Luiz L. Marins
Atualização em
Abril de 2018
Aos
estudiosos mais atentos, uma explicação técnica sobre o uso da palavra ìtàn (história)
no corpo de um léselése (poema) se faz
necessária, esclarecendo o conceito das palavras ìtàn (história) e ese
(verso), e o seu uso.
Algumas
palavras da língua ioruba, em virtude das convenções gráficas adotadas depois
da colonização europeia, vêm recebendo importantes modificações conceituais e
criando alguns embaraços linguísticos. Uma destas palavras é a palavra ìtàn (história).
Em língua
portuguesa, uma história geralmente é contada em prosa[1],
mas pode ser em verso[2], como no
caso de “Os Lusíadas”, de Camões, sem deixar de ser, ou ter, o conceito de
história. Portanto, história, para os falantes da língua portuguesa, pode ser
em prosa ou verso.
Mas, em
ioruba, isto não ocorre, pois, a palavra ioruba para história é ìtàn, enquanto que a palavra para verso,
é ese. Como o idioma
ioruba era originalmente ágrafo. Supomos que, talvez seja este o motivo pelo
qual os dicionários de ioruba não registraram uma palavra nesse idioma que
carregue os dois conceitos, tal qual ocorre com a palavra “história”, na língua
portuguesa.
Na
diáspora afro-brasileira a palavra ese
não é usual, ficando restrita ao meio intelectual. A palavra ìtàn, ao contrário, é muito conhecida,
mas adquiriu o conceito utilizado em português para palavra “história”.
Assim,
arriscamos a afirmar na área da linguística que a palavra ioruba ìtàn está aculturada, mesmo em terras
iorubas. A seguir, vamos dar alguns exemplos disso:
Pierre
Verger apud Julio Braga, “O jogo de Búzios”, 1988, p. 27 na transcrição
abaixo relata um encontro mensal dos babalaôs. Repare que Verger usa a palavra
“história” quando está referindo-se aos versos de Ifá, percebendo-se claramente
embutido o conceito europeu sobre a
palavra “verso” (ese):
“[...] escuta-los repetir docilmente, verso por verso, uma nova história. É assim que os babalaôs
presentes transmitem uns aos outros a sua ciência.”
Wande
Abimbolá em Ifá, A Exposition of Ifá
Literaty Corpus, 1976, p. 43, referindo-se aos ese Ifá, da mesma forma, utiliza o conceito inglês da
palavra story, assim conceituando:
“[...] Ese
Ifá pode ser uma simples história sobre [...]
Juana
Elbein em “Os Nagô e Morte”, 1993, apresenta dois interessantes registros
etnográficos da tradição oral por ela recolhida em pesquisa de campo na
Nigéria, os quais trazem, em língua nativa, o uso da palavra ìtàn (história) em dois extensos ese (poemas) do odù òsétùrá[3] de Èsù, utilizando esta
palavra de forma aculturada, mesmo em língua ioruba:
“Èyè
ni ìtàn Òsetùá odù Ifá. Ìtàn Èsù ni ònà ti Èsù ti Èsù
gbà tí n fi'n gbé ebo lo sí esè Olódùmarè
[...] (p. 139)
“Esta
é a história de Òsetùwá tal
qual é revelado pelo Odù Ifá. Diz a
história como Èsù chegou a
transportar todas as oferendas aos pés de Olódùmarè
[...] (149)
Itàan Èsù! Níbi tí Èsù gbé gba àgbà [...] (p. 171)
A história de Èsù, do modo como Èsù tomou a primazia [...]
Pelo exposto, do ponto de
vista técnico, é correto o uso da palavraa ìtàn
com o significado de história para um ese
(poema) ioruba, devido à aculturação linguística. Tal forma procura atender aos
conceitos da diáspora, dos falantes de língua portuguesa, mantendo, porém,
tanto quando possível, a forma do poema ioruba tradicional na sua construção
poética. Tecnicamente o classificamos como “um poema de versos livres”.
[1] A
maneira natural de falar ou de escrever, sem forma retórica ou métrica, por
oposição ao verso. (Aurélio, 1995, p. 533)
[3] Signo
divinatório de Ifá.
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