terça-feira, 25 de junho de 2024

𝐏𝐎𝐑 𝐐𝐔𝐄 𝐁𝐀𝐓𝐔𝐐𝐔𝐄𝐈𝐑𝐎𝐒 𝐍Ã𝐎 𝐂𝐎𝐌𝐄𝐌 𝐀𝐑𝐑𝐎𝐙 𝐂𝐎𝐌 𝐆𝐀𝐋𝐈𝐍𝐇𝐀?

Nesta postagem publicada no perfil do professor Hendrix, nos fornece exemplos sobre costumes antigos e costumes novos, que envolvem tabus gastronômicos. Vejamos:



"𝐏𝐎𝐑 𝐐𝐔𝐄 𝐁𝐀𝐓𝐔𝐐𝐔𝐄𝐈𝐑𝐎𝐒 𝐍Ã𝐎 𝐂𝐎𝐌𝐄𝐌 𝐀𝐑𝐑𝐎𝐙 𝐂𝐎𝐌 𝐆𝐀𝐋𝐈𝐍𝐇𝐀?
Por 𝐏𝐫𝐨𝐟. 𝐃𝐫. 𝐁à𝐛á 𝐇𝐞𝐧𝐝𝐫𝐢𝐱 𝐒𝐢𝐥𝐯𝐞𝐢𝐫𝐚 
Postado em 21/06/2024

Uma das coisas menos entendidas no Batuque são os Èèwọ̀, as interdições, “uma forma de manter o equilíbrio entre o mundo material e o mundo espiritual, por meio de determinadas regras de conduta”. (BENISTE) Neste sentido, existem muitas interdições que precisam ser respeitadas pelos iniciados. Temos interdições quanto a certas práticas, interdições de certos horários e interdições alimentares.

A restrição mais importante é a do arroz com galinha ou galinhada. É por pertencer ao culto aos antepassados que este prato feito com arroz cozido na panela com a galinha com osso não pode ser consumido fora dos rituais. Este culto é muito fechado e tudo o que pode ser feito nele não se pode reproduzir fora dele, pois estaríamos invocando forças relacionadas à morte. Embora o culto aos ancestrais seja de regozijo, de celebração em memória aos que partiram antes de nós, o Batuque separa fortemente a relação que temos com nossos mortos da que temos com nossas divindades, por isso a proibição do consumo da galinhada se dá em nosso cotidiano.

Algumas pessoas que não entendem o propósito espiritual do Èèwọ̀, acabam defendendo heresias, mas o fato é simples: não importa se a galinha foi comprada no açougue, se deu em árvore, ou se foi materializado pelo sintetizador da Enterprise... arroz com galinha é comida de Égún, por isso
𝐬ó 𝐩𝐨𝐝𝐞𝐦𝐨𝐬 𝐜𝐨𝐦𝐞𝐫 𝐧𝐨𝐬 𝐫𝐢𝐭𝐮𝐚𝐢𝐬 𝐚𝐨𝐬 𝐦𝐞𝐬𝐦𝐨𝐬.

Por favor, não inventem desculpas para burlar regras tão claras como a água.

Àṣẹ o

𝐏𝐫𝐨𝐟. 𝐃𝐫. 𝐁à𝐛á 𝐇𝐞𝐧𝐝𝐫𝐢𝐱 𝐒𝐢𝐥𝐯𝐞𝐢𝐫𝐚
Bàbálórìṣà da Comunidade Tradicional de Terreiro Ilé Àṣẹ Òrìṣà Wúre. Professor, Afroteólogo, escritor, conferencista, palestrante e comunicador.


Comentários 


A questão é esta: arroz com galinha, no batuque, é comida de eguns. Conheci batuqueiros ortodoxos que não comiam risoto por conta disto. Na visão de mundo batuqueira, eguns e orixás ocupam espaços opostos no Cosmos. Tal oposição se observa principalmente no aressum, onde o ritual é extrema e infinitamente detalhado em oposições ao dos orixás. É o caso de a roda ser de sapatos e ora andar no sentido do relógio ora contra. Este sentido de vai e vem, para mim, representa a figura do egum, que é expulso do templo no próprio ritual para eles, mas volta tempos depois, ciclicamente. A quantidade de detalhes em oposição ao ritual dos orixás são marcos simbólicos que servem para delimitar as fronteiras entre tais entidades. No caso das festas para orixás, por exemplo, se o tamboreiro está tocando para um orixá e depois volta ao anterior a ele, na sequência, o que consiste num vai e vem, a reação dos sacerdotes pode ser violenta, pois está sendo aberta uma brecha na fronteira que permite que os eguns invadam o mundo dos orixás, produzindo um caos. Lembrar que o vai e vem também acontece nos despachos do aressum, erus ou caixões de defunto, fazendo um passo para trás e dois para a frente até sair do templo. O arroz com galinha é um destes marcos, daí sua proibição. Por estas e outras é que, como antropólogo, sou fascinadíssimo pelo batuque.

 

Oi, Professor Hêndrix. Tenho de agradecer a ti, também, pelas informações que passas. Sou um estudioso que vê as coisas "de fora", como se diz em Antropologia, porque não tenho a vivência de um filiado à religião, e tu, com teus estudos de Teologia e formação acadêmica tens os dois lados, a visão que te foi dada por tal formação e a vivência. Por isto tens posições muito interessantes e abalizadas sobre o assunto. E por isto - data venia - costumo pegar carona no que dizes, procurando incrementar o assunto. Para quem não sabe. Teologia vem do grego, Theós (que virou "deus" e Logos, que quer dizer estudos, conhecimento. Conheço vários sacerdotes doutores, mas nunca vi ninguém se focar numa teologia dos orixás, como tu, que é um grande aporte para um maior conhecimento da religião. É por isto que te agradeço.


Imagens comprobatórias


 



Link https://www.facebook.com/photo?fbid=7632897500097096&set=a.230166863703567

sexta-feira, 21 de junho de 2024

DEPOIMENTOS DE INICIADOS SOBRE IFA NO BRASIL

ILÊ AXÉ NAGÔ KÓBI

21/06/2024


Reunimos neste post alguns depoimentos importantes e comoventes sobre Ifa no Brasil que nos fazem refletir qual será o futuro do culto de Orunmila enquanto diáspora.

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QUASE TODOS NÓS E IFÁ

Babalawo Ifalolu Akano Olusoji Oyekale

Facebook, 21/11/2022

O sonho de quase todos iniciados em Ifá, quando saem do seu Itelodú, fazer magias, ter clientes e achamos que ao fazer a iniciação todo o conhecimento de Ifá vai despertar no seu Orí e tudo será baixado em sua mente, como se fosse um download de informações.

Mas a verdade é bem diferente disso ...

