quarta-feira, 21 de julho de 2010

Comida para Egúngún

Alguns dias atrás eu postei no WWW.olorun.com.br as comidas de Egúgún, entre os itens da lista eu frisei o “carneiro”, é sabido que o povo de Ketu não corta carneiro, muito menos o povo Djedje que não derruba  carneiro por causa se Gbessem, justamente porque esta divindade é o “espírito da vida”, como o carneiro é ofertado para Egúngún, ele se  torna uma contraversão para o povo Djedje que jamais cortará carneiro nos seus  rituais.
Por outro lado algumas vertentes do povo Nàgó costumam derrubar carneiro nos seus rituais, tanto quanto o povo do Batuque do Rio Grande do Sul que oferecem este animal para Xangô, devo observar que mesmo existindo subdivisões familiares encontradas na estrutura do Batuque, este encontra uma raiz plantada numa nação que estende para várias ramificações de uma única nação, existindo costumes e rituais semelhantes que recebem algumas influencias conforme as famílias que estabeleceram aqui no inicio da estruturação da religião no país.

Tais família do Rio Grande  do Sul se dividiram em; Jeje, Oyó, Ijexa e Kabina.

As diferenças entre uma e outra são tênues, que não chegam a classificar nações dividindo o Batuque, pois o que caracteriza um povo e conseguintemente uma nação são fatores como; língua, costumes, divindades e liturgia diferentes. Assim como vemos  dentro do Nàgó as nações de Xambá e Egba, que logo se diferenciam pelos seus  rituais e costumes. O que não ocorre nas subdivisões  familiares que encontramos na estrutura do Batuque Afrosul, que cultuam as mesmas divindades, usa os mesmos Orins e as mesmas  rezas.

Se o Jeje do Batuque fosse o Djedje, as divindades Vodoun influenciariam mais claramente e muito mais forte que o que vemos no culto, e os  orixás deixariam a sua posição para receber o panteão Vodoun. Logo deixariam de  matar o carneiro e  passariam a cultuar o Gbessem, que por sinal é o símbolo do reinado Djedje.

Porem uma inversão muito grande acontece na família do povo Kabina, que possui um ritual vinculado a Egúngún, com liturgia particular e centralizada no culto a Xangô como o rei da nação. Há algum tempo atrás, eu cheguei a produzir uma matéria justamente  falando da similaridade do rei desta nação com o culto à Egúngún desvinculando qualquer  equivoco com o povo da Cabinda de Angolana, nem preciso dizer que seria necessário mais do o hormônio para provar que esta seria a Cabinda, mas observando cada ritual e costumes, foi possível perceber que deveria correr para o lado oposto de alguns autores que coligaram o Kabina com a  Cabinda da Angola. E  claro que a ligação entre os Egúngún e os nkissi foram os fatores primordiais que me  incentivaram a seguir, afinal Egúngún e Nkissi não se misturam muito bem, principalmente Nzaze... Logo, foi confirmado mais um ponto entre a distância do povo Angoleiro e o Batuque RS.

Leia as comidas de Egúngún no http://www.olorun.com.br/ (faça login, procure nação Nàgó)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

O SINCRETISMO ENTRE UMBANDA E O CANDOMBLÉ

Este material foi cedido pelo Ogbeogunda - Marcos Arino, e fica por sua responsabilidade todo conteúdo enviado.
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Necessárias explicações inicias sobre o tema

Este é talvez um dos temas mais antigos e ao mesmo tempo mais atual, sempre esteve na pauta de discussões e deverá continuar a estar por um bom tempo. Ele muda, se transforma e se atualiza, mas no fundo é sempre o mesmo. Estamos falando do problema gerado pela mistura entre os ritos de Umbanda e o Candomblé processo que ocorre em ambos os sentidos, mas, é conduzido em todos os casos por Umbandistas.

O tema desperta muitos sentimentos antagônicos. O motivo de estar sendo abordado aqui é que isso tomou uma proporção maléfica muito grande, incontrolável e traz consigo prejuízos para ambos os cultos. De fato é o caminho para a destruição das duas tradições, o que vai beneficiar apenas os intolerantes. Mas, o fato é que a realidade esta sendo re-escrita de tal maneira que em pouco tempo já não se saberá o que é o certo ou o errado.

Existe um movimento de pessoas de Umbanda para o Candomblé, a maior parte dessas pessoas jamais entendeu o seu culto ou sua pratica espiritual como um religião e se perdiam em uma profusão de sincretismos incompreensíveis. Com a quebra de preconceitos para o Candomblé na sociedade, essas pessoas que na pratica não entendem o que fazem na Umbanda, se transportam para o Candomblé de maneira igualmente superficial e confusa, sem ainda entender este como religião e trazem ainda para o universo do Candomblé os mesmos guias e incorporações que deveriam ter deixado para trás em vista da incompatibilidade entre um pratica e outra. O comportamento indica que elas entendem que estão adicionando mais alguma “coisa” a sua já confusa prática ao invés de entenderam que deveriam estar substituindo completamente o que faziam.

De outra via, esse tipo de pessoa pode não mudar de culto mas traz para a Umbanda liturgia e formatos que não pertencem a Umbanda. Assim vestimentas, adereços, cantigas e ritos de iniciação são grosseiramente copiados apenas para trazer uma novidade ou glamour que a Umbanda não necessita.

Dá-se o nome a esta mistura pejorativamente de Umbandomblé, mas, no dia a dia são as chamadas casas de Omoloco. A palavra não significa nada apenas é usada para justificar essa mistura. No lado do Candomblé proliferam as casas ditas de Candomblé de Angola nas quais poderia haver essa mistura, mas, nem sempre se usa essa nação, as pessoas estão sincretizando de tal forma e naturalidade que em algum tempo talvez nem saibam mais a falta de sentido do que fazem.

Esse processo sempre existiu mas o o quantitativo relativo e absoluto era menor. Agora esta de tal modo disseminado que em pouco tempo a referência do Candomblé como era e como deveria ser vai se perder. O objetivo aqui é explicar porque essas duas tradições são como água e azeite, coisas que não se misturam.

Falar sobre o Candomblé é um dos assuntos preferidos de antropólogos, infelizmente não o de teólogos. Pior ainda, muitos dos acadêmicos que de dispõe a escrever sobre o tema e acabam criando alguma referência sem seus trabalhos fazem um material que mistura de maneira muito ruim uma abordagem étnica como tema, confundindo a suas aspirações pessoais de se manifestar contra discriminações ou o processo histórico de escravidão e lutas sociais em torno disso com o tema de abordar a manifestação religiosa.

O mesmo ocorre em relação a Umbanda. Esses trabalhos ruins de pessoas mal preparadas só contribuiu para tornar o tema sempre mais obscuro. A constatação disso é muito simples e na busca por referências bibliográficas sobre o tema que pudessem ser acessadas livremente pela Internet me deparei com esses casos e alguns fiz questão de listar.

O assunto Candomblé, também, possui dezenas de variações para ser abordado e podemos nos aprofundar em inúmeras coisas diferentes ligadas à religião, história, etnias, origens e pessoas. Todas abordagens são muitos fascinantes e ricas porque lidamos com uma complexidade que vamos deixar clara mais à frente. Assim, qualquer abordagem ao tema é razoavelmente complexa porque temos que lidar com uma grande diversidade. Eu tenho que reconhecer, inclusive, que esse texto foi revisto e re-escrito inúmeras vezes na busca do melhor entendimento e da maior simplificação possível.

Na busca dessa objetividade primeiramente vamos estabelecer que o foco aqui será religioso, vamos ignorar aspectos históricos, étnicos e outros que fazem parte da riqueza do Candomblé mas não servem para o tema.

Um outro fator importante que todos devem entender é que as duas tradições, Umbanda e Candomblé, são muito distintas entre si e não tem a mesma origem e natureza. O Candomblé é uma religião completa e autônoma, a Umbanda é bem difícil de ser classificada, mas, não é uma religião e fica melhor classificada como um culto, que tem que estar ligado a alguma religião. Historicamente tem sido a católica, juntado conceitos da sua seita espírita kardecista (que também não é religião, no máximo também uma seita), mas, abordaremos isso mais tarde.

A religião africana

O Candomblé é uma tradição religiosa derivada principalmente de religiões africanas existentes na Nigéria, terras Yorùbá (grupo Nagô), e no Daomé (grupo Jeje), veremos o motivo disso mais à frente. O grupo Banto, que representava os primeiros negros a chegarem no Brasil em nada influenciaram a formação do Candomblé. Hoje em dia esse conjunto de religiões africanas é chamada de African Traditional Religion – ATR (Religião Tradicional Africana), por falta de um nome próprio. A África tem muitas religiões ou cultos, mas a base do Candomblé está no culto de Orixás e Voduns que se desenvolvem em uma região delimitada e próxima, terras Yorùbá e do Daomé (Benin), e foram trazidas para cá pelos escravos durante a diáspora negra.

