a toda a gente que «Nandi kaizila muna nza buingi sukula mambu mivala ke bafiote i ke mindele» = «Ela veio ao mundo para expor doutrina de valor e proveito para pretos e para brancos.»
É na aldeia de Kizu que tem assento a LUSUNZI, o Nganga-Lusunzi, os ZINDUNGA, o Ntoma-Nsi e o NfumuNsi.
O povo estava (não está ainda?) de tal modo sugestionado que, havendo qualquer falta a uma dessas leis chamadas de LUSUNZI, sa denunciava pessoalmente, ou denunciavam os próprios familiares, ou ainda, depois de uma crise geral - v. g. falta de chuvas, de caça, de pesca, etc., etc. - atribuíam-na a algum desses actos imorais e, por si mesmos ou por outrem, confessavam ao Nganga-Lusunzi ou ao Ntoma-Nsi para que a LUSUNZI fosse devidamente apaziguada.
(Vamos, no decurso deste trabalho, notar a influência benéfica-porque não o dizer? - destas leis de Lusunzi.
Ao lado de muitas deficiências, que as há, não podemos negar a estes povos do País de Cabinda, que não só aos Cabindas propriamente ditos, uma lei natural sã.
Era e é o medo aos grandes castigos que os mantêm na lei?
Pode bem ser que sim. Mas, ainda hoje, dificilmente faltam às leis de Lusunzi que acima mencionamos).

4 - NKANGA
Filho de Kuiti-Kuiti e de Mboze é marido de sua própria irmã Lusunzi,
Presidia a todas as grandes cerimónias.
Governava, espiritualmente, as terras de Kingangaka, Ngoio, Kankatu e outras.

5 - MVEMBA
Filha de Né-Mbinda Né-Mboma e de Mboze e irmã de Lusunzi e de Bunzi.
Era invocada nas grandes calamidades.

6 - LUNGA
Também filha de Né-Mbinda Né-Mboma e de Mboze e irmã de Lusunzi.
É «deusa» de muita representação nos casos que dizem respeito à salvação do «seu» mundo. Habitava nas pequenas florestas das margens do rio que tem o seu nome, na Muanda (Rep. do Zaire), junto à foz.

7 - BUNZI ou, melhor, MBUNGI
Filha de Nikanga e de Mboze.
Foi por causa deste nascimento incestuoso que Kuiti-Kuiti, marido de Mboze, matou esta e seu filho Nkanga.
No momento em que os dois homens lutavam, Mboze, antes de morrer, ouviu dentro de si uma voz que lhe dizia: «Telamena bobo, kaza minu nzoleze umona monso mivioka avava» - Espera que eu quero ver tudo o que se passa aqui». E nesse mesmo instante nasceu MBUNGI e este nome recebeu porque nessa altura, dizem, havia muito nevoeiro (Nevoeiro = Mbungi).
MBUNGI (ou BUNZI) é invocado, principalmente, nas terras de Mputu Kinzazi e Matamba.

8 - MPANGI
Filha adoptiva de Lusunzi.
MPANGI pairava na região de Cabinda, junto à sua baía.
O seu habitat era numa pedra que se encontrava na encosta do morro do antigo Porto Rico. A essa pedra lhe chamavam: Limanha liMpangi = Pedra de Mpangi. Era o Nkisi-Nsi da terra, o espírito protector.
Os naturais nem lhe tocavam, tanto o respeito ou medo que lhe tinham. Contudo, com a escolha do local de Porto Rico - comprado à família Franque - para a construção do Palácio do Governo de Cabinda, foi utilizada essa pedra nas obras.
E por causa desta «destruição», afirmam os naturais de Cabinda, tanto Mpangi como Lusunzi deixaram as terras de Ngoio. Lusunzi foi para S. Tome e Mpangi para a antiga capital do Reino do Loango, Buáli. Mas não deixaram, contudo, de ter influência sobre as gentes de Cabinda.

9 - NKUNDA MBAKI NRANDA
Irmão de Kuiti-Kuiti e marido de Nsansa-Kunda.
Era o «deus» da chuva. Tinha cauda. Quando invocado para fazer cair chuva, apontava a cauda para o céu. Mas quando julgasse bem, como castigo, apontar a cauda para baixo era mais do que o bastante para não chover!

10 - MAKUNKU
Filho adoptivo de Lusunzi.
Era o «deus» das preocupações. Era grande o seu poder sobre o movimento do sol. Trabalho que começasse, tinha que ser terminado antes do sol posto. Mas se se enganava e o trabalho levava mais tempo do que contara? Era simples. Mandava recuar o sol para que lho desse tempo de terminar a tarefa!
(Até parece o dito milagre de Josué, na Bíblia - Cf. Livro de Josué, X12,15!)
O Makunko usava um cinto feito de cacto. Viajava muito.
Os muitos afazeres e preocupações, de toda a ordem e em toda a parte, não lhe concediam descanso.

11 - DIVINDADES DE SEGUNDA ORDEM
São todos filhos adoptivos de Lusunzi, «deusa» dos bons costumes e a restauradora da moral natural nas terras de Ngoio.
Vela-Ke-Lusunzi, andrajoso e pobretão, vagueava pela praia e pelo Kizu.
Mbaki-Lukola-LiMpangi; Mundala-Mpangi; Lukika-LiMpangi. Estes habitavam junto ao riacho Lukola.
Kinkinda e Kilili - na Muanda.
Kimpukulo e Kinsunda - por várias regiões.
Esta mitologia Cabinda, não destrói nem exclui o sistema Religioso comum a todos os clãs Bakongo.
Se pode haver, v. g. entre os de Ngoio, uma ou outra particularidade, fruto da rica Tradição dos Cabindas - como a de A. J. Fernandes - o sistema religioso que vamos apresentar é o de todos: Bauoio, Basundi, Balinge, Baluango, Bavili, Bakongo propriamente dito, etc., etc., (dos nove clãs descendentes de Vua li Mabene).
Já em 1948, na revista «Mensário Administratívo», publicamos qualquer coisa sob o título «A Religião entre os Kakongos - Povos de Cabinda.»
Nessas poucas linhas citamos o P. Bittremieux e nelas se pode sentir a sua influência.
Tivemos, na verdade, a felicidade de conhecer o P. Leo Bittremieux, de falar com ele, de manter correspondência com ele, que já temos citado. Correspondência valiosa, sem dúvida, e cremos ter sido o único missionário português com este quase privilégio.
Viveu o P. Bittremieux durante muitos anos na Missão de Mbata-Mbenge, dos Padres de SCHEUT. Mbata-Mbenge ficava a uns 20 quilómetros, em linha recta, da nossa Missão do Lukula-Zenze. Foi no Mbata-Mbenge que conheci o P. Bittremieux.
A sua última viagem de estudo foi do Mbata-Mbenge à nossa Missão do Lukula-Zenze, desta à de Lândana e, passando por Cabinda, dirigiu-se à da Muanda (já na Rep. do Zaire) onde a doença, seguida da morte, nem à sua querida Missão de Mbata-Mbenge lhe permitiu chegar (1947).
O tema da religião desta gente estudamo-lo com ele em conversa, em correspondência e, sobretudo - por sua indicação - na tradução francesa dos BAKHIMBA (o P. Bittremieux, por ser flamengo ferrenho, tudo escreveu em flamengo - e bem pena é ) «La Société Secrète des Bakhimba au Mayombe.»
(P. Leo Bittremieux, «La Société Secrète des Bakhimba au Mayombe» ).
Procuramos depois, no contacto directo com os habitantes de Cabinda, a confirmação do que dele havíamos ouvido e em seu livro estudamos.
O Mbata-Mbenge encontrava-se em região dos Bakongo.
O P. Bittremieux dedicou, praticamente, toda a sua vida - bastante longa - de missionário ao estudo destes povos, comuns ao País de Cabinda, Maiombe ex-Belga e ex-Francês.
Os nossos quase 22 anos em Cabinda, com mais três visitas de estudo a terras de Ngoio, posteriormente, deram-nos a confirmação da consciência com que o P. Bittremieux tratou e expôs este assunto. Ninguém como ele descobriu e leu na alma desta gente, destes Bakongo.
Conhecemos os nomes, os nomes dos Bakisi-Basi, Bandoki, Nlunda, Konde (Kondo), etc. etc., e ouvimo-los, imensas vezes, da boca dos Cabindas. Nas nossas belas e saudosas viagens pelo mato, tivemos a confirmação de que tudo era como o P, Bittremieux contava. E, falando destes assuntos, sentados ao - fogo ou debaixo de uma «muanza», regando a conversa com «malavu», os velhos Matuda, Liluala, Jorge Bakisi, Estanislau Kimpolo e tantos outros, quantas vezes ficavam boquiabertos, espantados mesmo, ao reconhecerem que aquilo que tinham como segredo só deles era do conhecimento dos missionários!
Pouco ou nada há a acrescentar ao que o P. Bittremieux escreveu sobre o sistema religioso destas gentes.
Porque não queremos e nem podemos inventar «mitologias», vamos, tanto quanto possível, segui-lo.
Temo-lo por «mestre». E, desta forma, queremos prestar-lhe homenagem de muita gratidão pelo que nos fez saber sobre esta gente admirável.