Antes de fazer a iniciação, tudo parece perfeito, o babalawo te não te ensina por que ainda não é um iniciado, depois da iniciação ele não te ensina por que ainda é um omó ifá e ele já não tem mais tempo para você! Você pergunta e ele não te responde, ele fala inglês e você só sabe o trivial, ele fala Yoruba e você não sabe nada.

Antes era um cliente, clientes são bem tratados e depois, agora da família, se quiser aprender alguma coisa tem que pescar aqui e acolá, se pergunta para outro babalawo ele diz: ah, na minha família não se faz assim, se faz assado! E não te ensina.

Saída?

Comprar apostilas e livros, que te ensinam tudo: em yoruba, as pronúncias não são iguais as em português. De nada adiantou seu gasto com livros que ensinam Olugbohun, Osole, Iferan, Akose e outros.

Se não sabe como pronunciar os encantamentos, e as ewe (ervas) então? As mais poderosas não se têm por aqui. Quase tudo vai okete e ogemo, que só tem na Africa.

Bem, no Brasil estamos formando muitos filhos (awo) sem pai (baba). Aqui trocar de familia é como trocar de roupas, pois o pobre do iniciado tenta encontrar um babalawo que o ensine de verdade.

Ifá no Brasil infelizmente se tornou uma caixa forte, onde todos que seguem esta linha querem enriquecer fazendo magias mágicas, pois vende se a imagem de que Ifá resolve tudo e dá riqueza para todos, e esta mais uma vez não é a verdade. Por magias mágicas eu entendo que são magias que são vendidas como milagrosas, com se tudo elas resolvessem! Não se ensina o beabá de nada, Por que?

Na Nigeria, berço do ifaísmo, desde cedo o aprendiz mora na casa do babalawo e assim vai aprendendo aos poucos e ao longo dos anos ele se torna apto a realizar todas as magias do panteão.

Mas e aqui? Como somos, na maioria adultos e a iniciação é feita tardiamente, em relação a iorubalandia, nosso tempo para aprender é pequeno, pois temos outras atividades para realizar.

Pagamos a iniciação na esperança de que aprenderemos com nosso Oluwo, tudo que precisarmos, mas a cultura é diferente, pois como não devolvemos nada mais a nosso baba, temos que pagar por cada formula que precisamos, cada magia para aprender tem um preço e muitas das vezes esse preço seca o suor do neófito.

A coisa mais difícil de se fazer é o ebó rirú, e ele é a arma mais potente dentro do universo de magia de Ifá.


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O CULTO DE IFA NO BRASIL CHEIRA A IMUNDÍCIE


Oluwo Adelonan Isola


Facebook, 05/02/2015


O culto de Ifá no Brasil salvo alguns poucos babalawos me cheira a imundície, a corrupção e a perversidade. Nada tem de divino e muito menos de sagrado. Isso porque muitos que se denominam babalawo viram em Ifa uma forma de ganhar dinheiro.

As histórias que chegam aos nossos ouvidos são horripilantes. Ifá não é isso. Eu não precisei ir à África para conhecer Ifá, ele vive dentro de mim. Embora eu irei porque é o berço da nossa tradição.

Isso é um curral? Um pasto? Onde está todo mundo que ninguém fala nada? É cumplicidade, medo? Ou é assim mesmo que funciona?

Protegemos a tradição porque a corrupção anda solta. Um mercado perverso e desumano tem sido feito em nome de Ifá e Orixá no Brasil.

A corrupção está no dna do brasileiro, não está somente na política, comparece também onde devia tão somente reinar a verdade.

É assustador, medonho e de uma patifaria tamanha.



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POR QUE A TRADIÇÃO DE CULTO DE IFA “SE PERDEU” NO BRASIL?

Patrícia Ferreira

Facebook, Grupo Orisa University,

05/03/2017

"Há certamente mais de uma resposta à pergunta: Por que a tradição de culto de Ifa “se perdeu” no Brasil?

Sabe-se que grande parte dos escravos importados na Bahia do século XIX foi capturada depois da destruição de Oyo, por volta de 1835.

Vimos que havia um conflito constante entre Oyo e outros reinos iorubanos que se ligavam mitologicamente a Ife.

Como Ife controlava o culto de Ifa, os babalawo jamais ganharam um papel importante em Oyo.

Além dessas considerações históricas, o fato de, diferentemente dos cultos descentralizados dos orisa, o culto de Ifa ser de domínio exclusivo de homens e agir junto a instituições de poder centralizadoras pode dar uma pista do porquê o culto de Ifa não ter conseguido se instalar no contexto da escravidão no Brasil".


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Andreas Hofbauer. “Uma história de branqueamento ou o negro em questão”. Marília: Ed. Unesp, 2006: 320, nota 59.


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Adaptação: Luiz L. Marins


DIA DE ISESE: SIGNIFICADO E PERSPECTIVAS PARA OS DESCENDENTES DE OBATALA.

 Oba Alamo Obatala Ife

20/08/2023

 


A religião indígena do povo iorubá, Isese, é datada como tendo começado entre 500 e 300 a.C., de acordo com evidências arqueológicas existentes.

O Dia de Isese foi reservado nos estados de língua iorubá na Nigéria para celebrar a cultura e tradições indígenas iorubás, bem como a preservação da herança iorubá. Além disso, o festival de Isese, celebrado anualmente no dia 20 de agosto, é celebrado pelos adeptos da religião tradicional iorubá.

O dia é comemorado por diversas procissões e cultos à multidão de deuses que compõem o panteão da religião tradicional iorubá. O Dia de Isese celebra as tradições e religião iorubá. em uma demonstração de cultura e espiritualidade. Isese é a palavra iorubá para Tradição. A saudação apropriada para o Dia de Isese é “Isese l'agba” usado para denotar diferentes tipos de festivais realizados por adeptos da religião ou cultura tradicional iorubá na Nigéria e Cuba, Brasil, Estados Unidos, Benin e outros países. O iorubá é falado nos países da África Ocidental, como Nigéria, República do Benin e partes do Togo e Serra Leoa, constituindo, portanto, uma das maiores línguas individuais da África Subsaariana.

O iorubá também é falado em Cuba e no Brasil. A tribo iorubá constitui cerca de 35% da população total da Nigéria e são aproximadamente cerca de 40 milhões de iorubás na região da África Ocidental, com um grande grupo etnolinguístico ou nação étnica na África, e a maioria deles fala a língua iorubá.

Entre os vários festivais de Isese celebrados principalmente pelos Yorubas: Obatala, Eyo, Igogo, Ojude Oba, Olojo, Oro e Sango, Osun, festivais e muitos mais. Não há dúvida de que as religiões e tradições estrangeiras dominaram algumas partes do continente africano. A introdução e a recente popularidade do Dia de Isese através do feriado aprovado pelo governo na parte sudoeste da Nigéria é um orgulho para os iorubás que são guardiões de Isese....

