Os CABINDAS, designação hoje dada aos habitantes do País de Cabinda (abrangendo todos os clãs irmãos - Bauoio, Bakongo, Basundi, Balinge, Bavili, Baiombe, Bakoki ... ) mas que, de começo, por proveniência Clánica era confinada aos do antigo Reino de Ngoyo e mais propriamente aos da região da actual cidade de Cabinda e arredores mais chegados, sendo povos que fazem parte da grande família banta, por suas qualidades, usos e costumes sobressaem entre os outros. O Cabinda é, certamente, de todos os povos africanos, o que se aponta com mais freqüência como exemplo de índice de, maior desenvolvimento e progresso em toda a gama de valores humanos. Casas arejadas e asseadas, mesmo as de colmo e papiros, alinhadas ao longo das estradas por entre filas de palmeiras c coqueiros que emprestam, nos dias de grande calma, a sua sombra aos habitantes; gente palradora e comunicativa entre a qual havia sempre alguém - e hoje quase todos e todas - a poder dar-nos informações pedidas num português já muito sofrível e ajuda pronta em qualquer necessidade. A língua dos Cabindas -o Kiuoio (ou Iuoio) e Kikongo
As principais «divindades» eram:
Kuiti-Kuiti
Mboze
Lusunzi
Nkanga
Mvemba
Lunga
Bunzí ou Mbungi
Nkunda Mbaki Nranda
Makunku
1 - KUITI-KUITI (Nzambi-Mpungu, uivanga naveka = O Nzambi-Mpungu, o que se fez a si mesmo)
Apresenta-se como filho de um deus que nasceu velho na terra, em Mboma Yala Linsongo.
Teve como irmãos a Nkunda Mbaki Nranda e Mboze.
A mulher era a sua própria irmã, Mboze, de quem teve dois filhos: Né-Mbinda Né-Mboma e Nkanga.
Numa das ausências de Kuiti-Kuiti, Mboze teve relações com o seu próprio filho Nkanga. Concebeu. Kuiti-Kuiti tendo conhecimento da traição e vileza da mulher, conhecimento através de um sonho, regressou a casa e pegou-se com seu filho Nkanga. Isto aconteceu em dia de nevoeiro cerrado (= Mbungi).
Nkunda Mbaki Nranda reprova o proceder de Kuiti-Kuiti, seu irmão, por ter morto Mboze e Nkanga. Então, Kuiti-Kuiti faz ressuscitar os dois ao mesmo tempo.
À criança nascida deste crime de incesto foi dado o nome de BUNZI que, na interpretação de Fernandes, queria dizer: «Assistente de dois deuses em luta.»
Passados tempos, Né-Mbinda Né-Mboma, o outro filho de Kuiti-Kuiti, pede ao pai uma mulher para casar.
Kuiti-Kuiti mata os dois gémeos aIbinos, abandona na Europa os filhos destes e regressa sozinho às terras de Ngoio, indo habitar Mboma.
Sua mulher Mboze vai visitá-lo e, mostrando-lhe as duas filhitas que levava, diz-lhe: «aí tens duas filhas que tive de teu filha Né-Mbinda Né-Mboma.»
2 - MBOZE
É irmã e mulher de Kuiti-Kuiti, como se deixou dito.
Depois da ressurreição de Kuiti-Kuiti, Mboze reformou a sua vida.
Mulher de grande beleza, umas vezes era encontrado muito bem vestida, outras fingindo de pobre miserável, esfarrapada e imundal
3 - LUSUNZI
Filha de Né-Mbinda Né-Mboma e de Mboze.
Teve por marido seu irmão Nkanga.
Seus irmãos: Bunzi (irmão e sobrinho), Mvemba (irmã e sobrinha) e Madia-Mamboze (irmã e prima)!
4 - NKANGA
Filho de Kuiti-Kuiti e de Mboze é marido de sua própria irmã Lusunzi,
Presidia a todas as grandes cerimónias.
Governava, espiritualmente, as terras de Kingangaka, Ngoio, Kankatu e outras.
5 - MVEMBA
Filha de Né-Mbinda Né-Mboma e de Mboze e irmã de Lusunzi e de Bunzi.
Era invocada nas grandes calamidades.
6 - LUNGA
Também filha de Né-Mbinda Né-Mboma e de Mboze e irmã de Lusunzi.
É «deusa» de muita representação nos casos que dizem respeito à salvação do «seu» mundo. Habitava nas pequenas florestas das margens do rio que tem o seu nome, na Muanda (Rep. do Zaire), junto à foz.
7 - BUNZI ou, melhor, MBUNGI
Filha de Nikanga e de Mboze.
Foi por causa deste nascimento incestuoso que Kuiti-Kuiti, marido de Mboze, matou esta e seu filho Nkanga.