NZAMBI - O Ente Supremo
Todos os clãs Bakongo conhecem Deus sob o vocábulo NZAMBI ou NZAMBI MPUNGU.
NZAMBI é bom. Chamam-lhe Tata, Tat itu: Pai, Pai Nosso; Tata Nzambi = Deus Pai.
Reconhecem, ainda que muito vagamente, a Providência divina no governo do mundo (NZAMBI KEBA = O DEUS QUE CUIDA) a sua veracidade e a sua omnisciência. São unânimes e explícitos em Lhe atribuir todo o poder criador. Por isso, encontramos muitas vezes Deus ser chamado, indiferentemente, NZAMBI ou NZAMBI MPUNGU = Deus Todo Poderoso, Ou NZAMBI MVANGI = Deus Criador.
O designar Deus NZAMBI KEBA = Deus Providência, já é mais por influência missionária. Desde quando?
Têm ainda algumas ideias quanto a obrigações morais para com Deus e para com o próximo: o temor de castigos que Deus possa enviar e permitir; sentido muito arreigado da justiça e da fuga a praticar injustiças.
Têm a reminiscência de uma tradição oral, muito longinqua-a que o P. Bittremieux diz chamarem KONGO - de que os antigos ensinavam certos mandamentos.
Quanto à existência de um culto prestado a Deus - Supremo Senhor e Criador - , como sacrifícios orações, etc., tanto quanto se pode investigar, nada os dá a saber mesmo entre os mais antigos.
Posto que os não cristãos não prestem culto ou ofereçam dons a NZAMBI MPUNGU, constata-se que têm fórmulas, de rotina sem dúvida, de orações e invocações.
Em certas circunstâncias dão, conscientemente, bênçãos - Kuvana miela - ou fazem votos de felicidade em nome de Deus. .
Vemos estas bênçãos, quase sempre, quando um filho parte para longe e é abençoado pelo pai que toma um pouco de terra (e a terra é sempre sagrada) e, ao mesmo tempo que a lança ao ar, abençoa o filho. Chegamos a assistir a estas bênçãos e sempre nos fizeram lembrar a benção e recomendações de Tobias a seu filho, antes de partir para casa de seu parente Raquel.
Não obstante tudo isto, desde há séculos, Deus é, na prática, eliminado da vida da maior parte dos negros que sequem a lei natural.
Mas o que nunca recusaram a Deus - NZAMBI - que parece, na mentalidade deles, desinteressado totalmente das criaturas, foi a Sua SOBERANA DOMINAÇÃO conscientes de que todos os entes d'ELE - do NZAMBI - recebem a existência e o poder.
Portanto, Deus não tem ninguém que LHE seja igual. ELE, o NZAMBI, o NZAMBI MPUNGU, o NZAMBI MVANGI é o único, o Inacessível, o Grande Chefe que do «Céu» domina tudo, o bem e o mal, potências superiores, génios, feitiços...
A magia não tem qualquer poder contra ELE. ELE não está e nem pode estar localizado seja onde for, em qualquer coisa material; não é representado por imagens, etc.
ELE é, verdadeiramente, o NZAMBI. E porque é NZAMBI deixa correr, deixa fazer!
Pouco se importam com a sua intervenção-tão longe ELE está! - em tudo o que acontece aos pobres mortais, e aceitam o infortúnio com uma resignação sem mérito, próxima de um espantoso fatalismo.
Por outro lado, usam e abusam do nome de NZAMBI a propósito de tudo, sem peja e sem respeito.
É caso, por vezes, para se perguntar se o seu NZAMBI é um deus antropomorfo ao escutar-lhes as lendas; ou se, falando de Deus como significação de Natureza, não fazem do seu NZAMBI um deus panteísta!
São demonstrações das ideias primitivas ou, mui simplesmente, modos de falar.
O que se pode afirmar é que os negros, pelo menos em doutrina e teoria, não são ateus.
«Nulle part - observa judiciosamente o P. Al. Janssens e citado por Bittremieux - il n'est question d'un temps ou d'un lieu ou Dieu ne fut pas, ni de quelque chose qui échappe à sa domination; au contraire, Dieu est le maitre souverain et absolu.» (Cf. God aIs Scepper, de Ai. Janssens).
Na mesma obra e à guisa de conclusão, diz Bittremieux referindo-se a AI. Janssens, o mesmo teólogo admira-se, com razão, de que os sábios já não liguem importância aos mitos africanos, especialmente aos dos bantos.
Que dizer, pois, da importância e dos dados positivos que nos oferecem as crenças destes povos e os seus costumes religiosos?
Os mitos não são mais, do que produto de sua imaginação inventiva (lembremo-nos do que está descrito atrás sobro as «divindades» de Ngoio), na qual é necessário distinguir entre o elemento mitológico e o religioso (Cf. A. Lang-Mythes, Culte et Religions) ao mesmo tempo que as suas ideias a respeito de Deus e das criaturas invisíveis, mesmo obscurecidas por erros de ordem prática, nos revelam mais directamente o íntimo de sua alma humana «crista por natureza» (naturellement chrétienne). (sic,)
As forças benfazejas da natureza
Há entes sobre-humanos que, por vontade de Deus, governam o mundo em seu lugar: são principalmente os Bakisi (Nkisi - pl. Bakisi), os génios no sentido mais amplo da palavra.
Nos velhos tempos, dizem, o Nkizi ou os Bakisi eram bem melhores e bem mais amigos dos homens. Protegiam-lhes os corpos fazendo chover, dando-lhes alimento, proporcionando-lhes bem-estar.
E era por isso que os homens chegavam a muito velhos!
A estes espíritos benfazejos, à frente do bom andamento do universo, chamavam, outrora, BIKINDA BINSI.
Hoje, a maioria, nem lhes conhece o nome. Cada clã teria o seu Kinda ao qual se atribuía a fecundidade, quer das pessoas e animais, quer da terra.

Os espíritos da terra - BAKISI BASI
Mais tarde e, certamente, por analogia com os BIKINDA imaginaram os BAKISI BANENE ( - Os Grandes Bakisi) ou BAKISI BASI, espíritos da terra, do sol, da região, de cada fundador e chefe de clã, por intermédio de um NGANGA especial «ad hoc delegatus», diz Bittremieux, que tinha a seu cargo inaugurar (e inventar?) o seu próprio NKISI NSI para presidir aos interesses da terra que acabavam de tomar e ocupar.
Estes «espíritos-mães» (Cf. a lista das divindades dos Cabindas, na maioria fêmeas corno sinal de proliferação) mais do que conhecidos por todos os clãs do Distrito de Cabinda em geral, ainda que com nomes diferentes, por vezes, parecem ser muito antigos, mais antigos do que a própria população, pois teriam sido trazidos pelos primeiros emigrantes conhecidos.
Estes Bakisi Basi não têm o seu habitat numa estatueta ou num ídolo. Vivem na terra, na água das lagoas e, especialmente, nas rochas ou têm o seu santuário nas florestas.
O culto ao Bakisi Basi parece ser a manifestação principal dos sentimentos religiosos das populações Bakongo, Bauoio, Baluango, Basundi, etc., etc.
Este culto regulava - e ainda hoje se sente a sua influência - toda a vida social e familiar. Basta que se volte a ver o que os Cabindas dizem sobre as leis de Lusunzi.
É do Nkisi-Nsi que o chefe recebe o poder. É do Nkisi-Nsi que, nos Bauoio - Cabindas - toda a comunidade, por cerimónias públicas, procurava conquistar graças e favores. É em nome do Nkisi-Nsi que os Zindunga, chamados também mulheres do Nkisi-Nsi (Bakama Bakisi-Nsi) ou «soldados», fazem o policiamento das terras de Cabinda e velam pela guarda dos bons costumes e leis de Lusunzi, que não são mais do que as leis do Nkisi-Nsi.
É ainda pelo Nkisi-Nsi que, praticamente, em todos os clãs do num País de Cabinda, fazem entrar as jovens, chegadas à idade núbil, no NZO KUMBI («Casa da Tinta») para, depois, tomarem estado, casando-se ou, mesmo, entregando-se a uma vida fácil.
Em atenção ao Nkisi-Nsi, abstêm-se as pessoas de certos actos fora do casamento ou observam certos costumes nas relações conjugais...
Ao Nkisi-Nsi ficam ligados todos os que nascem de uma forma tida por «anormal», a saber:

A)        Os ZINDUNDU (sg. NDUNDU) = Albinos.
Porque os aIbinos, de um e outro sexo, são incapazes de geração (dizem) atiram-nos para o número dos monstros.
Outrora, era costume apresentarem os «Zindundu» ao Rei. Eram, depois, ensinados na prática da magia e passavam a servir de magos ao Rei, que seguiam e acompanhavam sempre.
Ninguém ousaria ofendê-los com qualquer afronta. Eram respeitados por todos. Se iam ao mercado podiam tomar o que quisessem e ninguém lhes iria à mão.

B) BASIMBA, os gémeos. Tidos também por filhos, do Nkisi-Nsi. Havia para com eles as atitudes respeitosas que tinham para com os aIbinos

C) Os NSUNDA (pl. BASUNDA), os que nascem pondo, primeiro, as pernas fora do ventre materno.

D)  Os KILOMBO - Os que revelam, em sonho, a sua origem estrangeira.

E) Os mortos com VIMBU. Vimbu, doença que faz inchar. Vem do verbo Kuvimba -Inchar, engrossar.