Assim como o Profeta Muhammad (PECE) e Jesus Cristo de Nazaré são mensageiros divinos de respectivas origens, há muitos mensageiros divinos da Nigéria. Estes incluem Obatala, Exu, Oya, Osun, Ifa, Sango entre outros. Eles (mais de 200 em número) são frequentemente chamados de Irunmoles.

De acordo com os princípios da religião iorubá, Obatalá é o mais antigo de todos os orixás e recebeu autoridade para criar. Obatalá é o pai bondoso de todos os orixás e de toda a humanidade. Ele também é o dono de todas as cabeças e da mente.

Obatala, Baba Mi Alase, Kabiesi Mori-Mori Tii Mori Omo-Tuntun, Baba Mi Opagida Sogideniyan ...

Obatala Meu Pai Autoritário Que tem o poder de moldar humanos com poder sobrenatural para transformar árvores em humanos).

 Todos esses fatos não apagam o fato de que Eledumare, o Criador, o universo, é o Supremo de todas as criações, incluindo todos os orixás. No entanto, as pessoas dentro dos limites das tradições e da religião Yoruba acreditam que Obatalá é a fonte de tudo o que é puro, sábio, pacífico e compassivo.

 

SIGNIFICADO E PERSPECTIVAS DA CELEBRAÇÃO DO DIA DE ISESE

 

Não há família nos reinos iorubás sem religião e tradição original. Por exemplo, o povo de Oyo e Ede é conhecido como Sango enquanto o povo de Ifon-Orolu é conhecido como Obatala, especialmente o primeiro Olufon; Aladikun Akogun Erujeje Adugbo foi o primeiro filho de Supernatural Obatala. Tendo identificado que existem mais de 200 seres sobrenaturais que constituem diferentes orixás (Eni Orisa Da - que significa; Aqueles que são especialmente criados).

Há dias ou épocas especiais para a festividade dos respectivos deuses. Portanto, o Dia de Isese é uma demonstração de amor e unidade incomuns para a celebração conjunta das tradições e religião iorubá. Esta unificação é um desafio para aqueles que se envolvem em crimes sob o disfarce de outras religiões e tradições estrangeiras. Portanto, os Descendentes de Obatala em todo o mundo têm mais responsabilidade em garantir uma cobertura mais ampla, coordenação adequada e organização do Dia de Isese.

O Obalesun de Ile-Ife, que é o Chefe espiritual dos Descendentes de Obatala, tem desempenhado um papel proeminente no avanço do curso de Obatala e isto precisa ser totalmente apoiado. Há muitas perspectivas e espaço para o desenvolvimento das tradições e religiões iorubás.

Os estrangeiros estão a fazer esforços concentrados para ajudar os nigerianos na nossa herança e valores culturais.

Muito obrigado ao governo por participar nos esforços contínuos para desenvolver as nossas raízes originais.

A Ku Odun Isese Gbogbo Kaaro Ojire! Eruwa Daadi! Ajebatala!! Ajebatarisa!!!

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Fonte: FACEBOOK - Perfil pessoal de Oba Alamo Obatala Ife

https://encurtador.com.br/ae7Ut




Tradução digital acompanhada. Transcrição: Luiz L. Marins

https://uiclap.bio/luizlmarins

ÒRÌṢÀ ỌYA: A CASA SAGRADA DA RAINHA DOS VENTOS NA NIGÉRIA; IRÁ NI’LÉ ỌYA- ANÁLISES

Texto publicado no blog The Ancestral News, em 21/06/2024.

"ÒRÌṢÀ ỌYA: A CASA SAGRADA DA RAINHA DOS VENTOS NA NIGÉRIA; IRÁ NI’LÉ ỌYA- ANÁLISES 

Por ADEYINKA OLAIYA

Òrìṣà Ọya, também conhecida como Yansãn ou Iansã , é uma das divindades mais reverenciadas na religião tradicional Yorùbá. Ela é a deusa dos ventos, tempestades e transformação, possuindo uma personalidade poderosa e multifacetada. Como guardiã dos cemitérios e dos mortos, Oyá também é vista como uma divindade que governa a transição entre a vida e a morte.


Segundo a mitologia Yorùbá, Ọya é originária da cidade de Ira, no atual estado de Kwara, Nigéria. Ela é amplamente conhecida como a esposa de Sango, o deus do trovão e dos raios. Oyá é frequentemente associada ao rio Níger, conhecido em Yorùbá como Odo Oyá, e muitos dos seus mitos estão centrados em sua relação com este rio e com Sango.


Ọya é uma divindade complexa que incorpora aspectos tanto benevolentes quanto malevolentes. Ela é imprevisível, mas sempre busca manter o equilíbrio cósmico, uma característica fundamentalna percepção Yorùbá do universo. Como deusa dos ventos, ela é capaz de controlar os elementos da natureza, trazendo tanto destruição quanto renovação.


Ela é também associada ao fogo e é conhecida por sua coragem e força em batalhas. Sua habilidade de invocar ventos poderosos e tempestades a torna uma protetora formidável contra inimigos e forças malignas. Em termos de simbolismo, Oyá é frequentemente representada com o búfalo, que simboliza sua força e poder.


Irã é uma cidade histórica e sagrada para os seguidores da religião Yorùbá, situada no estado de Kwara, na Nigéria. Este local é venerado como a casa de Oyá, onde ela viveu e estabeleceu sua influência. Irã não é apenas uma cidade geográfica, mas um centro espiritual onde os devotos de Oyá se reúnem para honrar e celebrar sua divindade.


A cidade de Irã tem uma rica história que está intimamente ligada à mitologia de Oyá. Segundo as tradições orais, Oyá escolheu Irã como sua residência devido à sua localização estratégica e sua capacidade de controlar os ventos e tempestades da região. Irã tornou-se um centro espiritual e cultural para os devotos de Oyá, atraindo peregrinos e seguidores de todas as partes do território Yorùbá.

 

Ọya viveu na Terra como humana na cidade de Ira, no atual estado de Kwara, Nigéria, onde foi esposa do Alaafin de Oyo, Ṣàngó . Em Yorùbá, acredita-se que o nome Ọya derivado da frase “ọ ya”, que significa “ela rasgou”, referindo-se à sua associação com ventos poderosos. Ela é frequentemente retratada como um búfalo na poesia tradicional e acreditava-se que tinha o poder de se transformar em um búfalo. O búfalo-africano serve como um símbolo importante de Ọya, e é proibido que seus sacerdotes matem um búfalo. Ela é conhecida como Ọya Ìyáńsàn-án, a “mãe de nove”, por causa dos nove filhos que deu à luz com seu terceiro marido, Oko, após sofrer uma vida de esterilidade. Ela é a patrona do rio Níger (conhecido pelos Yorùbá como Odò-Ọya).


Na religião Yorùbá, Ọya foi casada três vezes, primeiro com o Òrìsà guerreiro Ògún depois com Ṣàngó e, finalmente, com outro Òrìsà da caça e da agricultura, Oko.