Citar a origem religiosa mista do Candomblé como sendo Nago e Jeje é apenas uma elegância que termina aqui nesse reconhecimento e citação. Na prática a religião que é a base do Candomblé é a religião Yorùbá, que é de onde vem os Orixá. Orixá é sinônimo de Candomblé e vice-versa. Intencionalmente vou ignorar a origem Jeje, quando comentar sobre nações o motivo ficará claro, mas, deixando bem claro, agora, toda a abordagem religiosa tem como base e modelo de referência a religião Yorùbá.

A religião Yorùbá, como prática religiosa é muito rica e sofisticada para os padrões africanos. Entendo que é bastante completa e equivalente a outras manifestações religiosas considerando para isso padrões ocidentais. De forma global, ela se impõe facilmente como um religião própria e distinta, não devendo nada para qualquer outra religião. Possui teogonia, cosmogonia, teodócia e metafísica próprias e bem desenvolvidas. Possui uma base teológica consistente e também um oráculo completo. A relação homem-divino é bem definida e os conceitos éticos e morais bem estabelecidos seja pela religião seja pela sociedade civil.

Historicamente o entendimento disso não foi fácil assim. Os primeiros explorados europeus (católicos, anglicanos e protestantes), seja por pouco entenderem o que os africanos falavam, queriam dizer e faziam, sejam por sua própria formação restrita e preconceituosa, classificaram o que viam de muitas formas, na maior parte delas como um animismo ou fetichismo, basicamente por não entenderem ou quererem entender o que viam. O animismo faz parte de qualquer religião em algum grau. A religião católica pode facilmente ser entendida por muitos como animista. Desta forma a religião Yorùbá também tem alguns aspectos animistas, mas, jamais pode ser classificada como sendo uma religião animista.

Essa abordagem, então, impediu que a religião Yorùbá por muitos anos fosse classificada como religião. Esse desrespeito se refletia aqui no Brasil na forma como a nossa tradição era encarada, como um folclore de negros. Só mais recentemente, fins do século XX com o surgimento de alguns africanos buscando uma abordagem mais teológica para o tema, buscando resgatar a sua religião perdida no meio dos inúmeros esforços de catequização é que esse tema tomou essa abordagem de lutar pelo reconhecimento da religião africana como tal.

Mesmo assim, não é simples, a formação bastante cristã de muitos desses teólogos, dificultou a aceitação de suas teses e construções. Muitos reagiram como mais um esforço da comunidade cristã de absorver uma religião infundindo nela seus conceitos de forma a facilitar a migração gradual para o cristianismo.

Outro ponto, já comentado, é a dificuldade em se estabelecer o reconhecimento de uma unidade ou de um aspecto comum, entre as diversas manifestações religiosas dos africanos. O culto é fortemente regionalizado e isso gera a percepção de formas distintas.

Muitos estudioso e observadores viram e ainda vêem nesses cultos distintos e regionais uma significativa distinção e não aceitam que esse conjunto seja designado como uma unidade, como uma religião Africana. Esse aspecto em particular foi então abordado por autores, teólogos ou pesquisadores de origem africana, como Idowu, Mbit, Sato e mesmo alguns ocidentais como Parrinder. Não vou retomar essa longa discussão aqui, e quem quiser se aprofundar que procure ler o que eles escreveram, mas, no que pese a existência de variações regionais esses autores entenderam que existe sim um contexto religioso que unifica na base todas a variações.

Vale a pena comentar que a atenção de acadêmicos e antropólogos para questões africanas sempre foi muito distante. O continente negro, ou como chamavam Dark continent, era visto como tribal, atrasado e apenas quintal das nações européias. Demorou muito tempo para esse continente “obscuro” ser analisado de forma mais séria, não preconceituosa e finalmente por pesquisadores e estudiosos africanos natos.

O entendimento que eu parto após minhas próprias pesquisas e análises, é que existe uma religião africana que deu origem ao Candomblé. Uma religião bem estruturada e consistente que originou os Orixá, Orunmila e Olodumare e toda o meta universo em que se baseia o Candomblé. A nossa base, no Candomblé, é a religião que se manifesta na região Yorùbá e ela é muita clara e bem definida, assim não esta em questão se toda a África tem a mesma religião ou não. Esse é assunto para os autores que citei.

Apesar de toda a dificuldade em se unificar e documentar essa base religiosa devido a problemas muito elementares como a falta da escrita para a língua dele (introduzida somente na primeira metade do século 20 por europeus) e a falta de pessoas para transmitir esse conhecimento teológico devido a diáspora e o assalto religioso feito por mulçumanos e cristãos, muito do que é necessário foi documentado ao longo dos anos e é nisso que nos baseamos.

O Candomblé como religião

O Candomblé não é a manifestação original e exata dessa religião, é uma tradição religiosa originada dessa religião depois do processo da diáspora negra. Como tradição religiosa, representa uma evolução da religião original, uma especialização que estabeleceu a religião africana no Brasil. Esse mesmo processo ocorreu em outros lugares do novo mundo e temos tradições distintas para o Candomblé, para o Lukumi (santeria cubana) e para o Voodoo (Haitiano). São tradições similares, mas não iguais, variando na forma como preservaram aspectos da sua origem africana e no formato como se apresentam na sua prática, mas sem dúvida, todas elas, são muito próximas uma das outras.

O conceito de “tradição religiosa” suporta perfeitamente esse processo e, desta maneira, estamos tratando então, no novo mundo, de religiões e não apenas seitas e cultos, como pejorativamente as religiões não abraamicas são classificadas. O candomblé é assim uma religião completa como a Yorùbá, usa a mesma base teogônica e cosmogônica, mas, sofreu modificações, adaptações e modernizações, seja pela seu estabelecimento aqui como também devidos a distância da África e necessidade de integrar em uma só tradição correntes de cultos de regiões distintas.

Para ficar bem claro esse ponto da tradição brasileira, a religião mantêm os mesmos mitos, ritos, liturgias, cantos, objetos sacros e materiais litúrgicos. A língua Yorùbá é preservada através de orações e cantigas. As liturgias de iniciação são as mesmas ou equivalentes. As mudanças que se fizeram necessárias foram principalmente em tipos de folhas, animais e alimentos que devem ser associados à disponibilidade local. Outras alterações dizem respeito ao conjunto de divindades cultuadas. A cosmogonia foi basicamente respeitada, mas houve simultaneamente uma simplificação, uma padronização e uma unificação no conjunto de divindades que são cultuadas.

Contudo, essas não foram alterações aleatórias, houve um processo estruturado de africanização e localização conduzido pela nação ketu com a ida para África e também a vinda de pessoas com o objetivo de estruturar isso.

Apesar disso, a nossa tradição de fato não reflete exatamente a religião africana, como já foi afirmado. Alguns cultos não vieram na diáspora e só tardiamente foram trazidos e introduzidos, não necessariamente integrados ao Candomblé (que se desenvolveu sem eles), como por exemplo o culto de egungun e Ifá. Outro caso é Gélédé que não existe aqui e acho muito difícil existir, porque ele esta baseado em uma natureza social e ancestral que não não faz parte da nossa sociedade. Vemos práticas ou cultos relacionados a Ajé mas de maneira muito comercial e não como parte da estrutura metafísica de forças.

Alguns tipos de divindades como Ikú e os Ajogun são vagamente compreendidos mas não estão de fato incorporados dentro do culto, as funções de muitas dessas divindades da teogonia foram substituídas por Orixás, que é um tipo especial de divindade. Assim no Candomblé quase tudo é Orixá.

Existem conceitos éticos e morais que não foram incorporados sendo usados uma mistura pouco clara de africanismo, catolicismo e até mesmo de libertinismo (ausência de ética e moral). Esse conteúdo ético e moral foi a maior perda da religião na medida em que não se estabeleceu um padrão que refletisse a base moral da religião original. O que ficou foi uma bagunça com margem para qualquer tipo de interpretação. Dessa maneira a ética e a moral existem na religião, mas, são pobre ou confusamente representados na tradição brasileira, isso é um problema real.

A aceitação africana da nossa tradição bem como das demais tradições do novo mundo também não foi fácil. Podemos dizer que hoje o Candomblé se impõe, mas, inicialmente, a questão de ancestralidade pesou em uma visão cética dos africanos em relação a nossa capacidade de representar um culto real aos Orixás

Nesse ponto façamos uma revisão do que já foi aqui colocado até aqui. Em primeiro lugar existe uma religião completa, rica e estruturada na África que serviu de base para o Candomblé. Essa religião tem origem na região Yorùbá e esta muito longe de ser apenas um animismo, sendo uma religião completa até mesmo para os padrões ocidentais, comparável ou superior a formas abraamicas.