No momento em que os dois homens lutavam, Mboze, antes de morrer, ouviu dentro de si uma voz que lhe dizia: «Telamena bobo, kaza minu nzoleze umona monso mivioka avava» - Espera que eu quero ver tudo o que se passa aqui». E nesse mesmo instante nasceu MBUNGI e este nome recebeu porque nessa altura, dizem, havia muito nevoeiro (Nevoeiro = Mbungi).
MBUNGI (ou BUNZI) é invocado, principalmente, nas terras de Mputu Kinzazi e Matamba.
8 - MPANGI
Filha adoptiva de Lusunzi.
O seu habitat era numa pedra que se encontrava na encosta do morro do antigo Porto Rico. A essa pedra lhe chamavam: Limanha liMpangi = Pedra de Mpangi. Era o Nkisi-Nsi da terra, o espírito protector.
E por causa desta «destruição», afirmam os naturais de Cabinda, tanto Mpangi como Lusunzi deixaram as terras de Ngoio. Lusunzi foi para S. Tome e Mpangi para a antiga capital do Reino do Loango, Buáli. Mas não deixaram, contudo, de ter influência sobre as gentes de Cabinda.
9 - NKUNDA MBAKI NRANDA
Irmão de Kuiti-Kuiti e marido de Nsansa-Kunda.
Era o «deus» da chuva. Tinha cauda. Quando invocado para fazer cair chuva, apontava a cauda para o céu. Mas quando julgasse bem, como castigo, apontar a cauda para baixo era mais do que o bastante para não chover!
10 - MAKUNKU
Filho adoptivo de Lusunzi.
Era o «deus» das preocupações. Era grande o seu poder sobre o movimento do sol. Trabalho que começasse, tinha que ser terminado antes do sol posto. Mas se se enganava e o trabalho levava mais tempo do que contara? Era simples. Mandava recuar o sol para que lho desse tempo de terminar a tarefa!
(Até parece o dito milagre de Josué, na Bíblia - Cf. Livro de Josué, X12,15!)
11 - DIVINDADES DE SEGUNDA ORDEM
São todos filhos adoptivos de Lusunzi, «deusa» dos bons costumes e a restauradora da moral natural nas terras de Ngoio.
Vela-Ke-Lusunzi, andrajoso e pobretão, vagueava pela praia e pelo Kizu.
Mbaki-Lukola-LiMpangi; Mundala-Mpangi; Lukika-LiMpangi. Estes habitavam junto ao riacho Lukola.
Kinkinda e Kilili - na Muanda.
Kimpukulo e Kinsunda - por várias regiões.
Esta mitologia Cabinda, não destrói nem exclui o sistema Religioso comum a todos os clãs Bakongo.
Se pode haver, v. g. entre os de Ngoio, uma ou outra particularidade, fruto da rica Tradição dos Cabindas - como a de A. J. Fernandes - o sistema religioso que vamos apresentar é o de todos: Bauoio, Basundi, Balinge, Baluango, Bavili, Bakongo propriamente dito, etc., etc., (dos nove clãs descendentes de Vua li Mabene).
NZAMBI - A maior divindade
Todos os clãs Bakongo conhecem Deus sob o vocábulo NZAMBI ou NZAMBI MPUNGU.
NZAMBI é bom. Chamam-lhe Tata, Tat itu: Pai, Pai Nosso; Tata Nzambi = Deus Pai.
É do Nkisi-Nsi que o chefe recebe o poder. É do Nkisi-Nsi que, nos Bauoio - Cabindas - toda a comunidade, por cerimónias públicas, procurava conquistar graças e favores. É em nome do Nkisi-Nsi que os Zindunga, chamados também mulheres do Nkisi-Nsi (Bakama Bakisi-Nsi) ou «soldados», fazem o policiamento das terras de Cabinda e velam pela guarda dos bons costumes e leis de Lusunzi, que não são mais do que as leis do Nkisi-Nsi.
É ainda pelo Nkisi-Nsi que, praticamente, em todos os clãs do num País de Cabinda, fazem entrar as jovens, chegadas à idade núbil, no NZO KUMBI («Casa da Tinta») para, depois, tomarem estado, casando-se ou, mesmo, entregando-se a uma vida fácil.
Em atenção ao Nkisi-Nsi, abstêm-se as pessoas de certos actos fora do casamento ou observam certos costumes nas relações conjugais...
Ao Nkisi-Nsi ficam ligados todos os que nascem de uma forma tida por «anormal», a saber:
A) Os ZINDUNDU (sg. NDUNDU) = Albinos.
Porque os aIbinos, de um e outro sexo, são incapazes de geração (dizem) atiram-nos para o número dos monstros.
Outrora, era costume apresentarem os «Zindundu» ao Rei. Eram, depois, ensinados na prática da magia e passavam a servir de magos ao Rei, que seguiam e acompanhavam sempre.
Ninguém ousaria ofendê-los com qualquer afronta. Eram respeitados por todos. Se iam ao mercado podiam tomar o que quisessem e ninguém lhes iria à mão.