Ọya era tradicionalmente cultuada apenas nas áreas de território Yorùbá que estavam sob o controle e influência do império Oyo. Por causa do tráfico atlântico de escravos, muitos de seus seguidores de origem Oyo foram sequestrados e vendidos para o Novo Mundo, onde seu culto se tornou difundido. O culto a Ọya também se espalhou para outras partes de Yorubaland.


Irã é considerada uma cidade sagrada devido à sua associação direta com Oyá. Os devotos acreditam que a energia de Oyá permeia o local, tornando-o um ponto de contato direto com a deusa. Os rituais realizados em Irã são considerados altamente potentes, e muitos vêm de longe para realizar oferendas e buscar as bênçãos de Oyá.


O título “Onírá” é conferido a Ọya em reconhecimento à sua soberania sobre Irã. Este título, que significa “Senhora de Irã,” destaca a importância de Ọya não apenas como uma deusa dos elementos naturais, mas também como uma figura de liderança e autoridade espiritual na comunidade de Irã.


Como Onírá, Ọya é vista como a protetora e guardiã de Irã. Este título reforça sua conexão com a terra e seu papel em manter a ordem e a harmonia na comunidade. Os devotos de Oyá respeitam profundamente este título, que simboliza a interseção entre o poder divino e a governança humana.


Em Irã, diversos rituais e celebrações são realizados para honrar Oyá como Onírá. Estes incluem:


Rituais de Purificação: Cerimônias que utilizam os elementos de vento e água para purificar os participantes e afastar energias negativas.

Dança dos Ventos: Uma dança tradicional que imita os movimentos dos ventos e tempestades, simbolizando a presença de Oyá.

Oferendas: Itens como frutas, flores, e objetos de metal são oferecidos a Oyá em altares dedicados a ela.

A vida em Irã é profundamente influenciada pela presença espiritual de Oyá. A cidade é organizada em torno de práticas culturais e religiosas que refletem a devoção à deusa. Os habitantes de Irã vivem em um estado de constante reverência e respeito pela natureza, conscientes de que cada fenômeno natural é uma manifestação da vontade de Oyá.


A arquitetura de Irã é projetada para refletir a sacralidade do local. Muitas estruturas possuem símbolos de Oyá e são orientadas para maximizar a interação com os elementos naturais. Templos e altares dedicados a Oyá são comuns, servindo como locais de adoração e comunhão espiritual.


A comunidade de Irã é conhecida por sua forte coesão e compromisso com as tradições ancestrais. Festivais, reuniões comunitárias e práticas rituais são centrais para a vida cotidiana. A transmissão oral de mitos e histórias sobre Oyá é uma prática comum, assegurando que a nova geração continue a honrar e venerar a deusa.


A veneração de Oyá não está confinada apenas à Nigéria. A diáspora africana levou as tradições de Oyá a muitas partes do mundo, incluindo o Brasil, Cuba e os Estados Unidos. Em cada um desses locais, Oyá é reverenciada de maneiras que combinam elementos tradicionais Yorùbá com influências locais.

No Brasil, Oyá é conhecida como Iansã no Candomblé, uma religião afro-brasileira que incorpora muitas tradições Yorùbá. Iansã é uma figura central no Candomblé, onde ela é invocada em rituais e festivais que celebram sua força e poder. Similarmente, na Santeria cubana, Oyá é uma das orixás mais importantes, com muitos devotos que buscam sua proteção e bênçãos.


Festivais como o Dia de Iansã no Brasil e outras celebrações em Cuba e nos Estados Unidos demonstram a persistente influência de Oyá na diáspora africana. Esses eventos são marcados por danças, músicas e rituais que mantêm viva a conexão com as raízes Yorùbá.


Oyá, com sua casa em Irã e seu título de Onírá, representa uma figura de imensa importância na religião tradicional Yorùbá. Sua influência vai além dos ventos e tempestades, penetrando profundamente na vida espiritual e cultural de seus devotos. Irã, como casa sagrada de Oyá, é um centro espiritual onde a conexão com a deusa é mais intensa, simbolizando a união entre o divino e o humano. A veneração de Oyá na diáspora africana demonstra a resiliência e a adaptabilidade


A história de Ira, localizada na atual Área de Governo Local de Oyun, no estado de Kwara, Nigéria, teve início em Ira-Fere, fundada por Laage. O local de “Ira-Fere” fica a cerca de três quilômetros da atual Ira e é acessível por uma estrada que se desvia de uma colina chamada Kereloriaje, aproximadamente um quilômetro e meio da Ira atual, no caminho para Ofa.

Como muitas outras antigas cidades e vilas Yorubá, não há uma data específica de sua fundação. No entanto, ao considerarmos que Oya, a famosa esposa de Sango, o quarto Alaafin de Oyo, veio desse lugar, percebemos que é um assentamento Yorubá muito antigo. Sem a história de Ira, a história dos Yorubá não estaria completa.


A tradição nos informa que Laage, filho de Laru, o fundador de Ira-Fere, veio de Oyo. Ele era um guerreiro e caçador. Foi durante uma expedição de caça que ele se estabeleceu no local, que posteriormente foi chamado de Ira-Fere. O nome Ira-Fere surgiu devido ao uso de poderes mágicos por Laage para desaparecer (ra) e reaparecer subitamente. Sempre que ele não era encontrado em sua cabana, as pessoas diziam “O ra fere ni, o feree yoju na” (Ele acabou de desaparecer, ele logo reaparecerá). Daí surgiu o nome “Ira-Fere”.


Quando Oya deixou Oyo após a morte de Sango Alaafin, ela decidiu retornar ao seu local de nascimento, Ira-Fere. Foi um evento triste para o povo de Ira-Fere, pois eles não sabiam qual seria o destino de Oya após a morte de Sango. Houve histórias de que Oya havia deixado Oyo, mas ninguém sabia exatamente para onde ela foi ou qual caminho tomou.


Demorou algum tempo até que os caçadores encontrassem um local a cerca de um quilômetro e meio do atual Ira. Os caçadores e outros anciãos que mais tarde foram ao local notaram que os pertences ao redor de um buraco pertenciam a Oya e concluíram que “Ibi ti Oya ra si niyi” (Este é o lugar onde Oya desapareceu). Oya foi deificada e se tornou um objeto de adoração.


Laage vinha de Ira-Fere para adorar Oya no local onde ela desapareceu, e um santuário foi construído lá. A área é conhecida como “Igbo Oya” (Bosque de Oya) até hoje. Quando Laage ficou muito velho e a distância entre Ira-Fere e Igbo-Oya tornou-se excessiva para ele, ele consultou seu povo e se mudou para o local atual, que não fica longe de Igbo Oya. “Fere” foi retirado do nome do lugar que eles deixaram, e “Ira” é mantido até hoje.