F) As que morrem grávidas e todo aquele ou aquela a quem não cortaram os cabelos ou as unhas...
Jura-se e amaldiçoa-se, ainda hoje, pelo Nkisi-Nsi.

É que o Nkisi-Nsi, por bom e generoso que seja, também pode encolerizar-se e vingar-se.
Há quem tenha visto nesta espécie de culto uma como que idolatria.
«Je n'oserais pas me prononcer en faveur de cette thèse», afirma o P. Bittremieux.
Assim, o nome de Nzambi dado a uma estatueta, ou o facto de recorrer «directa e unicamente aos bons serviços dos espíritos», estes «agindo por sua vontade e como se fosse por seu próprio poder», dispondo da vida e da morte, da saúde e da doença, - da chuva e da seca, como se fosse DEUS, parece-me, continua Bittremieux, susceptível de uma outra interpretação bem diferente de uma idolatria formal, ou mesmo material.
E Bittremieux, que acaba de citar Mgr. A. De Clercq - Instructions Pastorales, 1931 afirma que S. Ex . a Rev.ma, tratando do 1. Mandamento, não chega a assinalar sequer idolatria entre os negros.
O negro, na verdade, está convencidíssimo de que foi Deus - o NZAMBI MPUNGU quem delegou todos os poderes aos espíritos enquanto que ELE mesmo - DEUS - fica sempre o DEUS úNICO, INACESSÍVEL, sem concorrentes e sem divindades, mesmo inferiores.
A alma negra sempre reconheceu, e reconhece, o ENTE SUPREMO na origem de todas as coisas.
Além dos BAKISI BANENE há outros que nem estão tão altos, nem são tão terríveis como isso.
Nesta conta entra a serpente Mbumba Luango, os Zindundu (Albinos), os Basimba (gémeos), etc., etc.
Temos ainda os Bakisi Bakulo - os espíritos dos antepassados, protectores da família; o Lemba, especial do casamento, para que haja paz no casamento e seja fecundo.
Para as mulheres grávidas e para as crianças há uma série de espíritos protectores: Malazi, Mamazi, Mbenza, Kobo, Kívunda, etc., etc.
A função destes é guardar e proteger as criancinhas, já antes do nascimento, dos maus olhados dos BANDOKI, matadores, comedores da alma...
Mas os espíritos que mais andam na mente desta gente, os que mais temem, são os chamados NKONDE ou NKOSE, demónios maus, espíritos do ódio e da vingança.
Estão eles ao serviço dos BANDOKI - assassinos e comedores de almas. São estes espíritos NKONDE que, esconjurados e excitados pelos homens NDOKI, causam as doenças e males de toda a espécie até que, «obedecendo a quem pertencem ou cedendo a uma força superior, afastando-se, diz Bittremieux, deixam que o remédio natural e supersticioso venha a agir naturalmente.»
Faziam parte do grupo Nkonde: Mabiala Mandembo (espírito vingador do Loango), Mangaka, Mungundo, Nsasi-Nkonde, Nkonde, Nkonde (o) Ikuta Mvumbi.
Ordinariamente as suas estátuas e estatuetas estão providas de um espelho e crivadas de pregos.
Quem deseja mal a alguém e dele se quer vingar, prega um prego na estátua de um Nkonde jurando que não terá descanso até que o outro seja punido.
E não podemos passar à frente sem nos referirmos, com mais pormenores, ao embondeiro do «feitiço», que ainda se encontra agora em Cabinda, chamado NKONDO IKUTA MVUMBI = o Embondeiro do morto gordo,
Está, esse embondeiro, crivado de pregos, especialmente do lado contrário a um caminho que lhe passava ao pé.
Pregar um prego nesse embondeiro, por vingança contra alguém, é trazer-lhe a morte «infalivelmente», pensavam eles!
Tem este embondeiro uma certa forma de garrafão. Mede doze metros de perímetro.
E chama-se (não digo chamava-se, pois ainda lá está) Nkondo Ikuta Mvumbí porque a pessoa contra quem se faça o feitiço, contra quem se pregar o prego, morrerá assim gordo, inchado como o embondeiro!
Pregar assim o prego para feitiço, diz-se: Banda mianda.
Aplicado a este embondeiro feitiço, dir-se-ia: Banda mianda muna nkondo ikuta mvumbi = Fazer feitiço pregando prego no embondeiro do morto gordo.
Conforme o prego usado, o efeito, segundo eles, será mais ou menos imediato. Assim, pregos de cobre ou de alumínio produzem efeito mais imediato. Uma cavilha, acabará com a pessoa contra quem se prega mais rapidamente do que o prego vulgar!
E ainda lá pregarão pregos? E ainda terão medo do «velho» Nkondo Ikuta Mvumbí?
Pudemos notar, pelos cabeças dos pregos, que alguns eram ainda bastante recentes.
Por outro lado, o rapaz, já bem crescido, de 14 a 16 anos, que havia ficado de me ir mostrar o dito Nkondo Ikuta Mvumbi, mesmo tendo-lhe sido oferecida gorjeta, não havia comparecido. E foi isto em Janeiro de 1970!...
Mas o Nkondo Ikuta Mvumbi, dos Cabindas, está hoje frondoso e mais visível do que nunca. Ficou enquadrado nos terrenos escolhidos pela Câmara para o Bairro Popular Mendóça Frazão.
Outrora, entre os NKONDE e NDUDA comuns, existia o famoso NFULA NKOMBE. Para a sua «consagração» se requeriam vidas humanas.
Os pretos acreditavam que tinha nove corações de virgens (note-se aqui novamente o número «sagrado», número nove) no espelho fixo no ventre. Os que lhe eram dedicados tinham a reputação de BANDOKI célebres. Vestiam-se de leopardos durante meses. Afirmavam que nas solenidades em honra do NFULA NKOMBE, durante a noite, alguns homens eram comidos.
Contudo, contra os malfeitores há os antídotos.
Deles fazem parte os NDUDA (pl. ZINDUDA) representados por pequenas estatuetas protectoras dos homens e de suas casas, apresentados comummente sob a forma dum homenzito em madeira, armado com uma espingarda - ou, às vezes, só a espingarda para matar o malfeitor!
NDUDA, segundo Marichelle: «Estatueta feitiço que tem um espelho no ventre. Protege as aldeias contra o Ndoki.»
(P. C. Marichelle, «Dictionnaire Vili-Français», Loango, Imprimerie de la Mission, 1902, na palavra «Nduda», pág. 129.)
Há, ainda, os BITUTA, amuletos e preservativos, tais como: braceletes, colares, pequenos bastões, conchas, «cabeças» de cabaça, etc., etc.
Muitas vezes se apelida de feitiço um objecto ou ingrediente qualquer que entra na composição dos Nkísi ou que a eles pertence, v. g., Mpezo-terra branca, cal ou giz; de Ngunzi - argila vermelha; Túkula - cerne do Pterocarpus tinctórius reduzido a pó; resina copal, certos frutos, etc.
O TESIA (KUTESIA, KUTESIA MANGA) é mais uma especialidade de certos adivinhos do que de certos Nkisi.
Em Marichelle: "Kutesia manga, procurar aquele que comeu a alma de um outro, para lhe dar o veneno nkasa.»
(Idem, na palavra, «Tésia», pág. 189.)
A arte de curar é também um predicado deste ou daquele NGANGA e não deste ou daquele nkisi, a não ser no sentido negativo: o nkisí que torna alguém doente também o pode curar, uma vez que, obediente ao sortilégio do senhor, ou cedendo perante uma força superior, se retira...
Destinguem muitísismo bem entre NGANGA NKISI, o sacerdote do Nkísi e o NGANGA MEZA, o sacerdote das folhas, o curandeiro (usando, quase sempre, folhas medicinais).
Os espíritos mudam de domicílio? Sim, como as pessoas.
Desta feita podem seguir o seu proprietário, instalar-se noutra região, etc., etc.
Adoece uma pessoa, de doença não comum? Qual NKISI será a causa?
A última palavra está no adivinho = Nganga Tésia.
Ele adivinhará, cheirará mesmo quem foi. Exercerá bem o trabalho, representará bem com esgares e gestos, multiplicação de movimentos de toda a espécie. Ficará como em transe, de olhar fixo e com os braços como que presos um ao outro, dirá: é tal, é tal nkisi, está em tal ou tal parte, etc., etc.
O Homem invisível
O homem, mesmo para esta gente, não é um ser puramente material. Possui alguma coisa acima do sensível, qualquer coisa que vê, ouve, fala e age quando dorme e sonha, que sai dele quando, por assim dizer, se desdobra, como acontece no caso do NDOKI, qualquer coisa que se separa dos outros elementos que o constituem e se transforma em KINBINDI (pl. BINBINDI) depois da morte. São os manes, «almas do outro mundo.»
É ainda o homem invisível que o NDOKI procura para a ele se amparar e nele viver com o auxílio dos espíritos maus e dos Babinbindi.
Se esses maus espíritos e os Babinbindi têm sucesso o homem adoece; se o homem morre, o chefe dos NDOKI e seus cúmplices são tidos por o terem cortado em bocados para o cozerem e comerem!
O interesse de cada homem está, pois, em não atrair a cólera dos Bakisi e escapar e livrar-se dos Bandoki - comedores de almas - por todos os meios que estejam à mão, v. g. os amuletos (nduda.)