O Candomblé é uma tradição dessa religião, que sofreu modificações mas preservou a religião em si, assim, o Candomblé, é uma religião independente e completa sem nenhum vínculo, ligação ou dependência com as religiões abraamicas. O Candomblé é uma religião afro-brasileira porque, se originou de uma religião africana mas desenvolveu padrões locais para o seu culto.

O Candomblé e suas nações

Contudo, depois da questão da religião africana de referência nos deparamos com a própria diversidade do Candomblé. Não podemos nos referir ao Candomblé como uma coisa única, quando falamos Candomblé, infelizmente não estamos nos referindo a uma tradição religiosa homogênea e isso sempre torna complexo o assunto. Chamar o complexo Jeje-Nago como Candomblé é de fato uma grande simplificação.

O Candomblé tem uma origem bastante diversa e esta longe de representar uma unidade, sendo chamado de culto de “Nação”. O termo esta relativamente sendo pouco usado hoje em dia para nomear o Candomblé, mas ele significa o reconhecimento de que o Candomblé é de fato uma tradição composta por várias nações diferentes e que cada uma dela preservava uma identidade étnica com uma distinta origem africana. Esse conjunto é coberto aqui no Brasil pela denominação comum “Candomblé”.

Essa diversidade já foi muito forte, hoje em dia, lamentavelmente essas manifestações distintas da tradição que refletiam características também distintas de cultos de acordo com a nação original dos negros esta muito perdida. Houve um sincretismo interno e as práticas da nação Nago Ketu, que foram melhor estruturadas, documentadas e divulgadas tem se tornado um padrão de referência, fazendo desaparecer as características próprias das demais nações. É o que a gente chama de “ketunização”.

Com o passar dos anos, as pessoas antigas de cada nação vão falecendo e são substituídas por outras sem apego a essa distinção. A liturgia e ritos do Ketu, tão conhecidos, complexo e vistoso, acaba sendo absorvido e adotado. Um exemplo clássico disso é a liturgia de raspar a cabeça, que sempre foi padrão no Ketu mas não em todas as demais nações. Hoje em dia é difícil uma casa que não raspe.

Devido a esse processo, por um lado, o Candomblé perde um pouco a sua riqueza cultural e, por outro, se unifica. Podemos definir que existem 3 grandes grupos de nações, o Nagô, o Jeje e o Angola. Muito pode ser dito sobre as suas distinções e variações mas como mencionei no início, isso não interessa aqui, de maneira que quando estivermos falando de Candomblé estamos nos referindo ao Candomblé Nago e as Nações que compartilham a mesma teologia. Entretanto não custa deixar um comentário polêmico sobre esses grupos.

O Candomblé de Angola parece apenas uma cópia do Candomblé Nago no qual houve uma mudança de língua, substituindo o Yorùbá por alguma forma de Bantu. Mas a estrutura da religião é equivalente. Trocar os nomes não cria uma nova religião. Se o Candomblé de Angola for aceito como um referência autêntica (o que acho questionável) então a tese dos africanos que existe uma única base para a religião africana estará comprovada. A região do Congo-Angola é bem distante da Yorùbá para ter um culto tão similar. Outro ponto é que alguns pesquisadores não encontraram no Congo-Angola qualquer manifestação similar a essa aqui, nem mesmo as divindades. Dessa maneira o Angola parece longe de ser um manifestação autêntica e original e eu nem considero ela em qualquer abordagem religiosa.

No caso do Grupo Jeje é distinto. A gente vai encontrar, contudo e principalmente no norte-nordeste do Pais, e no recôncavo bahiano, manifestações Jeje muito originais e distintas do Ketu. As práticas litúrgicas são bem diferenciadas apesar de conservar uma estrutura similar. A teogonia e cosmogonia são bem distintas de maneira que o Jeje se parece mesmo como um grupo distinto e autêntico. Contudo, no sudeste, existe uma manifestação de que é como a de Angola, apenas um traço do jeje de fato e uma cópia de Ketu. Geralmente é formado por pessoas que eram de Ketu e depois mudam de nação. Não conseguem aprender de fato como é o Jeje e passam a praticar uma mistura maluca.

Concluindo esse assunto, o que foi explicado é que a denominação Candomblé para a nossa tradição religiosa na realidade é um guarda-chuva para diversos grupos distintos, as nações o que tornava bastante complicado falar sobre Candomblé porque alguns desses grupos como o Jeje e Nago são bastante distintos.

Os antropólogos dividem as nações da seguinte maneira, No grupo Nago ou Yorùbá de nações encontramos: Ketu, Efon, Ijexá, Egba, Batuqte e Xambá. No grupo jeje ou Daomeano temos: Fon, Ewe, Mina, Fanti e ashanti. No grupo islamizado temos: Fulas, Mandingas, Hauça, Tapa, Bomu e outros menores. O grupo Angola é composto por um agrupamento de nações congo-bantu-Angola

Mas o objetivo aqui não é abordar os grupos étnicos e sim a religião de maneira que o foco de interesse é somente as que adotam a teologia Yorùbá, o grupo dito Nago. Na nossa abordagem não vamos entrar em aspectos práticos e litúrgicos

Teogonia Yorùbá

O Candomblé pode ser classificada como uma religião Henoteísta, na qual existe um Deus supremo, regulador e originador de tudo e outras divindades e espíritos que são aspectos de sua manifestação. Essa denominação difere muito do termo politeista mas nesse texto aqui não vamos abordar a comparação com monoteísmo, essa é outra discussão

A divindade suprema tem várias denominação, basicamente títulos para o mesmo e por isso mesmo foi confundido pelos invasores ocidentais como se fossem muitos. Olodumare é o seu nome mais clássico. Abaixo dele temos todo o resto teogonia, na qual temos que destacar Exu, como uma força positiva, portador da energia de olodumare (axé) e fiscalizados da retidão com o culto; Orunmila a divindade do oráculo que conhece o destino das pessoas; Os Orixás que são as divindades que protegem a vida dos homens e são sempre positivas; os ancestres que também protegem as suas linhagens e são uma força positiva; As ajé que são uma força neutra podendo ser usadas para o bem e para o mal e os ajogun que são uma força negativa de equilíbrio.

A religião é re-encarnacionista, acreditando que vivemos e voltamos a viver de novo. O mundo físicos em que vivemos, o Àiyé é o reflexo de um mundo espiritual, o Òrun. Tudo o que existe no mundo físico possui um duplo no mundo espiritual. Como toda a religião ele se centra na figura humana, o divino existe para suportar a sua existência no mundo físico e para essa pessoa atingir os seus objetivos na vida que encarnou. Alguns consideram esses objetivos como seu destino, mas não creio que possamos atribuir esse um caráter tem determinista, considero que toda a existência tem um objetivo a ser alcançado.

Cada pessoa possui um duplo no Òrun que zela por sua vida e esta acima de qualquer outra divindade. As divindades Orixá existem para apoiar e ajudar as pessoas na vida no Àiyé sendo que cada um possui um Orixá que faz parte íntima da sua vida, ele e seu Orixá são feitos dos mesmos elementos, mas permanece o caráter que a determinação desse Orixá é feita para apoiar no destino que ele escolheu para si. Entretanto, apesar da pessoa ter apenas um Orixá próprio, com elementos comuns, todos os Orixá podem ser chamados para ajudá-lo ou podem espontaneamente se prontificar para ajudá-lo.

O oráculo de Ifá existe para estabelecer a comunicação entre o homem e o divino entre o homem e o seu destino. O sentido do uso do oráculo é para a pessoa se orientar em relação ao seu destino e pedir ajudar quando esta tendo dificuldades. Quando isso ocorrer ela recebe ajuda do próprio olodumare através da divindade do Oráculo, Orunmila e de Exu.

Não existe o conceito de Karma e a re-encarnação é feita dentro da mesma família. A linhagem familiar é a coisa mais importante e a pessoa vive para sempre através de seus filhos e netos.

Os Orixá não são elementos da natureza, mas se identificam e usam forças e elementos que estão na natureza. Essa imagem enganosa de que Orixá são elementos da natureza é um desconhecimento e parte do sincretismo negativo, uma associação com cultos europeus ou mesmo o politeísmo greco-romano. Esse engano é inadvertidamente adotado pelos candomblecistas descompreendidos de plantão.

Os Orixás para se manifestarem em terra ajudando as pessoas precisam de médiuns, de “montarias” como os africanos dizem. O Orixá monta do seu elegun. A pessoa para poder incorporar um Orixá passa por um longo processo de preparação e limpeza espiritual e física. A iniciação é uma mudança profunda na vida da pessoa com rituais e liturgias complexas.