Ira compartilha fronteiras com Ekosin e Iyeku no estado de Osun e com Iresadu no estado de Oyo. Ira também faz divisa com a Área de Governo Local de Asa, no estado de Kwara, em Aboto. Existem muitas aldeias nas terras de Onira. Em vários momentos da história, Onira concedeu permissão a pessoas de diversas partes da terra Yorubá para se estabelecerem em suas terras. Entre as aldeias estão Inaja Alaro, Inaja Maliki, Ahogbada, Sanni Ode, Bakin, Asaoye, Egbejoda e Ago Owode. Portanto, Onira é o dono dessas terras.


A deusa das tempestades e dos ventos, Oya, possui uma identidade dupla, como muitas outras divindades. Ela é ao mesmo tempo humana e espiritual, sendo seu nome completo Oya Akanbi. Tanto a história quanto a mitologia concordam que Oya foi uma nativa de Ira, uma pequena cidade próxima a Offa, no estado de Kwara, Nigéria. Como deusa, ela pode ser tanto benevolente quanto malévola, sendo extremamente imprevisível, mas sempre buscando manter o equilíbrio, um aspecto crucial na visão cósmica Yorùbá (Gleason 1987).


Acredita-se que Oya tem poderes de cura e magia (oogun), adquiridos de sua família materna na terra Nupe (Ile Tapa), do outro lado do rio Níger (Odo Oya). Esses poderes enigmáticos fazem dela uma figura poderosa, descrita na língua Yorùbá como “obinrin okunrin bi,” que significa “uma mulher como um homem.”



Oya combate com raios, assim como seu marido terreno, Sango. Mentirosos e ladrões temem seu santuário, pois ela os enfrenta de maneira decisiva; por isso, é considerada uma guardiã da moral na comunidade. Além disso, Oya concede filhos e riqueza aos seus devotos, protegendo-os de todos os perigos.


Os filhos de Oya recebem nomes como Oyabunmi (dom de Oya para mim), Oyafunke (Oya cuida de mim), Oyafemi (Oya me ama) e Oyawale (Oya retorna para casa)."


 

Imagem documental


 

Fonte https://ancestrals.com.ng/2024/06/21/ori%E1%B9%A3a-oya-a-casa-sagrada-da-rainha-dos-ventos-na-nigeria-ira-nile-oya-analises

A MEMÓRIA VIVA DE CUSTÓDIO, PRÍNCIPE AFRICANO QUE VIVEU EM PORTO ALEGRE

Coletamos este artigo do Blog UFRGS/ Jornal da Universidade, acessado na data 21/06/2024.


"História | A trajetória e o mito do habitante da Cidade Baixa que se tornou um símbolo da luta antirracista e pela livre expressão de cultos africanos

Por Grégorie Garighan 

Em 01/04/2021 

*Foto de capa: Flávio Dutra/Arquivo JU 20 mai. 2017

“Eu cresci com a história do príncipe Custódio”, conta Nina Fola, doutoranda em Sociologia pela UFRGS e participante da Comunidade Terreira Ilé Àse Yemonjá Omi Olódò, ao falar sobre a importância que a figura do príncipe adquiriu em sua vida. Apesar de toda a simbologia acerca da imagem de Custódio, sua história ainda não é conhecida por parte dos habitantes de Porto Alegre. Isso se deve, muitas vezes, à parca quantidade de registros históricos relacionados ao príncipe. Nina pontua que o racismo leva ao apagamento da história de pessoas pretas. “É fundamental a gente fazer a discussão sobre como o racismo nos tira memória. Memória de humanidade, memória de existência, de civilização”, acrescenta.

Mesmo com a invisibilização histórica, Custódio Joaquim de Almeida ainda é lembrado. A oralidade transmitiu grande parte do que se sabe sobre o príncipe, e, agora, as pesquisas acadêmicas avançam para resgatar sua memória e remontar sua trajetória na capital gaúcha. Na UFRGS, diversos estudiosos aprofundam o que se sabe sobre o príncipe e sua figura no imaginário porto-alegrense.

Custódio Joaquim de Almeida, ou Osuanlele Okizi Erupê, como era conhecido em Benin, seu país de origem e onde era príncipe, nasceu em 1831, como indica seu necrológio. Custódio teria vindo ao Brasil em busca de exílio devido ao imperialismo britânico e ao colonialismo europeu. O príncipe chegou ao estado da Bahia, supostamente, em 1898. A partir daí, diz-se que Custódio passou a peregrinar, seguindo ao Rio de Janeiro, onde se instalou por dois meses. Logo após, os búzios lhe teriam indicado que rumasse para o sul do Brasil. (os grifos são nossos)

No Rio Grande do Sul, Custódio viveu em diversas cidades, tais como Rio Grande, Pelotas e Bagé, possivelmente nessa sequência. Até que, em 1901, o príncipe teria chegado a Porto Alegre. A tradição diz que Júlio de Castilhos, presidente do estado de 1892 a 1898, havia solicitado cura espiritual para o príncipe, que era também famoso curandeiro e por isso foi levado à capital gaúcha.

Custódio morou no bairro Cidade Baixa, que na época, dentro do contexto pós-abolição, era ocupado pela população negra. Apesar disso, o príncipe tinha contato direto e estável com a elite da cidade e era praticante do turfe, esporte que consiste na corrida de cavalos, e que era frequentado, quase exclusivamente, pela alta elite.


O legado de Custódio é conectado, na maioria das vezes, ao assentamento do Bará do Mercado Público de Porto Alegre, que foi realizado pelo príncipe com a intenção de abrir os caminhos da cidade. Também é atribuída como mérito de Custódio a disseminação do batuque no Rio Grande do Sul, já que as cidades por onde passou têm uma forte presença de adeptos de religiões de matriz africana.
As lacunas preenchidas e as não preenchidas

Em um recente estudo sobre a história do príncipe Custódio, os historiadores Jovani Scherer, mestre em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), e Rodrigo de Azevedo Weimer, doutor em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), descobriram uma série de documentos inéditos e que esclarecem diversos pontos acerca da presença do príncipe em Porto Alegre. Por meio de uma ferramenta de busca do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul, onde Rodrigo trabalha, os historiadores encontraram três processos envolvendo Custódio e, a partir daí, se iniciou uma série de análises sobre o que se acreditava ser real na história tradicional, advinda da oralidade, e o que realmente havia se confirmado como verdadeiro.


“Durante muito tempo se dizia que não existia documentação sobre o príncipe Custódio. Era um personagem muito conhecido, muito falado, mas com pouca fundamentação em documentação, pouco embasamento. E isso levou a versões que a gente julgava um tanto inverossímeis, um pouco deslocadas do que a gente, como historiadores, estava acostumado a perceber desse período, dessa época em que viveu o príncipe Custódio” 
Rodrigo de Azevedo Weimer

O primeiro processo que constava da ficha de Custódio era relacionado a uma briga em que o príncipe teria se envolvido com um “homem português” em um bar de Porto Alegre. “No momento do auto de qualificação, que é onde se descrevem as características para identificar o réu, uma série de coisas sobre o príncipe Custódio foi desmontada em algumas linhas”, revela Rodrigo, ao contar que o documento indicava o ano de 1885, dezesseis anos antes de quando se imaginava que Custódio teria chegado à capital gaúcha. Além disso, no documento, o príncipe declarou ter 32 anos à época, contrariando a ideia de que Custódio teria nascido na década de 1830.