Em casos especiais, dirigem-se aos «especialistas» - ao Nganga Tésía - para que lhes diga a causa do mal, ou até para que vá ter com os comedores de almas - os Bandoki arrancando-lhes a vítima fazendo voltar ao homem o seu princípio de vida - LUNZI, a alma.
O corpo, para eles, é composto de três elementos (a que Bitternieux dá o nome de Vuvula, ou Vuvala (pl. Bivuvula) a saber:
1. - O que adere ao seu princípio de vida - LUNZI, alma - e que pode ser levado pelos espíritos e Bandoki e que se muda, então, depois da morte, em Kimbindi;
2. - O que, em caso de doença, fica na aldeia. É o doente «enfeitiçado», o homem quase vazio;
3. - O cadáver, o homem perfeitamente vazio.
Os BANDOKI
Alguns, diz Bittremieux, distinguem três espécies de Bandoki (Cf. De Krokodiel em Congo, 1929, pág. 846):
1. - Os Bandoki por nascimento, por hereditariedade. Não são os piores. São até fáceis de contentar. Não matam. Uma coxa ou um osso, pelos vistos, deixam-nos satisfeitos.
2. - Os Bandoki por malícia. Tornam-se voluntariamente «comedores» e são insaciáveis, verdadeiros devoradores e não recuam perante nenhum NDUDA (de nenhum amuleto).
3. - Os Nganga Bandoki, chamados a desarmar os «comedores de homens» ou a colocálos em condições de não prejudicarem.
Resumindo o que fica dito sobre religião e crença
DEUS - NZAMBI MPUNGU
Criou todas as coisas visíveis e também os entes que, por sua natureza, são invisíveis: as forças da natureza e os Bakisi de toda a espécie.
E como ELE - NZAMBI - habita muito alto, muito lá para cima deste mundo, não se ocupa dos seres humanos a não ser para lhes conceder alguns raros benefícios e para os chamar a ELE.
É, portanto, de muito boa «política» honrar sobretudo os BAKISI BANENE - espíritos protectores - e também os de menor influência, com um culto de interesse onde predomina o medo de más influências, cupidez e desconfiança.
NZAMBI MPUNGU é, pois, o SER SUPREMO, ABSOLUTO, BOM. É supremo Criador de tudo o que existe fora DELE.
Delegou os seus poderes a causas segundas.
BAKISI BASI
Vêm logo a seguir a Deus, mas sempre dependentes de sua Soberania. São seres transcendentes, como que semi-deuses incarnando as forças do universo e dando a fecundidade à natureza inanimada e ao homem.
São estes «grandes», os Bakisi Basi, Mbenza, etc., etc., que regem o mundo dos primitivos, as suas instituições públicas e, em parte, até a vida privada.
Da parte dos Bakisi Basi, tem-se sempre ajuda e protecção asseguradas, mas precisa-se que os homens os honrem, os temam, observem os seus tabus.
A eficiência directa dos BAKISI BASI
Consistia:
1. - Na suserania demonstrada pelo Chefe de cada dinastia, depois da demarcação e fundação da «região» até à vinda dos brancos, de tal sorte que bastava saber-se qual era o NKISI NSI dessa terra, dessa «região», para se saberem os limites respectivos.
2. - Na prosperidade material: fertilidade dos campos, abundância de chuvas, saúde dos corpos, sucesso nos empreendimentos.
3. - Na próspera, forte e sã continuação da raça: o cuidado na preparação para o casamento (Nzo Kumbi - Casa da Tinta), as leis que regiam as relações sexuais, dentro e fora do matrimónio (visto que os castigos, sanções contra os prevaricadores, ainda hoje, são tidos como aplicados por imposição dos Bakisi Basí - Cf. leis de Lusunzi).
4. - No que estava estabelecido e regulado quanto às sepulturas. Senhor da terra, NKISI NSI pode proibir o enterro dos «anormais» e dos indignos. E pode ter-se por muito provável que foi em nome do mesmo Nkisi Nsi que se reservaram cemitérios especiais para os grandes chefes.
O cerimonial que acompanha a descoberta de um Nkisi Nsí, as honras que se prestam ao Nksí Nsi, seja ele qual for, os votos ao Nkísi Nsi, etc., etc. - tantas vezes, ainda hoje! - levam-nos a imaginar bem o grau que atingiu este
(Cf. Leis de Lusunzi, Nkisi Nsi, Zindunga)
São, assim, os Bakisi Basi como que semi-deuses da terra, espíritos do solo, que regem a vida política, social e familiar dos clãs. Consagram os Chefes (Kubiala), abençoam os indivíduos (Kusemuka).
É deles ainda que os Zindunga recebem também a sua consagração.
A eficiência indirecta dos BAKISI BASI
Notava-se:
1 . - Na agregação daqueles que, não se podendo aproximar pessoalmente do espírito na sua floresta, se consagram a ele por intermédio de um outro nkisi da família de Mbenza, por exemplo, por intermédio de suas palmeiras sagradas.
2. - No poder, até certo ponto discricionário e despótico, dos «Zindunga».
3. - Em certos ritos, festas e observâncias, onde o culto se dirige directamente ao «delegado» do Nkisi Nsi: os Nkíta, Kimpási, Mbumba-Luango, sendo estes, por sua vez, dependentes do Nkisi Nsi e a ele consagrados.
Os Nkita eram bem conhecidos por todos os clãs.
Os Nkíta castigavam aparecendo e partindo curavam.
O Mbumba-Luango (Arco-íris) sendo um fenômeno natural é, para eles, um ente misterioso e sobre-humano e parece estar ligado aos grandes Bakisi.
Mas, quer o Mbumba-Luango quer os Nkita, pertencendo já a urna classe superior de Bakisi, misturam-se com a feitiçaria e magia.
Em seu pequeno dicionário do dialecto VILI, o P. Marichelle, C. S. Sp., apresenta as palavras Mbumba e Luangu em separado e com as significações seguintes:
MBUMBA, s. - N. p. d'une divinité que I'on invoque dans les malheurs ou les dangers.
LUANGU, s. sg. Li, pl. Ma - Ceinture munie de graines et cornes d'animaux pour arrêtter les flux de sang chez les enfants (fétich.)
O NZAZI - Raio, com o Mbumba-Luangu inspiram o temor. O Mbumba-Luangu é aliado do Nkisi-Nsi e localizado no nkisi MBUMBA.
O NLEMBA (ou simplesmente LEMBA), espírito protector do casamento e das crianças nascidas banabakisi (os ZINDUNDU, BASIMBA, ZINSUNDA etc. que não são, em si, maus) não estão ligados, pelo menos aparentemente, a outras categorias.
Mas os maus espíritos, os que encarnam o espírito do mal e que para agir se servem dos BANDOKI, são os NKONDE e NKOSE.
Estes NKONDE e NKOSE são essencialmente maus e deles provêm todo o mal aos homens.
Por seu poder diabólico, estes Nkonde e Nkose permitem e fazem com que os Bandoki se desdobrem e, ajudados pelos espíritos dos antepassados - manes - arranquem às pessoas o espírito de vida.
Como preventivos contra os males dos Bandoki, usam-como já se disse-os Nduda, Bítuta, etc., etc., toda a espécie de amuletos anti-Ndokí!
Como se descobre o NKISI-NSI
Vimos já que o NKISI-NSI não é representado por estatuetas, estátuas ou ídolos. Está ligado a qualquer coisa que não vem directamente do homem. Encontra-se na terra, nas águas das lagoas, em pedras, na floresta.
Como, então, se consegue dar com ele, descobri-lo?
0 clã X com seu chefe, !filhos, parentes chegam a uma região.
Constroem a aldeia. Nessa região - escolhida tem que haver, infalivelmente, um Nkisi-Nsi que os venha a proteger. Qual será?
Qual será aquele NKISI-NSI que pelo Nzambi Mpungu está encarregado de vigiar aquela terra e estes habitantes?
Poucos dias passados sobre a instalação dessa gente na nova aldeia, um dos homens dessa família sonha... E, para que o oiçam, até chega a sonhar alto!
Sonha em quê? Em muitas coisas mas, especialmente, na revelação de qual é o NKISI-NSI da terra.