Os Orixá se manifestam no Àiyé somente através dos seus Elegun, pessoas especialmente preparadas para isso. É a presença deles aqui que viabiliza a transmissão e transformação da energia vital de olodumare para nosso benefício (o axé). As palavras são muito importantes para os Yorùbá. As rezas e pedidos devem ser ditas e não pensadas. A palavra tem energia e conduz o que precisamos. Os tambores do Candomblé, usados nos chamados Xire são os elementos que criam uma zona cinzenta entre o Òrun e o Àiyé permitindo o transito dos Orixás entre os 2 mundos espirituais.

O sincretismo do passado entre o Candomblé e o Catolicismo

Como ocorreu com outras tradições da diáspora, o Candomblé foi obrigado a realizar um sincretismo de imagens com a Igreja católica. Os motivos históricos são muitos simples, proibidos de praticar sua religião ou provavelmente de ter o seu espaço religioso e ritos, as imagens de santos católicos foram sincretizados com seus deuses.

O mito diz que o Negro fazia o seu altar, colocava o santo em cima e debaixo do santo coloca o igba ou apenas o okuta do seu Orixá. Assim pensavam que ele estava ali rezando para São Jerônimo mas ele estava rezando para Xango. Acho essa visão bastante romântica e simples mas útil para explicar o motivo do sincretismo. Imagens católica sincretizavam Orixás que não são representados por imagens, mesmo na África.

Referenciando ao início o objetivo aqui não é antropológico de maneira que não vou desenvolver o assunto com suas dezenas de variações, mas, sob o ponto de vista religioso, o processo de sincretismo sempre foi historicamente incentivado pela igreja católica como parte do processo de substituição dos cultos religiosos da população. No caso do Candomblé a origem esta ligada a um interesse dos africanos e descendentes de ter objetos sacro aceitáveis, mas como em todos os casos com o tempo, as gerações seguintes iam perdendo esse sentido e acabavam de fato misturando as coisas.

No século XX, já com escravos libertos a organização do Candomblé como religião ainda enfrentava obstáculos terríveis. Não era aceito como uma religião e sim enquadrado como folclore ficando então sob o âmbito de controle da polícia civil. Os terreiros tinham muita dificuldade para funcionar buscando ficar o mais afastado que podiam da zona urbana, mas mesmo assim, com o crescimento da cidade isso ficou anulado e não se pode simplesmente mover um terreiro.

De novo se recorreu ao sincretismo se espalhando imagens católicas pelos terreiros para descaracterizar uma religião africana e sim um culto católico inibindo assim uma ação direta contra o seu funcionamento. Todos os terreiros tinham nomes de Santos católicos.

Mas esse tempo acabou e hoje em dia existe um movimento muito claro de de-sincretização. Somente pessoas mais antigas que passaram a vida cultuando aquele sincretismo ainda o mantêm mas a grande maioria entende que esse sincretismo não tem utilidade e não tem motivo para existir. É falha qualquer abordagem que suponha que o Candomblé se sincretizou com o catolicismo ou que tenha evoluído dessa maneira. O Candomblé não é a consagração do sincretismo, isso foi, temporário, para uma utilidade específica e já plenamente superado. Quem pensa assim ou repete isso é acima tudo tudo um idiota. Em mais alguns anos com a passagem das pessoas mais antigas é provável que não exista mais nenhum lugar de Candomblé com imagens católica ou referências sincréticas.

O único motivo que pode levar a continuidade dessas imagens ligadas ao Candomblé são pessoas da Umbanda que vem de um culto completamente confuso no que diz respeito a sincretismo, trazerem de volta isso. Mas esse movimento nocivo não representa nada a não ser ignorância e estupidez.

A prática do candomblé

O Candomblé não possui nos seus ritos a pratica de incorporação como método ou rotina. Pelos padrões Nago (Ketu) e que são usados por quase todos as demais variações (nações), os Orixás quando no Àiyé pouco se comunicam verbalmente. A presença deles é feita junto com os cânticos e um Orixá se manifesta através de sua dança quando da realização de um Xire, que é quando eles fazem o seu trabalho de transporte de transformação de axé. Mas Orixás não são mudos, se comunicam com o babalorixá quando necessário.

Os Orixá podem falar, dar orientações e conselhos, isso é feito em algumas nações, principalmente Jeje e afins. Mas, como o modelo de referência usado nesse trabalho é o Yorùbá onde os padrões Nago são os mais adotados e copiados, não vou considerar mais a condição de Orixá falante para simplificar a linha de pensamento evitando assim ter que citar exceções junto com cada consideração que for feita. Normalmente no Nago um Orixá se comunica com as pessoas e a comunidade através do seu Ere. Assim encerrada aqui a não relevância para o nosso tema de Orixás falantes.

A comunicação entre o divino e as pessoas no Candomblé é através do Oráculo. A religião entende que devemos viver nossa vida por nós mesmo, com ética e caráter, o Oráculo nos orienta e nos ajuda mas não interfere no que queremos fazer. Traz as mensagens e orientação de nosso Ori, nosso guardião ancestral que fica no Orun e é o nosso duplo, e nos trás a ajuda de Olodumare através de Orunmila ou dos Orixá. Não existe então no Candomblé o procedimento de pessoas baterem na porta de uma casa para se consultarem com um Orixá. Não vão sentar em uma assistência e receber fichas.

A forma de se comunicar é através do Oráculo e a palavra é sempre do Babalorixá da casa. Ele transmite as mensagens e o conhecimento. É ele que ensina, orienta, dirige as casas, trabalhos e transmite as mensagens do Orun através do seu oráculo. Não existe casa de Candomblé sem Oráculo, assim como o que o Babalorixá diz representa o que é dito naquela casa, seja isso para o bom ou para o mal. Um Babalorixá deve então se preparar para a função, ser uma pessoa escolhida pelo Orixá para isso.

Nenhum Orixá vai aparecer para substituir a palavra do Babalorixá ou falar por ele, é justamente o contrário, o Babalorixá fala pelo Orixá.

É senso comum que a incorporação do Orixá é bem mais sutil do que em outros cultos, é uma incorporação de expressão e não de dominação, mas esse entendimento e práticas podem variar. Contudo o que não varia é que o dirigente de uma casa, o Babalorixá ou Iyalorixá são as pessoas que diretamente se comunicam, agem e transmitem a sua comunidade o que deve ser feito. Fora dentro de um Xire o trabalho em uma casa de Candomblé, seja no oráculo ou seja nos trabalhos determinados pelo Oráculo, é feito com as pessoas não incorporadas. O dirigente deve ter conhecimento do que tem que transmitir, orientar e ensinar às pessoas que frequentam a casa.

Como é o dia a dia de uma casa de Candomblé, já que não existem seções diárias ou semanais para consulta com os Orixás? Bom, bem chata para muitos. Um terreiro reúne seus Orixá quando faz o seu Xire, é nesse dia em que o Axé circula na casa. Fora dessa data as atividades se concentram na manutenção normal da casa, suporte a obrigações de iniciados (membros da casa) que estejam em andamento, atendimento pelo babalorixá à pessoas que o procurem, etc...

Uma casa de Candomblé se movimenta através do trabalho de obrigações dos seus membros, dos Xires periódicos e nos ebós e oferendas designados pelo Oráculo.

Adicionalmente, existe um dito que onde tem Orixá não tem egun, ou seja, em casa Lésé Orixá não pode ou deve existir a presença de eguns, espíritos de pessoas passadas, ara orun. A manifestação do Orixá no Àiyé exclui a manifestação de espíritos ancestres ou mesmo dos guias de Umbanda. Uma casa de Orixá é preparada e cultuadas para manter esses espíritos em uma área delimitada e fora de seus espaço principal. Não se trata de um impedimento verbal e sim espiritual. A energia de uma casa de Lésé Orixá mantêm a casa preservada para os Orixá e afasta os demais espíritos. Em uma casa Lésé Orixá em pleno funcionamento não haverá condições de Guias de Umbanda se manifestarem.

Origens e fato relevantes sobre a história da Umbanda

A Umbanda conforme conhecemos hoje foi criada em 15 de Novembro de 1908, em Niteroi pelo caboclo das sete encruzilhadas. A partir dessa data estabeleceu-se formalmente o culto da Umbanda. Esta é a história oficial conhecida por todos.

Eu percebi, e tenho que registrar, que existem algumas versões diferentes dessa história e me dei ao trabalho de conhece-las, mas. vou registrar a história dessa busca em outro texto, um “making off”. Minha conclusão é que são apenas delírios, podemos ignora-las.

A maior parte da confusão gira em torna de uma manifestação anterior à Umbanda de incorporações de espírito, que pode ser entendida como o culto da Macumba, de raízes ou bases africanas, possivelmente Bantu, mas, que não pode ser identificado com a Umbanda. Esse culto acabou, foi superado e totalmente absorvido pela Umbanda e virou apenas um tipo de Umbanda, aderindo a ideologia e teologia da Umbanda e guardando remotos traços de seu formato original.