Jovani também comenta sobre outro documento que revelou informações em relação à chegada do príncipe ao Brasil. Trata-se de carta ditada, “por não saber escrever”, e enviada ao jornal A Federação em resposta a uma reportagem publicada na véspera pelo Correio do Povo que o difamava – e que, segundo alude, “em sua totalidade é um trabalho de pura fantasia”. Custódio afirma: “Muito moço, vim para estas generosas terras onde constituí família”. Esse registro, datado de 22 março de 1933, ajuda a confirmar que ele veio ao Brasil ainda muito jovem.

 Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional


A descoberta mais significativa, no entanto, está relacionada à sua descendência. No auto de qualificação, o príncipe revela o nome de seu pai, Joaquim de Almeida. Diferentemente do que se imaginava, o pai de Custódio não era um rei, apesar de Custódio ter sido reconhecido como príncipe em Porto Alegre. Segundo os historiadores Jovani e Rodrigo, acredita-se que Joaquim de Almeida tenha sido um homem muito poderoso e bem afortunado, que foi escravizado após as guerras que dissolveram o império de Oió e depois foi levado à Bahia. “Na Bahia, ele vai se tornar, logo em seguida, o braço direito de Manuel Joaquim de Almeida, de quem ele vai herdar o nome”, complementa Jovani. Trabalhando com Manuel, que era vinculado ao tráfico de escravos, o pai de Custódio se destaca e passa a ser parte de dez por cento dos homens mais ricos do estado.

Joaquim de Almeida volta ao continente africano após a Revolta dos Malês, dura repressão aos africanos na costa da Bahia que durou até o final do século XIX. Nesse contexto ele desempenha uma posição de liderança e poder ao chefiar um grupo de agudás (descendentes de mercadores de escravos e ex-escravos libertos no Brasil retornados ao Benin). Jovani pondera, ainda, que, com as novas descobertas, não se consegue saber o motivo que levou Custódio a vir para o Brasil, e essa passa a ser uma lacuna na história do príncipe. O historiador considera a possibilidade de que ele possa ter vindo ao país em um contexto de perseguição religiosa, ao mesmo tempo que confirma que a tese de exílio do imperialismo britânico não está correta.
O mediador

“O turfe era o grande encontro que reunia a mais alta sociedade e alguns membros de grupos não tão vinculados – grupos mais subalternos, populares”, explica Jovani, ao contar sobre a ocupação de Custódio com o esporte e em como esse foi um dos principais métodos para que o príncipe tivesse contato direto com a elite. Rodrigo, porém, acha interessante citar que se tratava de uma inserção social na elite local. “Ele tinha essa influência. Só que esse era um poder muito mais simbólico do que econômico. Porque ele era sócio no Haras, mas pediu dinheiro emprestado para comprar a parte dele. Ele se endividou”, relata.

Jovani pontua que, apesar de ser um homem com prestígio, Custódio não era rico e que construiu seu patrimônio trabalhando, provavelmente, com o turfe. Nina Fola considera que a utilização das relações com a classe política por Custódio foi o que lhe garantiu a posição social em que ele se encontrava e, por meio disso, pôde desenvolver um canal de comunicação direto. Rodrigo corrobora essa linha de pensamento: “Ele era um mediador entre os populares e a elite, então acolheu muita gente na sua casa. Ele podia levar demandas de um lado para o outro”.

Jovani relembra a ancestralidade agudá de Custódio, cujo povo era visto como um grupo que se movia entre os poderosos e os menos afortunados. Seu comportamento, portanto, era reflexo de um contexto prévio.

Os historiadores frisam, contudo, que seu caráter religioso e de símbolo antirracista são indiscutíveis e que isso foge do estudo histórico elaborado por eles. Todos os documentos estudados por Jovani e Rodrigo, juntamente de suas interpretações a partir deles, estarão disponíveis no livro O refluxo dos retornados: Custódio Joaquim de Almeida, o príncipe africano de Porto Alegre, de autoria de ambos, que será disponibilizado gratuitamente no site do Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul em breve.
 
Príncipe do povo

“Ele era um príncipe de Porto Alegre. Ele não era um príncipe por ser filho do Ovonramwen Nogbaisi. Ele era príncipe dos pobres, príncipe do povo. Ele era reconhecido assim pela população” 
Rodrigo de Azevedo Weimer

As discussões acerca das origens do príncipe Custódio são válidas; quando se fala de um príncipe africano que viveu em Porto Alegre e se tornou um símbolo para o movimento negro e a livre expressão de cultos afro-gaúchos, essa significação, porém, vai muito além de comprovações históricas, adentrando um imaginário identitário e de afirmação cultural que se mantém até os dias de hoje.

Rodrigo chama atenção novamente para o episódio em que Custódio briga com um homem português em um bar de Porto Alegre. Acredita-se que o motivo da briga tenha sido a revolta do príncipe quando o homem o trata como escravizado. “Por que o português diz que ele não podia estar bebendo naquele bar? Por que ele era negro? Ele era uma pessoa livre, se via como tal e defendia sua posição”, relata Rodrigo. “Eu acho que aqui a gente reencontra uma questão que é muito importante pras pessoas que falam no Custódio, que é o lugar dele como símbolo antirracista. Nesse ponto, a gente tá vendo um Custódio que se insurge, que se coloca contra a dominação.”

Luz Gonçalves Brito, doutoranda em Antropologia Social pela UFRGS, salienta o assentamento do Bará do Mercado, feito pelo príncipe Custódio, como uma narrativa que traz uma força política muito contundente. “Existe uma erupção do sagrado naquele espaço público de uma forma que é, além de muito interessante do ponto de vista cultural e histórico, também um ato de resistência política”, analisa a pesquisadora, ao frisar a visibilidade do povo negro através do rito sagrado e a manutenção de uma tolerância religiosa por meio dessa tradição.

Nina destaca o racismo religioso e a visão problemática de como se manifesta a religiosidade. Ela afirma que o Bará do Mercado é um exercício de liberdade religiosa muito significativo. “Eu nunca deixo de passar no Mercado, passar pela encruzilhada e de fazer meu gesto explicitamente”, narra Nina, que também cita as discussões iniciadas quando se propôs uma escavação do Bará, na intenção de encontrar a pedra energizada que teria sido plantada por Custódio.