De manhãzinha corre a levar a nova ao NFUMU-NSI (ao chefe do clã) e narra-lhe o sonho, revela-lhe o nome do NKISI-NSI e o local onde se encontra.
Para o local indicado vai o chefe com toda a sua gente. Esse local é imediatamente limpo.
Finda a limpeza o sonhador, agora feito NTOMA-NSI (sacerdote do Nkisi-Nsi) abre a primeira LIOUA buraco feito na terra, em forma de cruz, junto ao Nkisi-Nsi-onde é lançado vinho de palma e aguardente, se a houver, para que o Nkisi-Nsi «beba» e, assim, se torne amigo e protector daquela terra e daquela gente.
E já nesta altura pode começar a primeira bênção a todos os instrumentos de trabalho (enxadas, catarias, machados, redes de pesca, espingardas, etc.,etc.) untando cada utensílio com a terra empapada em vinho de palma e aguardente tirada da LIOUA.
Num livro, de Artur Maciel, entre a página 100 e 101, no verso, onde se encontra representada uma cova em forma de cruz, lê-se:
«a terra extraída destas covas em Cruz é  considerada Terra de Simão Toco. Pequenas pastilhas feitas com ela, vendidas a 150$00 cada uma, cumpre aos iniciados no Tocoísmo ingeri-Ias.»
E quem não vê nisto um ressurgimento da LIOUA do Nkisi-Nsi que abençoa e protege a terra e as gentes?
É que não há mesmo outra explicação possível. No caso, comprava-se por 150$00 a protecção e benção do Nkisi-Nsi, através dessas pastilhas da «Terra de Simão Toco» terra que certamente foi também empapada com qualquer qualidade de bebida alcoólicae Simão Toco, ou seu delegado, tornavase o «sacerdote» do Nkisi-Nsi. Os «crentes» partiam persuadidos que iam abençoados pelo Nkisi-Nsi (com este ou aquele nome), ao mesmo tempo que Simão Toco se tornava NTOMA-NSI, no caso, sacerdote de uma nova seita religiosa (?).
Se se estudarem bem as diferentes e pretensas seitas religiosas (antes, religioso-políticas) -v. g. MauMau, Kitavala, Kibanguismo, Lassismo, Tokoismo, Mukunkusa, etc., que apareceram em África nos últimos 30-40 anos e foram a base de todos os movimentos religioso - políticos da África negra - iremos encontrar, na maioria delas, cerimoniais que nos levam até ao Nkisi-Nsi e seu «sacerdote sonhador»!
Mas voltemos às cerimónias ligadas ao descobrimento do Nkisi-Nsi.
Descoberto o Nkisi-Nsi (uma pedra - não comum, um pequeno bosque com certa particularidade, duas árvores como que casadas uma com a outra, mesmo um morro de salale de tamanho grandioso e de forma bizarra, etc., etc.), limpo o local onde se encontra, dada a primeira «benção», de volta à aldeia, o Nfumu-Nsi ordena que ofereçam ao NTOMA-NSI géneros, bebida e vestido.
Todos, de pé, oferecem as dádivas ao Ntoma-Nsi. Este abençoa - kuvana miela tocando com as mãos os sovacos (a mão direita o sovaco esquerdo e a esquerda o sovaco direito) estendendo-as depois e fazendo gestos como - quem arremessa alguma coisa, tendo as palmas das mãos voltadas para cima.
Fica, assim, intronizado o Nkisi-Nsi e nomeado, ipso facto, o Ntoma-Nsi. Acabado todo o cerimonial, é levado em triunfo pelo povo até sua casa.
Não esquecer que este, o Ntoma-Nsi, é, ordinariamente, da família do Nfumu-Nsi.
Podemos ver nisto conjugação de interesses? É possível.
O Nkisi-Nsi é, como já sabemos, urna espécie de anjo tutelar. Quando se fazem perguntas ao povo a este respeito, não é raro responderem: «Zísanto z'itu» - são os nossos santos.
Ao Nkisi-Nsi recorriam para que houvesse caça, pesca; para que terminasse a seca e viesse abundante chuva; para que as mulheres tivessem filhos e os animais procriassem, etc., etc.
O NTOMA-NSI
Acabamos de ver como o Nkisi-Nsi é descoberto e como, automaticamente, fica nomeado o Ntoma-Nsi.
Mas, se não há Ntoma-Nsi, se não há «sonhador» ou este morreu, como fazer-se para escolher ou nomear outro?
Um povo que não tenha Ntoma-Nsi como pode fazer de outra forma para o conseguir?
O Nfumu-Nsi desse clã vai ter com um Ntoma-Nsi, tido bem como tal, de outro clã. Diz-lhe que não tem Ntoma-Nsi no seu povo; roga-lhe para que vá à sua terra escolher um. Aliás, quando se trata de escolha feita nestas condições, segundo a declaração do velho Estanislau Kimpolo, são sempre escolhidos dois. Também para essa escolha não basta um Ntoma-Nsi antigo. São exigidos dois.
O Nfumu-Nsi dará umas indicações sobre quem gostaria que caísse a honra da escolha.
É pela tardinha que os Zintoma-Zinsi aparecem no povo do Nfumu-Nsi que os convidou.
Mais ou menos escolhidos, por indicação do Nfumu-Nsi, os que devem vir a ser «consagrados», o Ntoma-Nsi mais velho corta dois pedaços de Nkuisi, planta sagrada, de meio a um palmo cada, e vai a casa das pessoas em quem recaiu a escolha. Estas, em princípio, de nada devem saber ou desconfiar,
O Ntoma-Nsi mais velho entra na casa do escolhido e atira-lhe para o regaço com os dois pedaços de Nkuisi. O homem deve estar sentado no chão com as pernas cruzadas (Nfunda nkata). Era a maneira mais comum de se estar sentado.
Pode acontecer que o homem esteja de pé ou noutra posição.
Como fazer então? Esperará que tome a posição ritual ou por ocasião mais azada.
O homem a quem atiraram com os dois paus - de Nkuisi ficou a compreender tudo, sabe que está escolhido para ser Ntoma-Nsi e que não pode recusar. Se nessa ocasião estivesse a comer, teria que o deixar de fazer imediatamente. Em todo o resto do dia e toda a noite era-lhe proibido fumar, beber vinho, dormir com a mulher.
Não agradece nem recusa. Nada pode fazer.
O chefe da aldeia, o Nfumu-Nsi, teria que lhe oferecer uma esteira nova, uma galinha, uma garrafa de bagaceira, uma garrafa de vinho de palma e makazu (noz de cola). Era à noite que entregava tudo isso.
Podemos inferir que, mesmo nos dias de hoje; ao lado de cada chefe de aldeia, de cada chefe e soba, há também um «Ntoma-Nsi».
Com o mesmo cerimonial era também escolhido o segundo Ntoma-Nsi.
De manhã cedinho os dois Zintoma-Zinsi antigos e os dois escolhidos, com as coisas recebidas vão ao lugar do Nksisi-Nsi, para onde deve haver já um caminho bem limpo. Só a galinha fica entregue a uma das mulheres dos novos Zintoma-Zinsi.
Os quatro abrem a LIOUA junto do Nkisi-Nsi.
Dentro, derrama-se a bagaceira e o vinho de palma. Mexe-se tudo muito bem mexido. No fundo, à mistura com a terra da LIOUA, ficava como que uma papa.
A esteira era estendida.
O Ntoma-Nsi mais antigo vai para a esteira. Vergado, desnuda a parte traseira que cada um dos novos Zintoma-Nsí terá que lamber... -e, por três vezes, fazendo de cada vez, voltando-se para o lado: pprrr... pprrr... pprrr...
O mesmo Ntoma-Nsi antigo, toma a terra da LIOUA empapada na bagaceira e no vinho de palma e, em cruz, faz sinais na fronte, braços, costas, peito e palmas das mãos de cada um dos novos.
Faz, em seguida, as suas recomendações: o Ntoma-Nsi não poderá, para o futuro, voltar a comer, juntamente com os outros, nem galinha (sobretudo), nem Nkaka-Nziba, nem Nzobo, nem NkakaLukuto, nem Lubuku, nem tripas de cabrito, nem de pacaça, nem de porco.
E, se estiver a comer outra comida diferente desta, passando-lhe um galo ou galinha pela frente, terá que a deixar imediatamente.
Terminado o cerimonial e as recomendações, voltam os quatro à aldeia onde comerão uma das galinhas preparada por uma das mulheres de um dos novos Zintoma-Zinsi.