Nesse processo “darwiniano” de seleção natural, a Macumba perdeu suas características africanas. Esse fato não consegue ser absorvido por muitos que certamente estão mais identificados com questões da afirmação negra e fazem questão de se apegar a isso e tirar o crédito da Umbanda, uma religião que se identificou como brasileira e perfeitamente inserida nos valores da sociedade comum brasileira de classe média, urbana e mestiça.

Assim existem inúmeras tentativas de re-escrever e interpretar a história no sentido de alinhá-la com ideologias, não com fatos. A história da Umbanda é farta dessas iniciativas. A questão negra e a discriminação fazem ou fizeram um grande esforço nesse sentido de re-interpretar e até mesmo discriminar a história da Umbanda, inserindo as visões de africanização ou des-africanização ou empretecimento e embranquecimento. Como eu me expressei, considero apenas delírios pós-fato.

Não quero ser mais um a re-escrever e re-interpretar essa história, mas, tenho certeza de que não vou fugir desse rótulo. O que vou fazer a seguir é me esforçar para apenas olhar os fatos na visão da religiosidade tendo como motivação a religiosidade que predominou e a que faz com que a Umbanda seja reconhecida por todos.

A história da Umbanda esta bem documentada, confusamente posso dizer. Quem se interessar vai facilmente perceber os detalhes da sua criação e os desvios posteriores que teve, em livros, artigos e textos facilmente acessíveis. Um pequeno resumo dessa história é necessária para a finalidade do tema aqui proposto.

A Umbanda surgiu, sem dúvida, de uma divergência no Kardecismo, um conhecido culto espírita que veio da França para o Brasil e aqui floresceu e se difundiu pela sociedade civil, notadamente de classe média. Em determinado momento novos espíritos quiseram se manifestar incorporados em seções espíritas e isso não foi permitido. Foi nesse momento que a Umbanda surgiu.

Esses guias se auto-denominavam índios (caboclos) e pretos-velhos, mas, os dirigentes Kardecistas consideravam que não seriam espíritos evoluídos para poder trabalhar com eles devido a forma como se manifestavam incorporados. Eles preferiam trabalhar com espíritos que se apresentavam de uma forma mais evoluída e condizente com a classe social deles, como médicos e religiosos. Os Kardecistas identificavam dessa maneira a capacidade do espírito com a pessoa com que foram em alguma de suas encarnações, talvez o última delas. Parece estranho, mas, é isso mesmo.

O surgimento desses espíritos no Kardecismo, nas mesas Kardecistas é certamente o principal ponto de indeterminação histórica. Podemos supor que esses espíritos que já se manifestavam na Macumba e passaram repentinamente a aparecer também nas mesas Kardecistas. Acho improvável.

A hipótese mais razoável é que vários médiuns Kardecistas, segundo fontes relatam, tinham também contato com o culto da Macumba que existia em zonas rurais, suburbanas e mais afastada do centro da cidade. Eles entenderam que essa também era uma manifestação autêntica de espíritos do bem e viram valor e utilidade maior no trabalho através deles incorporados, com o objetivo de ajudar pessoas e também os espíritos perdidos no nosso plano. Eles viram assim a oportunidade de fazer um trabalho similar, mas, com maior alcance e força do que unicamente a forma que o Kardecismo apresentava para ajudar pessoas. .

Esses médiuns, com contato com ambas as práticas, devem ter trazidos esses espíritos para se manifestarem no Kardecismo, aproximando-os da sua sociedade e do seu dia a dia, uma vez que possivelmente o seu espaço original, a Macumba se afastava por demais da sua conveniência. Apesar do interesse deles, médiuns, não houve como conciliar a visão do Kardecismo sobre o processo espiritual e sua codificação e a aceitação desses espíritos. Isso levou por fim a criação da Umbanda. É importante observar que a Umbanda foi de fato a criada por Zelito e pelo Caboclo das 7 encruzilhadas em 1908, e era uma manifestação nova, não era a Macumba, já existente.

Se a Umbanda fosse apenas a mesma Macumba não teria sido necessário a manifestação do Caboclo através do Médium Zelio Moraes. No que pese a clareza e veracidade dessa história, dessa divisão clara entre a macumba que já existia e a Umbanda que surgia, isso ainda hoje é uma grande confusão devido aos sempre maléficos efeitos do sincretismo e principalmente de pessoas motivadas a recontar essa história para atender suas próprias ideologias.

A prática, como foi estabelecida pelos fundadores da Umbanda, permitia o trabalho dos caboclos e pretos-velhos mas não admitia ainda muitos elementos dos rituais da Macumba. Não haviam os atabaques, todos usavam branco e os elementos litúrgicos eram flores e água. Haviam os espíritos em terra fazendo caridade, como definia o próprio Caboclo das 7 encruzilhadas.

A Umbanda foi criada com um formato mais aberto para o trabalho com espíritos, desconectado da rígida codificação Kardecista, urbana, mas baseado, sem dúvida, na filosofia do kardecismo. A Umbanda não era elitista como o Kardecismo sempre foi e tinha um formato que permitia a sua prática por todas as camadas da sociedade, além de como já explicado ser um culto notadamente brasileiro e católico. Em relação a macumba a Umbanda estabelecia um formato menos mistificado e mais compreensível e aceitável pela sociedade comum sem prejudicar a incorporação e o trabalhos dos espíritos.

Dessa maneira o sucesso da Umbanda em relação à manifestação anterior, a macumba e a qualquer outra, veio através de incorporar a base católica, religião plenamente conhecida por todos, a codificação Kardecista que estrutura muito bem os novos elementos (espíritos, Karma, encarnação) e o trabalho com espíritos incorporados (guias) da Macumba. A Umbanda por si adicionou a isso suas linhas de trabalho e hierarquias espirituais que ordenou o conjunto de espíritos distintos que se incorporavam em um médium.

Explorando esse último ponto, o formato do culto, é muito difícil, a luz dos fatos e não das invenções, como vamos ver, estabelecer a Umbanda como uma tradição religiosa de matriz africana ou afro-brasileira. Muito autores também já reconhecem a Umbanda como sendo uma religião brasileira, ou “A” religião brasileira, por natureza.

A Umbanda com o passar do tempo e através da sua simpatia com o processo de sincretismo adotou muitas outras formas de ser praticada, talvez centenas, diferentes da original e cada forma adicionou em maior ou menor grau novos elementos religiosos ou litúrgicos das fontes que sincretizou, mudando assim o formato dessa “nova” Umbanda em relação ao original. Apesar de todas as variações e criatividades das adições, os formatos derivados ainda mantiveram a mesma base principal kardecista-católica da criação da Umbanda.

Voltando ao princípio, a incorporação de ritos e estética africana foi resultado de um dos processos de sincretismo, talvez um dos primeiros, mas não foi o único, e criou uma forma muito popular de Umbanda (talvez a mais popular), mas, não podemos considerar que esse formato se constitui a base da Umbanda. Ele é apenas o resultado de um dos muitos sincretismos feitos a partir da Umbanda-base que veio com o Caboclo nas 7 encruzilhadas e era fundada nos princípios do Kardecismo-católico. Além disso não podemos dizer que a Macumba foi a fonte única desse sincretismo africano, pelo contrário, ele teve várias fontes.

Desviando um pouco da linha histórica, entendo que, classificar a Umbanda como parte da matriz africana ou de religiões afro-brasileira, foi uma forma explícita de discriminação. Não quero também negar o óbvio, a junção africana. Ela existe e é muito popular, mas existem muitas outras formas de Umbanda que não se identificam com isso, de maneira que não existe sentido em classificar o todo usando somente uma de suas partes.

Essa referência à discriminação é feita porque durante muito tempo uma das formas de restringir a prática e caracterizar como uma manifestação menor ou atrasada era justamente estabelecer raizes africanas, ou melhor ligações com negros. Esse aspecto inclusive torna ainda mais complicado do que já é uma discussão independente sobre Umbanda, em parte, e Candomblé sempre, em seus aspectos religiosos ou históricos. É muito complicado querer tratar de religião quando o tempo todo existe uma discussão ideológica sombreando, se confundindo e misturando com isso, as idéias ficam mais difíceis de serem tratadas. Provavelmente é o que ocorre também com o Judaísmo e o semitismo.

Prosseguindo em nosso desvio, existe uma fusão principalmente do Candomblé com a identidade negra e ambos sofreram um forte processo de discriminação. Hoje em dia já existe, de fato, uma sutil, mas real, separação disso e o Candomblé como religião não pode mais se identificado com a causa negra. Ele não é mais discriminado na sua prática, já se espalhou pela sociedade como um todo atingindo todas as classes sociais e seus sacerdotes, se transformou em mais uma religião de acesso comum e tem em seu clero e frequentadores uma grupo cada vez mais estão “embranquecido”. Atualmente casas de Candomblé com sacerdote e maioria de negros são muito raras. A predominância é de brancos, morenos e mulatos claros, aliás, como é a sociedade civil.