“Nesse momento histórico não interessa mais se o príncipe plantou ou não plantou, interessa que o Bará já está ali, de tanto que a gente o louvou” 
Nina Fola

A socióloga salienta, ademais, a importância de se ter uma figura histórica atrelada ao batuque, que é uma religião afro-gaúcha. Afinal, ainda há uma visão hegemônica do candomblé sobre outras religiões afro-brasileiras. “O príncipe faz parte da genealogia do batuque do Rio Grande do Sul. Então, quando a gente fala de família, de herança, de memória, de história antiga, de fundamentos antigos e de tradição, a gente lembra o príncipe”, declara Nina.

A partir disso, nota-se o caráter intangível na história do príncipe africano que esteve em Porto Alegre. O principado de corte de Custódio não é mais tão relevante, nem mesmo a suposta pedra enterrada sob o Bará, mas sim os ritos, que, conforme cita Luz, articulam o tempo passado com o presente de uma forma intensa, revivendo uma tradição.

Ao refletir sobre qual seria o ponto simbólico mais importante deixado pelo príncipe em Porto Alegre, Nina responde sucintamente: “A sua existência”."

 Fonte - https://www.ufrgs.br/jornal/a-memoria-viva-de-custodio-principe-africano-que-viveu-em-porto-alegre/

segunda-feira, 17 de junho de 2024

ENCONTRANDO BÀRÀ: HISTÓRIA EM UMA CIDADE DO IMPÉRIO

Coletamos esta postagem no blog Olongo Africa, postado em 23/02/2022, acessado em 17/06/2024.
 
"ENCONTRANDO BÀRÀ: HISTÓRIA EM UMA CIDADE DO IMPÉRIO
Madeira Molara
23/02/2022

Dirigimos ao longo dos 2.512 quilômetros quadrados do Parque Nacional Old Ọ̀yọ́ até chegarmos à movimentada Bani, na Área de Governo Local de Kaiama do Estado de Kwara, a cerca de duas horas do nosso destino, a cidade de Bàrà, o sítio arqueológico mais ativo da Nigéria.

Bàrà está fora dos limites do Parque Nacional e, portanto, está desprotegida contra novas e persistentes ameaças a este local de patrimônio inestimável. Isso apesar do enorme significado histórico de Bàrà e sua estreita associação com a antiga capital do Império Ọ̀yọ́, Ọ̀yọ́ Ilé, que está localizada dentro do parque.

O ar agrário de Bàrà desmente seu passado como um dos centros mais importantes do império do século 17, um dos maiores da África Ocidental, que se estende de algumas partes da atual Nigéria ao Togo e à República do Benin. Os vestígios desta grande história, embutida em toda a paisagem de Bàrà, são a razão pela qual este local de 1,92 km de diâmetro viu mais de 50 escavações arqueológicas nos últimos anos.

“Nenhum outro lugar na Nigéria recebeu tanta escavação quanto nós fizemos aqui”, diz Akínwùmí Ògúndìran, professor do chanceler e professor de Estudos Africanos, Antropologia e História da Universidade da Carolina do Norte-Charlotte, EUA. É autor de O Yorùbá: Uma Nova História, publicado em 2020. O arqueólogo foi apresentado pela primeira vez como estudante a Ọ̀yọ́ Ilé e seus arredores no final dos anos oitenta por seu professor e mentor, Babátúnde Agbájé-Williams. Agora, Ògúndìran lidera sua própria equipe de jovens acadêmicos (da Universidade de Ibadan, onde é professor visitante) no Projeto Arqueológico Ọ̀yọ́ de dez anos de idade, que ele iniciou em 2017 em colaboração com o Serviço de Parques Nacionais da Nigéria. A National Geographic Society apoia o trabalho de campo que estamos aqui para observar.

 

Ruínas da Muralha da Cidade (Imagem: Molara Wood)

Ao descobrir Bàrà e sua muralha histórica há alguns anos, Ògúndìran e sua equipe pausaram seu trabalho nos locais relacionados de Ọ̀yọ́ Ilé e Kòso, a fim de se concentrar em Bàrà. Eles começaram a mapear sistematicamente o site e coletar dados, documentando todos os recursos relevantes.

“Fizemos isso com a intenção de nomear este local como patrimônio nacional, e precisamos de evidências arqueológicas para poder fazer essa afirmação”, diz Ògúndìran.

Bàrà foi o local de sepultamento do Aláàfin (Rei) de Ọ̀yọ́, governante do império e seus milhões de súditos. Muitas Aláàfins passadas – incluindo figuras históricas icônicas de Yorùbá, como Aláàfin Aólẹ̀, Onisile, Ajagbo e Ọbalókun – foram enterradas aqui. “É um local espiritual”, explica Ògúndìran. “Quando um novo Aláàfin fosse instalado, os eleitos de Aláàfin deveriam vir aqui para adorar os Aláàfins do passado. E foi aí que ele pôde ser reconhecido em Ọ̀yọ́ Ilé.”

Na morte, o rei seria trazido de volta a Bàrà para os ritos funerários finais. Dos que retornavam com os restos mortais, alguns iriam com o Aláàfin para o outro mundo (a premissa da peça de Wole Soyinka, A Morte e o Cavaleiro do Rei, baseada em um evento histórico).
Marcador de Pedra Bara (Imagem: Molara Wood)

O levantamento arqueológico, incluindo o uso do Radar de Penetração no Solo (GPR) e do magnetômetro, até agora não conseguiu descobrir os mortos reais de Bàrà. “O site é grande; apenas arranhamos a superfície”, diz o arqueólogo.

De qualquer forma, o projeto está mais interessado na vida daqueles que viveram em Bàrà e na cultura material que deixaram para trás. De acordo com Ògúndìran, “Bàrà era mais do que um lugar onde enterravam pessoas. Foi também onde sacerdotes e sacerdotisas que administrariam ao rei na vida após a morte foram reassentados. Algumas das esposas do palácio, algumas [cortesãos], seriam realocadas para cá, e haveria servos ligados a elas, para manter este lugar.”

Uma evidência da importância estratégica de Bàrà foi a magnífica muralha que não só cercou a cidade, mas também a dividiu geograficamente em duas. Construída com pedra e laterita, a parede subiu para cerca de seis metros à medida que seguia seu caminho ao redor, e subindo e descendo as colinas gêmeas de Bàrà, completas com portões formidáveis. Com 6,2 km de circunferência, a equipe do projeto levou três anos árduos para mapear a parede.

“O Império Ọ̀yọ́ foi construído para impressionar”, diz Ògúndìran. O antigo Reino Ọ̀yọ́ esteve no exílio na cidade de Igboho por quase um século antes de retornar à sua capital de Ọ̀yọ́ Ilé, por volta de 1570. Este foi o alvorecer do império, que embarcou em uma ambição expansionista, construindo grandes vilas e cidades. As ruínas da parede de Bàrà são um indicador dessa visão ousada; a construção provavelmente levou anos, incorporou a topografia e exigiu mais de 500 construtores.