Quando é que o particular tem de ir ao Ntoma-Nsi?
Sempre que falte àquelas leis já apontadas o que, em Cabinda, se denominam Leis de Lusunzi.
Um exemplo para se mostrar como se procede.
Se a casa está fechada e o casal (legítimo ou ilegítimo, isto é, mesmo com outra mulher que não seja a sua, desde que haja entrado já na «Casa da Tinta») se encontra a realizar o acto conjugal e alguém, nessa altura, chama pelo homem (é ordinariamente por ele que chamam, mas o mesmo seria se chamassem pela mulher) essa pessoa que chamou tem questão!
Tinha, outrora, que pagar 50 «cortados», uma galinha, uma esteira, uma garrafa de bagaceira e uma garrafa de vinho de palma.
Qual o motivo desta multa? É que ofendeu o Nkisi-Nsi no acto mais sagrado protegido por ele.
Os esposos terão que ir ao Ntoma-Nsi fazer a «confissão», narrar como, e em que circunstâncias, o caso se deu.
Lá, o Ntoma-Nsi toma dois paus, suficientemente altos, que espeta no chão e atravessa-lhes outro por cima, ligando-os.
A altura deve bastar para que uma pessoa possa passar naturalmente por baixo e a largura dar passagem a duas pessoas, aos dois esposos.
Toma, em seguida, um ramo tenro de palmeira (nsokie ba).
O «nsokie ba» é seguro ao meio do pau que foi atravessado nos dois verticais.
Imediatamente por baixo, na passagem entre os paus, o Ntorna-Nsi coloca uma esteira.
Com um pequeno fio, mas suficientemente forte, amarra uma das pernas da galinha - que os esposos devem ter levado - indo amarrar a outra ponta do fio a um dos dedos mindinhos do pé do homem ou da mulher.
Os esposos sentam-se na esteira. 0 Ntoma-Nsi está na frente, voltado para eles. Manda-lhes que contem corno o caso se deu.
Madioma ka: (como quem diz) - Paga primeiro.
Sambuiana. Tuba buna bumuene - Fala. Dize o que tens (como viste).
Os dois, ou o homem só, repetem o mesmo.
Passada a «introdução» o homem começa a contar o caso e dirá:
Se respondeu ou não ao homem que o chamou;
Se a janela ou a porta estavam abertas;
Se alguns dos paus da cama caiu, etc., etc.
É que, em qualquer destes casos mencionados, terá que se ir ao Ntoma-Nsi.
Terminada a narração do caso, o Ntoma-Nsi fará por três vezes: querrrr... querrrr... querrrr... e diz -Balía builu, bazibula munu ko - do que se come à noite (e entenda-se de que comida se trata!), não se abre a boca.
Em seguida o Ntoma-Nsi abro a LIOUA onde verte o vinho de palma, bagaceira (vinho de palma e bagaceira, não esquecer, foram dados aos esposos por quem chamou por eles). Mexe tudo com terra,
Com esta faz sinais nos dois: do nariz à testa; do meio do peito para os ombros e nos braços.
Corta ainda quatro pedaços de Nkuisi, coloca-os na língua do homem que, quatro vezes, terá que fazer para o lado como que a borrifar qualquer coisa... brrr... brrr... brrr... brrr...
À mulher faz o Ntoma-Nsi o mesmo e esta, por sua vez, procede como o homem procedeu.
Esses pedaços de Nkuisi são, depois, lançados na Lioua.
O Ntoma-Nsi e os dois tapam, em seguida, a LIOUA e dizem:
Bavangi i zímbumba, meso, mau... bu (mafuá) - Os Nvangi e Mbumba (nomes de Nkisi), os olhos deles morreram (estão fechados, está tudo pago e apagado).
Ao dizerem bu... os três fecham a LIOUA. E acabam.
O Ntoma-Nsi, com o dedo mindinho, vai levantar os dois.
Notar que todo o cerimonial passado foi com eles sentados na esteira. A LIOUA está ali mesmo em frente.
O Ntoma-Nsi pegando, um de cada vez, pelo dedo mindinho (portanto, dedo mindinho de cada um dos consulentes) diz:
Nganga vana lusemu = O nganga dá a bênção.
E eles respondem:
Zala = dedo (através do dedo).
Bom é notar que em algumas terras o Ntoma-Nsi é do sexo feminino.
Na verdade, nada encontramos ou ouvimos dizer sobre este ponto, isto é, se pode ou não ser, indiferentemente, do sexo feminino ou masculino. 0 facto é que se encontram Zintoma-Zinsi de um e outro sexo.
Por curiosidade, vamos dar os nomes de alguns Bakisi-Basi, onde tinham o seu habitat e a que aldeia pertenciam.
VUÁ-LUSANGA
Na aldeia do Kakata. Este Nkisi-Nsi «vivia» numa árvore de nome Nunga-Nsende que se encontrava num pequeno bosque, mesmo junto à casa do soba Estanislau Kimpolo.
Havia um outro Nkisi-Nsi de nome KIUNGU-MPATI.
Este tinha o seu habitat em duas mateveiras, tão juntinhas, diziam, «que até pareciam homem e mulher.»
KIVUMA
Era o Nkisi-Nsi do Lusiese. Seu habitat: numa pedra que se encontrava no bosque vizinho. E, convencidos, afirmam tratar-se «de um pedaço de uma estreia, caída em dia de trovoada.»
TULA-KITUNZI
Encontrava-se num embondeiro junto à lagoa deste nome. Era lagoa, em tempos, muito abundante de peixe.
O embondeiro estava pintado a vermelho, branco e amarelo.
NKULU
Um pequeno riacho de nome NKULU MUANA NTELA=Nkulu, filho de Ntela.
Antigamente, dizem, na lagoa que ali perto existia, as canoas não se aquentavam. Canoa que lá se colocasse aparecia no dia seguinte rachada em duas!
MBUKU
Nkisi-Nsi da aldeia do Kinguinguili. Residia numa mafumeira que se encontrava no meio de um pequeno bosque. Estava ela pintada, até à altura de um homem, a vermelho e branco.
As mulheres estavam proibidas de se aproximarem. Eram os homens quem limpava o recinto.
NHOKO-NDOMBE
O Nkisi-Nsi do Banda-Sanvi
Tinha assento numa árvore de nome MBULU (dizem que semelhante à da fruta-pão) no meio de um pequeno bosque.
No dia da limpeza e «benção» cantavam:
Kunhema bantu, kunhema nsí ko - Nsi a bantu.
Gabar-se de ter gente, não se gabar da terra - A terra tem gente.
KIKALA-NGUNGO
Encontrava-se num pequeno bosque o numa árvore NSANHA que lá existia.
Porque se chama Kikala-Ngungo?
Uma mulher, certo dia, foi ao seu campo colher ngungo, uma espécie de Uando (Guando) - Cajanus flavus. Apanhou muito ngungo.
Ao passar junto ao tal bosque onde se encontrava o Nkisi-Nsi ouviu alguém a perguntar-lhe se tinha feito boa recolha.
- Que não, que nada apanhara, disse.
Mas logo, do bosque, lhe voltam a perguntar:
- Que levas, então, aí? Era, dizem, o Nkisi-Nsi que falava.
A mulher havia mentido. Para castigo lá ficou pregada ao solo com o «mutete» de ngungo à cabeça.
Daí o chamar-se «KIKALA-NGUNGO» =Onde está o Ngungo.
E continua a lenda: «Hoje ainda lá está coberta de terra como cimento». Nada mais é do que um grande morro de salalé que, devido à sua forma, faz lembrar uma mulher com um «mutete» à cabeça.
NGULUNGU-MBUSI
Na aldeia do UANGULO.
Este Nkisi-Nsi encontrava-se no meio do povo, debaixo de um pequeno coberto «muanza».
O que fazia parte do «feitiço» estava encerrado dentro de dois grandes cestos, de dois Ntende-Ngoio.
Ntende = Cesto.
Ngoio = de Ngoio, por ser feito em Cabinda.
Dentro dos cestos havia: ossos de ngulungu, de pacaça e de porco do mato, giz, cal e paus MpalaBanda e de Kindombe.
Os paus tinham que ser tortos, bifurcados ou curvos, e limpos da casca.
Quando faltava a caça ou o pescado nos rios e, sobretudo, nas lagoas, passando bastante tempo sem se conseguir caça e pesca, o dono da terra (Nfumu-Nsi) mandava capinar o local para atrair a bênção do Nkisi-Nsi.
As mulheres, nessa altura, ao mesmo tempo que capinavam, cantavam:
É ... i... à, Ngulungu-Mbusi
 Aié... bálale...
  Ngulungu-Mbusi
  Aié... bálálé...
(Ngulungu-Mbusi... abre-te para nos dares todas as coisas...)