Esse movimento é recente, iniciou provavelmente em maior volume nos anos 80, mas a história mostra que a associação de alguma cultura e religião com negros sempre foi uma forma fácil e simples de gerar um preconceito e legitimamente combatê-los. A Umbanda caiu nessa rede africana e só foi começar a se libertar na década de 30-40 junto com o novo. Dessa maneira a classificação afro-brasileira para a Umbanda, pode ter sido apenas uma questão de ignorância, mas foi também uma forma de conter o seu culto.

Voltando a linha principal, finalmente, existe uma corrente de pessoas que pensam que a Umbanda não foi criada em 1908, que ela na realidade era a Macumba e sempre existiu antes. Engano, as formas são muito diferentes, o que conhecemos como Umbanda surgiu de fato em 1908. Esse grupo é fortemente identificado com essa busca de identidade negra e tenta assim confundir a história e se apropriar de uma identidade que não lhe pertence.

Eu não posso encerrar aqui, este assunto sobre a história da Umbanda, sem fazer menção a primeira conferência de Umbanda, promovida em 1941, que foi uma reação radical ao sincretismo africano. A conferência, foi certamente promovida por descendências das correntes que criaram a Umbanda, teve como principais resultados a quebra de qualquer vínculo doutrinário e histórico com tradições afro-brasileiras e a definição de uma base comum doutrinária para a Umbanda (mais do que apenas teologica) que foi o pilar para a aceitação pelo estado e sociedade como uma religião.

O resultado desse congresso influencia a prática e o entendimento da Umbanda até hoje. A partir desse evento e também de outras iniciativas das lideranças da época a Umbanda deixou de ser perseguida em sua prática pela polícia.

O congresso estabeleceu a tese de que a Umbanda sempre existiu e teve uma origem, nobre, pura e oriental. Sugiro aos interessados em buscar informações sobre o seu resultado da conferência.

De fato acho a maior parte de suas teses delirantes, quase que apenas uma manifestação de preconceito, personalismo de alguns e completamente tendenciosa. Mas sem dúvida ele confirma a ligação umbilical da Umbanda com o Kardecismo e o Catolicismo expurgando qualquer referência africana e Yorùbá. A Macumba fica assim caracterizada como um movimente separado, sem vinculo doutrinário. De fato o congresso estabeleceu as práticas africanas como um desvio negativo da Umbanda milenar.

A linha oriental rem sido uma das mais atuantes da Umbanda. São pessoas muito esclarecidas e antes de todos os demais, começaram a produzir livros e teses sobre a filosofia da sua linha de Umbanda. Os livros são de autoria de “mestres” com nomes estranhos. Na ausência de outras obras ou concorrendo com outras poucas obras eles acabaram virando uma referência forte. Só recentemente uma pessoa que representa uma linha pode demais africana abriu uma “fábrica” de livros e busca através da saturação impor a sua idéia em um movimento similar, mas, mais intenso do que o orientais fizeram.

Outras correntes e teses poderão vir. A Umbanda é por demais sincrética para ficar imune a isso, mas, o que tem que importar são os fatos de sua história e não as teses que se inventam.

As bases religiosas

Tendo claramente como base a chamada codificação Kardecista, a Umbanda também é baseada em teologia Cristã, na verdade Católica. O Kardecismo não é uma religião, não tem teogonia ou cosmogonia, ele assume uma face de estudo “científico” de espíritos, reunindo filosofia, ciência e religião. Ele trouxe para a teologia católica conceitos hindus de re-encarnação e Karma, comunicação com espíritos, evolução social e caridade.

O kardecismo fundamentalmente adiciona à base católica o encarnacionismo evolutivo e a existência de espíritos no plano dos vivos, ambos não existentes no catolicismo tradicional. Na verdade a questão da re-encarnação é muito restrita no catolicismo porque ele admite para o Cristo mas não para os demais, não na vida comum e não com o sentido de um processo de evoluir e melhorar a sua alma. A questão dos espíritos entre os vivos é reconhecida pela Bíblia desde o antigo testamento mas sempre foi tratada de uma forma negativa e cujo contato deveria ser evitado.

No Kardecismo toda a sua filosofia existe para sustentar e dar consistência a essas 2 idéias, da re-encarnação como um processo contínuo e dos espíritos que vivem e influenciam nossa vida. O Kardecismo cria uma mundo espiritual com níveis de evolução e estabelece o processo do Karma para atravessar todas as encarnações. A vida é uma atribulação do espírito e uma passagem de sofrimentos. Ele deve passar por tudo isso para evoluir e não mais ter que encarnar novamente , os espíritos podem se perder na terra quando partem e não alcançar o céu e mais necessitam de auxílio aqui e no céu para se recuperarem de uma vida de maldades, etc.

O kardecismo cria uma tese bem elaborada para sustentar esse conceitos e também faz uma re-leitura da Bíblia de acordo com essa sua visão, descobrindo na Bíblia todo o fundamento que precisa para apoiar as suas teses, assim Jesus seria também um Médium ou apenas um grande médium. Mas não vamos nos aprofundar no kardecismo. O que importa aqui é que todos que conhecem minimamente a Umbanda reconhecem dentro dela a existência dos mesmos conceitos. Para os que não conhecem então fica a afirmação de que a base mais sólida de conceito metafísico e religioso da Umbanda é o que é pregado pelo Kardecismo. Isso é uma constante seja qual for a variação de Umbanda que se analise.

Em relação a base católica, ela é que alimenta a fé em Deus. Os evangelhos são a inspiração, o novo testamento é o texto base e as orações da Umbanda passam pelas católica e pelos seus santos de devoção. Todo o simbolismo sacro católico é adotado e cultuado. O Kardecismo oferece a estrutura para entender os espíritos mas a religião vem do catolicismo. Deus é o Abraâmico.

Apesar dessa ligação Kardecista e católica a Umbanda em si carece de um teologia organizada. Pelo fato de adotar as teses de outros e os livros sacros de outros e não sendo uma religião autenticamente revelada (relativamente apenas) ela não tem a sua própria identidade ou melhor uma unidade. Como já mencionei antes, a base conceitual da Umbanda é composta dos livros sacros católicos que estabelecem a teologia principal, a codificação Kardecista que complementa essa teologia com teses, conceitos e até dogmas para suportar a adição dos conceitos de plena re-encarnação, de Karma e de encarnação de espíritos. A Umbanda por si adiciona a isso suas linhas trabalhos que regem seus caboclos e demais guias, estruturando distinções, especializações, níveis de evolução e missões espirituais. Entretanto é nessa última parte que reside a maior divergência e possivelmente falta de unidade.

Aqueles que se envolveram com a Umbanda fizeram essa compilação, mas, apesar de alguma convergência diferentes teses foram construídas em torno desse tema, ilustrando as diversas vertentes e ramificações que a Umbanda tomou. Essa multiplicidade, não tão grande assim de fato, é resultado do sincretismo e não ajudou em trazer unidade teológica a Umbanda. Por outro lado a Umbanda não é proeminente em cultivar conceitos. Esses conhecimentos quase que ficam restritos a esses tratados e não aos praticantes de forma ampla. Na prática do culto, os dirigentes e guias fazem referência a esse conhecimento na medida em que necessitam. Não existe método e doutrina para seguir e divulgar isso, a Umbanda é eminentemente uma prática com uma teologia descuidada. Com isso sua vulnerabilidade teológica é muito grande, ou melhor sua flexibilidade é muito grande em aceitar teses quaisquer. Neste sentido a Umbanda se tornou a “religião” brasileira por excelência. Nasceu aqui e incorporou gradativamente dezenas de outras manifestações similares que existem todas debaixo do mesmo nome, Umbanda.

A Umbanda nasceu dessa maneira, Kardecista e Católica usando a codificação Kardecista, o evangelho e todos os santos da igreja católica. Não existe na origem da Umbanda qualquer relação com qualquer religião africana, mais ainda, especificamente com a Yorùbá, cuja teologia e base metafísica é a mais consistente dentro do Candomblé (já tratei disso). Não vamos encontrar mesmo atualmente nas formas de Umbanda africanizada qualquer junção ou ponto comum com a teologia Yorùbá. O máximo que ocorre com a Umbanda e o Candomblé é o uso do nome das divindades, um efeito de um sincretismo barato e não de um ecumenismo religioso.