 


Akínwùmí Ògúndìran, Professor de Estudos Africanos, Antropologia e História, Universidade da Carolina do Norte em Charlotte. Imagem: Ọlálékan Adédèjì

“O trabalho deve ter sido imenso, então deve ter havido uma razão. Não foi uma construção extravagante”, diz Ògúndìran. “Sem uma organização social sofisticada, você não pode ter esse tipo de programa de construção em larga escala. O Império Ọ̀yọ́ era tão sofisticado que eles tinham um ministro de pesquisa [para garantir] que as muralhas fossem construídas. Eles tinham um funcionário do palácio dedicado para isso.”

Uma das descobertas mais emocionantes da equipe é o local conhecido simplesmente como Bàrà Stone Marker 6 (BSM6), que traz à luz pequenos grupos pré-impérios que vivem do lado de fora da parede de Bàrà, entre os 13 anos.ésimo até 15ésimo Séculos. “Quando o período imperial começou, foi quando a ocupação deste local terminou”, de acordo com Ògúndìran, que acha que os ocupantes podem ter sido evacuados para povoar as novas cidades do império. Entre as descobertas na BSM6 estão os frágeis restos de um indivíduo que ficou enterrado sob um pátio doméstico por mais de 700 anos, e que pode conter a chave para “como era a vida antes do império começar”.

O povo aqui poderiam ser Ọ̀yọ́ antes da fase Igboho-exílio, ou um ramo de seus ancestrais. O que é certo é que eles eram “uma civilização muito sofisticada na maneira como faziam sua cerâmica”. Não é possível caminhar alguns passos em Bàrà sem ver fragmentos de vasos, muitas vezes com desenhos intrincados da antiga cerâmica Ọ̀yọ́ – milhares estão no local aqui.
Poço de Produção de Carvão Vegetal (Imagem: Ọlálékan Adédèjì)

Também escavados na BSM6 estão objetos incluindo contas de Carnelian e Jasper, uma figura de terracota, bem como escórias de ferro, um subproduto da fundição de ferro. Como observa Ògúndìran, “É a aglomeração de materiais que nunca foram vistos antes, que não são conhecidos antes”, que faz da BSM6 tal descoberta. “Isso abrirá a porta para entender como o Império Ọ̀yọ́ começou.”

As contas oferecem uma janela sobre a história do comércio da África Ocidental. Como Ògúndìran explica: “Embora fosse uma comunidade pequena, temos evidências de que eles tinham uma ampla rede. Esta área fazia parte de uma grande rede regional de comércio entre o Yorùbá Central (Ilé Ifẹ̀) até o rio Níger e todo o caminho até o 14ésimo século Mali Empire.”

A sociedade Bàrà dentro do muro e as comunidades imediatamente fora dele em um período histórico anterior, encapsulam o objetivo declarado do projeto neste local: entender a relação entre as diferentes pessoas que viviam aqui. Isso é prejudicado por novas comunidades que invadiram maciçamente o local sagrado nos últimos anos e cujas atividades estão rapidamente corroendo o caráter histórico do local e dizimando milhares de árvores do patrimônio que permaneceram em Bàrà por décadas, até séculos. A alarmante perda de cobertura arbórea no local prenuncia uma crise ambiental, à medida que a desertificação se aproxima.
Escavações arqueológicas do Império Pré-Ọ̀yọ́. Imagem: Ọlálékan Adédèjì

O pastoreio de animais, a agricultura arável e uma indústria ilegal de carvão vegetal estão crescendo, representando uma ameaça existencial ao local e seu enorme estoque de itens arqueológicos. A produção de carvão vegetal tem sido particularmente devastadora. As árvores estão sendo mortas através da pirólise, incendiadas a partir das raízes para preencher uma linha crescente de sacos de carvão de Bàrà. Dezenas de poços de carvão estão no local e tocos onde as árvores de madeira vermelha ficavam.


E sem nenhum sinal de uma mudança na indiferença do governo, o dano parece destinado a continuar. A perda de um grande sítio histórico, mesmo quando um projeto arqueológico está apenas começando a arranhar sua superfície, seria um desastre cultural de proporções indescritíveis.

Ògúndìran convocou o atual Aláàfin – Oba Lamidi Adéyẹmí III, que governa a partir da atual localização de Ọ̀yọ́ – para intervir. Até agora, o rei, guardião da história de Ọ̀yọ́, não é conhecido por ter exercido seu direito moral sobre a antiga Bàrà.

“Todas as árvores ao nosso redor estão mortas”, lamenta Ògúndìran, que teme que a integridade do local esteja agora tão comprometida que não possa mais satisfazer uma reivindicação de designação oficial de patrimônio. “Quando começamos, não havia nenhum prédio dentro desse muro. Mas nos últimos dois anos, eles construíram [moradias], começaram a cultivar aqui. E esse processo vai continuar nos próximos anos.”

No início do projeto, há cinco anos, a população local reverenciava o local como sagrado, alegando ver luzes no baobá no local à noite. “Mas nos últimos quatro anos, essa crença diminuiu por causa da pressão sobre a terra”, e os atores mais novos se mudaram sem se importar com o patrimônio cultural e histórico. Eles também não são avessos à sabotagem ocasional do trabalho arqueológico.

“Em pouco tempo, diante de nossos próprios olhos, as coisas mudaram à medida que a pressão para alimentar sua própria população aumentou”, diz o estudioso. “Este é um dos locais bem preservados que devem ser mantidos, mas, infelizmente, não fomos rápidos o suficiente. E do jeito que as coisas estão indo, se nada for feito no próximo ano, eu tenho medo…” Sua voz se afasta.
Árvores mortas destruídas pelo fogo nas raízes (Imagem: Ọlálékan Adédèjì)

“Estamos recuperando algumas evidências para dizer a gerações que, neste lugar, neste momento, foi isso que aconteceu – mesmo quando o local não está mais aqui.”

Como afirma o diretor assistente do projeto, Olusegun Moyib, do Departamento de Arqueologia e Antropologia da Universidade de Ibadan, “Nenhuma escavação é uma perda de tempo. Quer você descubra ou não descubra, você ainda tem uma história para contar.”

Molara Wood é uma escritora criativa, jornalista e crítica nigeriana. Ela tem sido descrita como “uma das vozes eminentes nas Artes na Nigéria”. Seus contos, flash fiction, poesia e ensaios apareceram em inúmeras publicações. Estes incluem African Literature Today, Chimurenga, Farafina Magazine, Sentinel Poetry, DrumVoices Revue, Sable LitMag, Eclectica Magazine, The New Gong Book of New Nigerian Short Stories (ed. Adewale Maja-Pearce, 2007) e One World: A Global Anthology of Short Stories (ed. Chris Brazier; Novo Internacionalista, 2009). Atualmente vive em Lagos, e dirige o ART for the People Podcast."

TIKTOK ERICK WOLFF