O leitor deve notar que este Nkisi-Nsi do Uangulu, aldeia a uns cinco quilómetros da Missão do LukulaZenze, está fora de todas as regras e princípios e leis ligadas ao Nkisi-Nsi. Vimos já que este não tem representação em estátua, ídolo ou qualquer objecto preparado por mão de homem.
Contudo, por pessoa desta aldeia, já velha e conhecedora das coisas - mesmo depois de lhe fazer as minhas observações a esse respeito - me foi narrado o que aí fica.
É a única excepção que encontrei. Serve para confirmar a regra?
Ou por ter sido povo Basundi que veio para terras de Kakongo teria representado - uma vez que vinham habitar uma terra que não era deles - dessa forma o seu Nkisi-Nsi? É bem possível, mas não deixa de ser excepção.
Todos os anos, uma ou duas vezes por ano, em épocas mais ou menos certas, os locais do Nkisi-Nsi eram limpos e capinados muito bem e o caminho que a eles conduzia.
Geralmente toda a gente, homens e mulheres, tinha de comparecer no dia marcado para isso.
A frente ia o Ntoma-Nsi e só ele se podia aproximar do Nkisi-Nsi. O povo conservava-se a certa distância, mas ninguém podia faltar.
Nesses dias os caçadores deviam levar as espingardas se quisessem, de futuro, ter caça. A estes, e a outros que levassem instrumentos de trabalho para serem «abençoados», o Ntoma-Nsi levava-os até junto do Nkisi-Nsi. Aí cavava, em forma de cruz, a LIOUA que, em outros lugares, se resumia numa simples cova) dentro da qual derramava vinho de palma e aguardente.
Com a terra amassada nesse vinho e aguardente untava as cronhas e canos de cada espingarda, bem como cada instrumento de trabalho que fosse apresentado (redes, enxadas, catanas, machados, etc.)
Todos esses instrumentos e utensílios tinham sido, previamente, colocados junto do Nkisi-Nsi
O Ntoma-Nsi entregava, depois, pessoalmente e a cada um dos donos a respectiva espingarda, rede, enxada, etc. Por vezes, certos Zintoma-Zínsi entregavam esses utensílios embrulhados em folhas de bananeira. Mas também ao receberem as espingardas, sobretudo, para serem «benzidas», outros Zintoma-Zinzi exigiam certo cerimonial: cada um dos donos tinha de passar três vezes as mãos pela cara e três vezes bater palmas. Só depois entregava a arma.
Em toda a festa anual do Nkisi-Nsi era obrigatório:
a) - Capinação do caminho que conduz ao Nkisi-Nsi e limpeza do seu «santuário»;
b) - Abertura da LIOUA - em cruz ou uma simples cova;
c) - Derramamento de vinho de palma e de bagaceira na LIOUA
d) - «Benção» dos instrumentos e utensílios de trabalho com a terra da LIOUA empapada com vinho e aguardente;
e) - Acompanhar o cerimonial com cantos e danças.
Porém, nem sempre se esperava pela festa anual.
A falta de pescado, de caça, de chuvas, etc. podia provocar uma reunião geral.
Até um particular, por interesse pessoal - para ser mais bem sucedido na pesca, na caça, para que o seu casamento fosse fecundo, etc., etc. - podia pedir uma reunião e «benção» do Nkisi-Nsi.
E essa ida ao Nkisi-Nsi, com o Ntoma-Nsi, tanto a podia tornar pública como ficar só do conhecimento dele e do Ntoma-Nsi.
Para isto o Ntoma-Nsi estava sempre muito bem disposto!
É que lhe corria bem a vida com as dádivas e emolumentos que auferia.
Ele próprio, por vezes, passando pelas aldeias, provocava essas cerimónias explorando a crença das gentes.
NKISI-MBINGO e NKOBE-MBINGO
O NKISI-MBINBO é como que uma «instituição» que une entre si os sanguíneos por via matrilinear. Portanto, quando se diz que uma pessoa é do mesmo MBINGO quer dizer-se que está unida pelo mesmo sangue, do lado materno.
A. J. Fernandes prefere afirmar que o MBINGO, longe de ser um «feitiço», como tantos julgam, é antes um «preceito» destinado a distinguir as pessoas consanguíneas e a congregar estas em grupos familiares.
É por isso que, como já se disse, quando se afirma que tal pessoa é do mesmo MBINGO que outra, deve compreender-se que ambos são do mesmo sangue, do lado materno, «que é este o único lado que faz a comunidade do «Mbingo».
Há, porém, casos particulares em que, nesta ou naquela família, podem existir pessoas a fazer parte do mesmo MBINGO sem que tenham o mesmo sangue. Esses casos, mui raros hoje, davam-se em outros tempos sobretudo com os escravos ou escravas. Os escravos ou escravas ao entrarem para o serviço de um senhor passavam para o MBINGO desse senhor. Como cerimonial de entrada era-lhes rapado o cabelo.
Também pessoas que, voluntária - e definitivamente, por determinadas circunstâncias, se entregassem a certa família, passavam a ser filhos dessa família, e, depois das cerimónias do Mbingo, integravam-se na mesma comunidade desse Mbingo.
Em cada família havia um Nganga-Mbingo (ou Nganga-Mbumba) a quem estava confiado o cuidado de celebrar as cerimónias do Mbingo e de vigiar pelo cumprimento dos preceitos estabelecidos.
As famílias modestas ou os pequenos agrupamentos familiares, que não pudessem suportar com os encargos de uni Nganga-Mbingo privativo, recorriam às que o tinham. Era ao cuidado desse Nganga que confiavam a guarda do NKOBE-MBINGO, o cesto com as «coisas» do Nkisi-Mbingo.
No NKOBE-IVIBINGO pode encontrar-se: Mpezo (giz, cal) Ngunzi (argila vermelha), o bichito Kintébelé, fruto de Nkungulo, folha da planta Mabata-bata, polpa de dendém (Nkanvi-uliá-mbembe).
Cada um dos Nganga-Mbingo (ou Nganga-Mbumba, ouve-se, indiferentemente, estes nomes), por razões do cargo, tinha em sua casa uma dependência especial onde eram guardados todos os Zinkobe-Zimbingo que lhe eram confiados.
As cerimónias do Mbingo faziam-se de tempos a tempos em cada família ou famílias reunidas. Eram como que purificações do indivíduo ou família para que sempre houvesse saúde, sobretudo em ordem à procriação.
Em que consistia essa cerimonial?
O escravo ou a pessoa que se oferece à família de um determinado Mbingo ou, periodicamente, as pessoas de um mesmo Mbingo, tinham que passar dois dias e duas noites em cabana para isso construída, feita e coberta de palhas e cercada com ramos de palmeira. Uma cabana para cada sexo. A cabana era colocada junto da casa do candidato, quando se tratava de um só. Quando eram muitos, construía-se perto da casa do mais digno.
Durante as duas noites lá ia o Nganga-Mbingo praticar os ritos do Mbingo. Cada um dos candidatos teria que ter a cabeça rapada e pintava-se com tukula. Havia cantos e danças.
Toca-se o tambor Ngoma e o tímbalo Ngongie.
No segundo dia, o Nganga-Mbingo coloca no Nkobe-Mbingo aquilo que acham constituir o nkisi: o giz, cal, argila vermelha, etc., e que é, dizem, a salvaguarda das famílias.
Na madrugada da segunda noite, os que estiveram na cerimónia da «purificação» vão tomar banho ao rio ou lagoa mais próxima da aldeia. Deixam lá os resíduos (cascas, pedúnculos) do que lhes serviu de alimentação, bem como os restos de tukula com que se pintaram durante esses dias.
No fim há o «despachar» do Nganga-Mbingo. Comeu e bebeu muito bem à custa dos «purificados» e de suas famílias. Será ainda gratificado em dinheiro e dar-lhe-ão o que pedir.
A cabana onde se fez a cerimónia chama-se Buala-Limbingo.
A cerimónia designasse por Kualama-Mbingo.
Como apareceu este rito e instituição de Mbingo?
O A. J. Fernandes diz que, segundo a tradição, em tempos muito afastados, se notou tal confusão e mistura entre os indivíduos que se tornava praticamente impossível distinguir as suas origens e determinar o grau de parentesco entre as pessoas.
O sistema proclama que toda a pessoa deve procurar a sua verdadeira origem unicamente através de sua mãe e aos ligados ao mesmo sangue de sua mãe. Nunca pelo lado do pai.
Para se seguir este sistema criou-se o rito do Mbingo. Por ele todos sabem a que família pertencem. Não faltam, pois, leis que são impostas em ordem ao casamento, que nunca poderá ser feito - seja em que grau for - entre os que fazem parte de um mesmo Mbingo.
Daqui se infere e se compreende a relutância que as mulheres Cabindas, mesmo as mulheres de vida fácil mas da mesma família, têm de manter relações sexuais com o mesmo homem v. g. a filha ter relações com o homem que as teve com sua mãe; a cunhada ter relações com o marido de sua irmã, etc.
Pode bem notar-se que este Nkisi-Mbingo tem muita coisa de comum com as leis de Lusunzi e imposições do Nkisi-Nsi.
É por isso que quando uma rapariga fica grávida, antes de entrar na «Casa da Tinta», toda a família se junta para a levar a fazer essa cerimónia e a do Mbingo ou Luamba. Esta falta se apelida de muana kunsatika, filha que faltou às leis de Mbingo (e de Lusunzi).
O rapaz cúmplice tinha de pagar uma multa pesadíssima: uns 200 cortados de fazenda, um casal de porcos, bagaceira, um grande cobertor, etc. sem se falar na dança Mbumba-Mbitika.
Em noção já deturpada deste «nkisi», apresenta-se o Mbingo como «feitiço» que cura a sarna e outras doenças.
Na cura da sarna usam um bracelete (amuleto) feito de fibra de embondeiro no braço do doente. É o chamado Nlunga-Mbingo.
Só pessoas deste ou daquele Mbingo podem usar o Nlunga-Mbingo em cobre. O portador deste NlungaMbingo não podia comer galinha nem peixe bagre junto de outras pessoas.
DOIS CASOS DE TRATAMENTO PELOS CURANDEIROS
a - Da doença dos rins Nkisi-Buiti
O doente vai ter com o nganga e leva já alguns grãos de noz de cola, prevendo que ele os não tenha.
O tratamento deverá ser feito pelas três da manhã.
Coloca-se o paciente na frente da porta do nganga e de face para dentro. A porta deve estar aberta. O nganga posta-se por trás do doente, portanto do lado de fora. O doente deve estar de braços abertos e apoiar-se à couceira e batente da porta, corno quem os segura. Entre os dois, nganga e paciente, aquele abre a Lioua. Nela deita cinza que é molhada com água.