B) BASIMBA, os gémeos. Tidos também por filhos, do Nkisi-Nsi. Havia para com eles as atitudes respeitosas que tinham para com os aIbinos
C) Os NSUNDA (pl. BASUNDA), os que nascem pondo, primeiro, as pernas fora do ventre materno.
D) Os KILOMBO - Os que revelam, em sonho, a sua origem estrangeira.
E) Os mortos com VIMBU. Vimbu, doença que faz inchar. Vem do verbo Kuvimba -Inchar, engrossar.
F) As que morrem grávidas e todo aquele ou aquela a quem não cortaram os cabelos ou as unhas...
Jura-se e amaldiçoa-se, ainda hoje, pelo Nkisi-Nsi.
É que o Nkisi-Nsi, por bom e generoso que seja, também pode encolerizar-se e vingar-se.
Há quem tenha visto nesta espécie de culto uma como que idolatria.
«Je n'oserais pas me prononcer en faveur de cette thèse», afirma o P. Bittremieux.
Assim, o nome de Nzambi dado a uma estatueta, ou o facto de recorrer «directa e unicamente aos bons serviços dos espíritos», estes «agindo por sua vontade e como se fosse por seu próprio poder», dispondo da vida e da morte, da saúde e da doença, - da chuva e da seca, como se fosse DEUS, parece-me, continua Bittremieux, susceptível de uma outra interpretação bem diferente de uma idolatria formal, ou mesmo material.
VUÁ-LUSANGA
Na aldeia do Kakata. Este Nkisi-Nsi «vivia» numa árvore de nome Nunga-Nsende que se encontrava num pequeno bosque, mesmo junto à casa do soba Estanislau Kimpolo.
Havia um outro Nkisi-Nsi de nome KIUNGU-MPATI.
Este tinha o seu habitat em duas mateveiras, tão juntinhas, diziam, «que até pareciam homem e mulher.»
KIVUMA
Era o Nkisi-Nsi do Lusiese. Seu habitat: numa pedra que se encontrava no bosque vizinho. E, convencidos, afirmam tratar-se «de um pedaço de uma estreia, caída em dia de trovoada.»
TULA-KITUNZI
Encontrava-se num embondeiro junto à lagoa deste nome. Era lagoa, em tempos, muito abundante de peixe.
O embondeiro estava pintado a vermelho, branco e amarelo.
NKULU
Um pequeno riacho de nome NKULU MUANA NTELA=Nkulu, filho de Ntela.
Antigamente, dizem, na lagoa que ali perto existia, as canoas não se aquentavam. Canoa que lá se colocasse aparecia no dia seguinte rachada em duas!
MBUKU
Nkisi-Nsi da aldeia do Kinguinguili. Residia numa mafumeira que se encontrava no meio de um pequeno bosque. Estava ela pintada, até à altura de um homem, a vermelho e branco.
As mulheres estavam proibidas de se aproximarem. Eram os homens quem limpava o recinto.
NHOKO-NDOMBE
O Nkisi-Nsi do Banda-Sanvi
Tinha assento numa árvore de nome MBULU (dizem que semelhante à da fruta-pão) no meio de um pequeno bosque.
No dia da limpeza e «benção» cantavam:
Kunhema bantu, kunhema nsí ko - Nsi a bantu.
Gabar-se de ter gente, não se gabar da terra - A terra tem gente.
KIKALA-NGUNGO
Encontrava-se num pequeno bosque o numa árvore NSANHA que lá existia.
Porque se chama Kikala-Ngungo?
Uma mulher, certo dia, foi ao seu campo colher ngungo, uma espécie de Uando (Guando) - Cajanus flavus. Apanhou muito ngungo.
Ao passar junto ao tal bosque onde se encontrava o Nkisi-Nsi ouviu alguém a perguntar-lhe se tinha feito boa recolha.
NGULUNGU-MBUSI
Na aldeia do UANGULO.
Este Nkisi-Nsi encontrava-se no meio do povo, debaixo de um pequeno coberto «muanza».
O que fazia parte do «feitiço» estava encerrado dentro de dois grandes cestos, de dois Ntende-Ngoio.
Ntende = Cesto.
Ngoio = de Ngoio, por ser feito em Cabinda.
Dentro dos cestos havia: ossos de ngulungu, de pacaça e de porco do mato, giz, cal e paus MpalaBanda e de Kindombe.
Os paus tinham que ser tortos, bifurcados ou curvos, e limpos da casca.
Quando faltava a caça ou o pescado nos rios e, sobretudo, nas lagoas, passando bastante tempo sem se conseguir caça e pesca, o dono da terra (Nfumu-Nsi) mandava capinar o local para atrair a bênção do Nkisi-Nsi.
As mulheres, nessa altura, ao mesmo tempo que capinavam, cantavam:
É ... i... à, Ngulungu-Mbusi
Aié... bálale...
Ngulungu-Mbusi
Aié... bálálé...
P. JOAQUIM MARTINS, C. S. SP.
(Historiador Laureado de Cabinda)
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