O envolvimento da Umbanda com a África se deu através dos pretos-velhos, que são espíritos que se manifestam como escravos mortos. Claro que esses escravos eram africanos, mas nem todos, porque uma grande parte sem dúvida nasceu aqui no Brasil, filhos de escravos africanos. Não podemos garantir que todos os pretos-velhos que se manifestam na Umbanda represente os negros que tenham vindo diretamente da África. Na verdade, em muitos anos de convivência com esses guias eu jamais conheci algum que tenha dito que veio da África e que descreva qualquer coisa de um navio negreiro. Todos os que conheci apenas relatavam coisas e situações de cativeiro sendo assim mais possivelmente filhos da terra.

Além disso, notoriamente esses espíritos se referenciam às regiões africanas de Congo e Angola. Nenhum faz referência a nenhuma região ou cidade Yorùbá. Relembrando o que já abordei, a religião que domina o Candomblé é a Yorùbá. A segunda maior força é a Jeje, que vem da região do Daomé, que fica ao lado da região Yorùbá e muito longe do Congo-Angola. A nação Angola do candomblé, como já dito, não guarda qualquer referência com nenhuma religião ou culto existente ou que existia em Angola.

A não existência através desses guias de qualquer vínculo direto com a África ou com qualquer forma de religiosidade Africana, e mais a religiosidade predominante na religião de fato afro-brasileira, o Candomblé, é uma coisa relevante no nosso tema, porque mantêm a Umbanda, como tenho afirmado, como sendo então de raizes religiosas legitimamente brasileiras. As mesmas que estou estabelecendo desde o início do assunto. Esta foi a razão de ser necessário primeiro descrever quais e como eram as bases religiosas de tradições religiosas genuinamente africanas e que se transformaram também em genuínas tradições afro-brasileiras. Ao analisar a religiosidade presente na Umbanda encontramos os elementos católicos já descritos, mas, não encontramos os elementos religiosos das religiões africanas ou afro-brasileira que temos. Essa ausência vem do princípio da Umbanda até a atualidade.

Esse aspecto de não ligação direta com a religiosidade africana se torna mais forte quando seguimos analisando os tipos de guias que se manifestam nas linhas de Umbanda. Além dos Pretos-velhos, os outros guias que se manifestam são os Caboclos - índios brasileiros- ou boiadeiros, transposição desses personagens para o nordeste, dessa maneira não são africanos e não tem vínculos africanos. Temos a linha de crianças, beijada, também brasileiros. Na linha das águas a presença de sereias e yaras, brasileiros da mesma forma, Outros são os Exu, que apesar desse nome não tem qualquer vínculo com o Exu, Orixá do Candomblé. Tipicamente são também personagens urbanos Brasileiros, nenhum é africano.

Com esses fatos podemos afirmar que mesmo através dos guias (espíritos) que trabalham na Umbanda, não existe referência que os ligue a religião Yorùbá que é base do candomblé. Outra dimensão é a teológica e nesta como já descrevemos a teologia Yorùbá e também a base da Umbanda não existe mesmo hoje qualquer pessoa da Umbanda que conheça, entenda ou possa explicar qualquer parte da Teologia Yorùbá. Assim não existe ligação entre a teologia Yorùbá e a Umbanda.

Essa afirmação é baseada em todo o desenvolvimento que foi feito até aqui. Iniciando pela teologia Yorùbá, passando pela história da Umbanda e concluindo com a análise da religiosidade da Umbanda. Como eu citei no início e em vários momentos ao longo do texto, o que atrapalha muito nessa discussão são as teses pessoais e ideologias baratas e sem conteúdo que se apropriam de fatos históricos e elementos que não lhe pertencem para se justificar.

Mas, se e então não encontramos essa ligação teológica com a religião Yorùbá e com o Candomblé qual a ligação da Umbanda com ritos afros que levou ela a ser considerada uma religião afro-brasileira?

Por fim resta-nos o ultimo elemento, os ritos e liturgias.

O vínculo com a África

Seguindo a linha que iniciamos, a Umbanda se caracteriza então como uma manifestação de religiosidade brasileira, mas que ao longo de seus anos foi absorvendo sob o seu teto inúmeras correntes de orientações distintas, mas, apesar disso o resultado final do culto sempre fez prevalecer a base Kardecista-católica da Umbanda.

Tenho que reconhecer que essa é uma leitura bastante particular da história da Umbanda, mas, sempre é mais fácil analisar a história olhando o todo do que a cronologia em si. Muitos podem questionar que estarei aqui eliminando vínculos da Umbanda com o baixo espiritismos, termo pejorativo usado para denominar a Macumba e o Candomblé. De forma alguma isso é verdade.

De onde vem então qualquer tipo de vínculo da Umbanda com o Candomblé ou mesmo para se chamar a Umbanda de uma religião afro-brasileira ou de matriz africana? Foi inventado possivelmente por pessoas com necessidade ou interesses em afirmar a identidade africana ou então de discriminar essa religião brasileira chamando de afro-brasileira ou de matriz africana sem qualquer base para isso.

Mas existe sim um vínculo com a África. Antes do surgimento da Umbanda existia no Rio de Janeiro, em regiões suburbanas e quase rurais um culto chamado de Quimbanda, a antiga e original macumba. Esse culto era uma manifestação de origem no Congo-Angola, bem africano, tinha as incorporações e era dedicado a cura, a feitiçaria e também ajudar as pessoas. Como já foi explicado ele influenciou a criação da Umbanda. Vale lembrar que nas demais regiões do novo mundo que receberam a migração de escravos esse tipo de culto, Macumba, também existiu. Em cuba é o Palo.

A Umbanda então surgiu incorporando uma doutrina religiosa que combinava conceitos religiosos a elementos importantes da macumba que permanecem até hoje e que notadamente dão a identidade a Umbanda, que é o uso de percussão, fumo, cantos e bebida pelos guias. Esses eram elementos da macumba que foram incorporados despidos da parte não desejada que seriam os sacrifícios de animais e oferendas de comidas. Com o tempo esses elementos excluídos voltaram em alguma proporção, mas, sempre com restrições a algumas formas de Umbanda.

Esse encontro entre o Kardecismo-católico e a macumba significou na prática a junção de duas coisas muitos importantes na raiz da Umbanda. A abordagem científica e doutrinária do kardecismo, que apesar de conter em sei núcleo a negação a forma de manifestação espiritual que caracteriza a Umbanda, trouxe consistência e conteúdo ideológico e teológico a segunda metade da Umbanda que é o ritual prático e tipos de espíritos que trabalhavam na macumba. A Umbanda é o ponto harmônico de encontro dessas 2 metades. Mas, apesar dessa união não podemos dizer que em termos religiosos que a Umbanda tenha qualquer aproximação com a religião africana ou mesmo com a forma afro-brasileira, o Candomblé.

A referência africana da macumba foi cuidadosamente expurgada da Umbanda durante a realização da primeira conferencia sobre espiritismo em 1941, a União Espírita da Umbanda do Brasil (UEUB). Os organizadores tiveram o cuidado de estabelecer teses que descartassem qualquer referência de que a Umbanda tivesse se originado da Macumba. Não vou aqui descrever outros pontos que ficaram definidos nessa conferência, muito mais radicais do que apenas essa desconexão. Mantendo a objetividade, a conferência reafirmou a doutrina Kardecista-católica e eliminou a macumba como origem doutrinária da Umbanda e trouxe definitivamente as raizes orientais.

O processo de evolução natural faz suas escolhas e a Umbanda substituiu a macumba, mas incorporou dessa muitos ritos e práticas. Nesse encontro de semelhantes, Macumba com Umbanda, surgiu uma vertente mais africanizada de modo que, nesse momento, finalmente a Umbanda encontra a África. Desse encontro ela incorporou fortemente muitos aspectos rituais e litúrgicos, mas principalmente estéticos. Assim esteticamente a Umbanda se aproximou da África mas teologicamente não.

Os elementos estéticos servem de instrumentos para que as mesmas bases teológicas já descritas se manifestem, repletas de catolicismos e santos católicos. Sinceramente não podemos ligar uma religião como a Umbanda a África através apenas da associação de elementos estéticos. Em termos de ritos e trabalhos, sem dúvida existe uma presença africana, com similaridades, mas, podemos facilmente atribuir isso ao efeito do sincretismo ao longo de muitos anos. A configuração inicial mal tinha os tambores, mas os elementos africanos discretamente forem sendo adicionados e os mais importantes ficaram. Contudo apesar de usar tambores, os toques são brasileiros e principalmente os cantos também.

Outro aspecto da manifestação africana é o uso dos nomes dos Orixás encontrados no Candomblé. Mesmo nesse caso tenho que invocar de novo o sincretismo superficial. Os nomes africanos são usados mas a imagem mais forte é a do Santo Católico. Para cada nome de Orixá existe um Santo Católico e a referência estética e lírica são dos santos católicos. A estética de incorporação pouco ou nada lembra a do Candomblé, os guias de Umbanda, mesmo os associados a Orixás e Santos tem uma forma própria e autência de se expressarem que não tem correspondência no Candomblé. Aprofundando uma pouco mais na semântica os “Orixás” da Umbanda são de fato caboclos como os demais, só que de um nível espiritual maior e se apresentando com uma estética distinta.