Com uma das pontas do binduku-pau que serve para fechar, por fora, as portas molhada na cinza, o nganga faz três cruzes sobre as espáduas, entre elas e sobre os rins.
Em seguida, o nganga começa a mastigar noz de cola, ao mesmo tempo que, batendo com o pau no chão, diz quase gritando:
- Telamena mankaka, telamena minu ikuenda iaku.
Espera mankaka, espera que eu vou ter contigo (Mankaka - espécie de polícia).
- Inhondo mu malu, matá mivuatu, ntete saiu, ntete nkunga.
Feridas nos pés, cães das espingardas, mutete (cesto) de sal, mutete de nkunga
(os paus de tukula).
Depois vai borrifando com a noz de cola mastigada os lugares em que fez as cruzes com o bínduku. E isto, por três vezes: quer as palavras, quer as borrifadelas.
Em seguida, tomando o bínduku fá-lo passar, com certa pressão, segurando-o pelas pontas com uma e outra mão, ao longo das costas do paciente e desde o alto das espáduas até ao fundo das costas.
Isto também se faz por três vezes. O doente nesta altura, de verdade ou fingidamente, queixa-se.
Volta-se, então, novamente para o nganga para receber a benção, que igualmente lhe é dada por três vezes.
Dá-se-lhe um conselho: que porta fechada por outrem a não abra ele (ou ela) ... Para que lhe seja aberta deverá bater por três vezes com o dedo indicador na porta que pretende seja aberta, mesmo que seja a da sua própria casa, uma vez que não tenha sido ele a fechá-la.
Se assim não fizer... a doença voltará!
O doente deve pagar ao nganga o que ele estabelecer (bagaceira, vinho, galinhas, dinheiro, etc.). Caso o doente não pague - o que é raro - não deixa ele, doente, de ficar curado. Mas adoecerá o nganga com dores de rins!
Será este um dos casos em que se volta o feitiço contra o feiticeiro?
Este pagamento aos ngangas chamava-se o Nkuta. E podemos bem ligar este termo ao de LikutaMakuta, que se refere aos panos makuta e, depois, às makutas (macutas -)
-moedas.
Mas desgraçado do doente que não pagou ao nganga e este veio a adoecer por qualquer causa. O nganga terá sempre forma de obrigar a pagar o que ficou em débito e mais a cura de sua própria doença...
b - Da doença de ouvidos.
Só uma mulher que teve parto de gémeos pode fazer o tratamento e ser o nganga, Nganga-Matu =curandeiro dos ouvidos.
O doente encosta-se ao suporte exterior da casa, o que aquenta com a extremidade, uma das extremidades, do pau de fileira.
Com uma cánula de capim, já de certa espessura, encostando-a à entrada do ouvido, sopra dentro a nganga.
Depois pergunta:
- Uíúa? -Tu ouves?
- lúa. - Ouço.
Pergunta e resposta feita por três vezes.
Vem nova pergunta feita, igualmente, por três vezes:
- Uibuela? - Voltas outra vez?
- I si buela ko - Não volto.
E faz-lhe a última pergunta, uma só vez:
- llumbu mbiki uibeluka? - Em que dia ficaste curado?
- Bubu. - Hoje mesmo.
A nganga, então, coloca cinza no chão que, em seguida, molha com água. Com o dedo médio da mão direita esfrega dessa cinza nas fontes, testa, peito e costas do doente.
No fim dá abenção (tocando a mão direita no pé esquerdo e a esquerda no pé direito; a mão direita no sovaco esquerdo e a esquerda no sovaco direito, estendendo as mãos como quem atira alguma coisa a alguém que está na sua frente e soprando. Upu!... ).
Com vassoura indígena (ordinariamente feita com as finas nervuras das folhas dos ramos de palmeira) espalha a cinza que havia ficado no chão. Deve espalhá-la muito bem. Se alguém pisasse essa cinza, estando ainda junta e em montitos, ficaria doente dos ouvidos!...
SUPERSTIÇõES
Tiram, às vezes, um fio ou fios da roupa do pai, que amarram ao pescoço ou braços do filho, para que este, quando o pai está ausente, «Sinta o cheiro do pai» e... não chore!
Ao banhar o filho a mãe molha-lhe, no começo do banho, propositadamente os pés, deitando-lhe água duas ou três vezes, para que a siga sempre.
Ferram o órgão viril dos pequenos, levemente, também antes do banho. É para que não fiquem impotentes!
Não podem gastar a lenha que fica dos banhos da parturiente.
Se o fizerem, antes que os pequenos comecem a dar os primeiros passos, os filhos dificilmente caminharão ou se lhes atrasará o caminhar.
Não pode ser usada nem tirada a água dos banhos da parturiente. Terá que filtrar-se por si mesma pela terra abaixo na cova em que tomam o banho ou noutra para esse fim. É para impedir que façam mal à mãe.
As mulheres rapam o cabelo da cabeça logo depois do parto (assim era geral, em tempos). Se o não fizessem criam que o cabelo lhes cairia ou teriam doenças.
O homem não pode tomar banho junto do lugar onde a mulher o toma depois do parto. Adoeceria se o fizesse!
Os homens não devem sentar-se em cima de morros de salalé (das térmites). Viriam a sofrer de hérnia.
O homem não pode passar por cima (calcando ou saltando) da casca fina - «camisa» - do amendoim. Se o fizer ficará impotente!
O mesmo acontecerá - a impotência - se passar por cima dos pedúnculos das folhas de mandioca ou se comer do fruto do embondeiro. Por isso, que não por gosto de uma limpeza imediata, as mulheres recolhem com cuidado e prontidão esses pedúnculos das folhas de mandioca.
Se as mulheres comerem do fruto do embondeiro, ficar-lhes-ão muito crescidos os seios.
Quando uma mulher vai a uma feitoria ou a outra parte qualquer para vender as suas coisas, se a primeira pessoa que encontrar, ao sair de casa, for do mesmo sexo, melhor será voltar novamente para casa. Não fará bom negócio. Mas se o encontro for de um homem a sorte será certa!
Quem anda com vómitos, para que passem, usa a flor de palmeira ao peito.
Quem encontrar o pássaro Nsungi (pl. Zinsungi) no caminho e se, depois de o espantar, ele ainda continua saltando à frente, deve voltar para casa, Doutra sorte encontrará quem lhe faça mal.
Ao passar pela primeira vez em certos rios, v. g. no Nkumbi, o viandante tem de deitar dinheiro à água ou um pedaço da própria roupa. Se o não fizer, nunca conseguirá ter sorte ao pescar nesses rios.
O uso de um bocado de pele de leopardo ao pescoço é para evitar que se contraia a varíola. Ligada a superstição às pintas do leopardo.
Terra das pegadas ou do lugar onde um inimigo esteve sentado pode ser levada ao nganga, Persuadem-se que o nganga, servindo-se dessa terra, pode fazer com que a pessoa inimiga venha a morrer.
Se a mulher é infiel ao marido e se cozinha para ele, este terá que adoecer. Adoecendo, a mulher não poderá deixar de confessar a falta. Se o não fizer o marido não mais i curará...
Não se deve passar por cima das folhas que se encontram espalhadas pelos caminhos.
Dizem que produzem doenças! São folhas espalhadas por gente má que quer - fazer mal aos outros, Nem passar por cima e, muito menos, pisá-las.
A mulher que mente ao marido não deve dar-lhe de comer senão depois do sol posta.  A mentira refere-se a questões de infidelidade.
Nestes casos, mentindo, arrisca-se a morrer.
Outrora coziam ou ferviam ossos de chimpanzé na água que servia para o banha das crianças recém nascidas. Era para que começassem a caminhar depressa e a terem força.
A mulher, quando está grávida, não pode comer linguado. Como o linguado tem a boca torta... teme que o filho venha também a nascer de boca defeituosa!
Também no estado de gravidez a mulher não deve olhar para o chimpanzé. É para que o filho lhe não nasça com orelhas e nariz como o dele!...
Os Cabindas (mesmo da cidade de Cabinda) não comem o peixe Lisiba (pl. Masiba). Como esse peixe tem umas pintas esbranquiçadas por todo o corpo, evitam comê-lo para não ficarem como ele... às pintinhas!
Sempre que nasce um filho, o pai tem que dar comida e bebida à família da mulher para que não faça «feitiço» que venha a matar a criança.
Não comem o pássaro Likuanga preto ou qualquer desta cor. Daria azar!
Afugentam os gatos quando andam no cio. São de mau agoiro.
Não os afugentando haverá mortes, não nascerão vivos os filhos, etc., etc.
Quando matam um cabrito só o podem cozinhar em panela de barro.
Em caso de luto rapavam a cabeça. E isto quando morriam os pais, irmãos, filhos, primos direitos, esposos. E quando cortam o cabelo guardam-no em casa, debaixo da cama ou em algum buraco, etc., para que os outros o não tomem para feitiço contra eles mesmos.
Nunca o queimam. Dizem que ficariam malucos se o fizessem.
Se um cão macho saltar por cima das pernas de uma mulher casada ela, nestes casos, deverá confessar o facto ao marido.
A mulher casada não pode saltar um mutete. O mutete com que vai buscar a mandioca ou em que leva as mbasa da água que servirá ao marido. Seria causa de desgraça para ele.
Alguns estão proibidos de comer veado (antílope ngulungu) ou porco do mato ou qualquer outro animal. A isto chamam Kizila.
E esta Kizila tanto pode ser imposta ao indivíduo quando um dia, doente, foi ao curandeiro e ele lhe proibiu comer disto ou daquilo, ou kizila imposta a todo o clã e que já vem de longa data, dos antepassados.
Poucos comem a perdiz e a galinha do inato. Como estas aves têm as penas sarapintadas de branco, o corpo também lhes ficaria com manchas semelhantes, que acabariam por se transformar em lepra.
De noite não se pode descascar - amendoim, nem fora nem dentro da casa do curandeiro Mbumba. Nem trazer lenha amarrada com a liana nfukází. A mulher que anda nos seus dias também não pode entrar na casa onde se encontra o nkisi Mbumba, nem sentar-se na cama do curandeiro. A mesma rigorosa proibição é imposta à mulher que usou nesse dia o seu direito de casada.
As mulheres que vão à pesca fazem bem em tomar as folhas de Libumbulu (Mamordica balsamina), pisá-las nas mãos e colocá-las atrás das orelhas. Terão sorte na pesca. Por outro lado - se, passando pelo caminho, deitarem destas folhas ao chão, outras que sigam à pesca por ali certamente que apanharão

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