Finalizando, deixo a conclusão que a África se inseriu inicialmente na Umbanda através da inserção de elementos da Macumba e posteriormente através do sincretismo com elementos do Candomblé. Essa inserção é superficial e estética não tendo alterado de fato as bases teológicas da Umbanda. Apesar dos diversos sincretismos alguns elementos africanos persistem em vários formatos de Umbanda e cria assim sua marca como elemento base da Umbanda.

O sincretismo da Umbanda

Mas a grande questão que todos podem ter é, de onde vem os Orixás Yorùbá na Umbanda? São uma invenção do sincretismo. O sincretismo que tem sido louvado e romanceado por muitos como uma marca da Umbanda e da religião afro é um processo muito feio. Através dele um culto de apropria de imagens, divindades, festas e elementos de outro. A Umbanda se acostumou a fazer isso e tudo era e ainda é sincretizado. A razão principal esta na história que já relatamos

Os Orixás que nos tempos da escravidão, século XVIII foram sincretizados com imagens de Santos Católicos (não com os santos e sim com as imagens) acabaram sendo trazidos por essas imagens para a Umbanda. Veja, simples assim, a Umbanda é católica e ai existe um sincretismo que associa um Orixá Yorùbá a uma imagem de santo, rapidamente aquele Orixá entra na Umbanda através da Imagem.

A Umbanda faz isso com tudo. Qualquer coisa é sincretizada e vira uma referência. Mas uma referência estática, uma mascara não a coisa verdadeira. Os Orixás de candomblé não estão na Umbanda. O que esta na Umbanda é o guia, um caboclo, que se manifesta se dizendo o Orixá tal.

Não existe espaço na Umbanda para a teologia Yorùbá. Nenhum aspecto da teogonia e cosmogonia que citamos se aplica ou é usado pela Umbanda. São conceitos muito distintos e não existe espaço para um Orixá na teologia católica.

O sincretismo na Umbanda não tem qualquer base histórica para ser justificado. Igualmente não segue nenhum significado letárgico, é apenas um vício que perdeu completamente o controle pela mais absoluta falta de entendimento. O sincretismo na verdade não muda nada na Umbanda, não adiciona nada e nem retira nada, serve apenas à pessoas que os usam para os fins que precisam. Ele associa elementos já conhecidos a outros novos gerando uma equivalência artificial.

A prática de sincretizar na Umbanda é muito agressiva. Elementos de outras religiões são fácil e rapidamente tornados equivalentes a alguma referência na Umbanda, com isso dentro da Umbanda o elemento sincretizado perde o seu significado original.

A prática da Umbanda

Nesse ponto muitos podem então querer entender, o que é a Umbanda? A Umbanda como o próprio caboclo das sete encruzilhadas definiu são os espíritos em terra fazendo caridade. Apenas isso. Tudo o que se coloca em volta é adereço do homem. A Umbanda não veio através de qualquer religião ela existe junto com qualquer religião que você conheça. Essa foi a razão de encontrarmos hoje centenas de correntes diferentes de Umbanda. Mas, por trás disso existe apenas os espíritos em terra fazendo caridade.

Todo o trabalho de Umbanda ocorre em torno das giras de trabalho onde os espíritos incorporam para atender as pessoas que os procuram. O trabalho na Umbanda é feito sempre com o médium incorporado possibilitando que o guia trabalhe diretamente com as pessoas que o procuram. Não existe oráculo na Umbanda. Os próprios guias trazem as mensagens quando incorporados, estabelecendo assim uma comunicação mais fácil e direta.

As giras de Umbanda se caracterizam por cantos, pontos de Umbanda, de lírica muito simples e que são usados para estabelecer o rito litúrgico e chamar os guias. A gira é estruturada para dar concentração aos médiuns e chamar os guias . Após incorporados os guias prosseguem o seu trabalho, conversando com as pessoas, dando orientações, conselhos e se comprometendo a ajudar na soluções dos problemas que acham adequados. Todos os médiuns podem trabalhar com seus guias incorporados e os guias são autônomos para atender os consulentes.

A questão de formação de médiuns não é relevante. Não se exige qualquer conhecimento especial de um médio que não seja seguir a doutrina da casa ser uma pessoa correta e ética. O seu trabalho de preparação é o de formação de um médium, de um bom aparelho de incorporação e o tempo faz desenvolver a integração entre o guia e o médium.

O dirigente de uma casa de Umbanda não é quem tem a palavra na casa. Quem tem a palavra na casa são seus guias e principalmente o Guia principal da Casa. É ele ou alguns dos demais que define o que é feito ou não e transmitem para cada pessoa.

A Umbanda não tem apenas um tipo de espírito. Os guias se dividem em formatos típicos com especializações de trabalho e uma estética muito particular. O aspecto estético de manifestação é muito explorado e os guias buscam trabalhar caracterizados de acordo com o seu arquétipo. Devidos aos muitos tipos de espíritos que existem os trabalhos se dividem por linha. Cada linha agrupa um tipo de espírito que trabalha de forma similar. Assim, existe a linha de preto-velho, a linha de Exu, a linha de crianças, a linha de caboclos, a linha de Orixás, a linha de bahianos, a linha de malandros, etc...

As diferenças entre Umbanda e candomblé

Conforme descrevemos em termos religiosos estamos tratando de duas religiões diferentes. O catolicismo da Umbanda não tem qualquer vínculo com a teologia Yorùbá. Tudo é distinto. Não existe como conciliar a forma como essas 2 religiões vêem a vida. A adição do kardecismo em nada ajudou, pelo contrário, a forma como o Kardecismo entende o nosso destino e a encarnação são mais do que diferentes, são contrárias ao entendimento Yorùbá.

Dessa forma entendo que se não existe ecumenismo possível na visão religiosa, não é também possível sincretizar a prática de 2 religiões. As diferenças entre Umbanda e Candomblé, uma uma religião brasileira outra uma religião afro-brasileira, iniciam na incompatibilidade de como as duas religiões orientam a vida de seus fiéis.

Se você se considera seguidor da religião da Umbanda vai interpretar que sua vida atual é permeada pelos erros e acertos das suas vidas anteriores, mas, principalmente dos erros. Os erros em vidas passadas justificam quase todos os problemas que tem e a vida é de fato um lugar de sofrimento e provações. Não devemos fugir aos nossos problemas, devemos encará-los, suportá-los e encerrar esse Karma de uma vez por toda, para mais rapidamente podermos atingir uma evolução espiritual que nos permita não mais encarnar. A nossa encarnação se dará de forma aleatória e podemos encarnar em qualquer lugar do mundo que seja adequado para cumprirmos essa missão de nunca mais encarnar.

Na religião Yorùbá, reencarnamos porque temos um objetivo, um plano de vida. Nos ajoelhamos junto a Olodumare, Deus, para pedir a ele que nos de os recursos para atingirmos esses objetivos de vida. Vamos reencarnar sempre na mesma família ou melhor em linhagens sucessivas da mesma raiz (que ao longo do tempo vai se ampliando, é claro). Nós encarnarmos devido aos objetivos que queremos alcançar e ao fato que gostamos de viver e, mais, gostamos de viver com nossa família. Devemos viver de forma correta e sermos úteis à nossa família e sociedade, mas, não buscamos sofrer. A astúcia pode solucionar muitos problemas. Ganhar e perder não é um problema, ruim de fato é interferir no destino de alguém. Não existe conceito de Karma mas existe sim a prestação de contas para Olodumare em relação as nossas obras em nossa vida e uma existência negativa pode levar a punições.

Isso que eu descrevi não é bobagem religiosa, mas mostra uma forma muito distinta de encarar a vida. Se você se considera de fato religioso não pode conviver simultaneamente com formas tão distintas de encarar o viver.

Tanto a Umbanda como o Candomblé são fortemente baseados em uma musicalidade, assim como muitas religiões hoje em dia, a música, como se diz do canto gregoriano, ele é uma forma de se chegar a Deus, ou a manifestação dele. Mas, no Candomblé, inicialmente temos que lembrar que essa musicalidade é feita exclusivamente em Yorùbá, usando ritmos africanos. O Candomblé é bastante “gregoriano” em sua essência porque tudo é musical, das cantigas às rezas. Esse sem dúvida, é um aspecto bem africano.

As cantigas do Candomblé são as mesmas que foram aprendidas há muitos anos, desde sua formação. Não se criam novas cantigas, são reproduzidas aquelas que foram trazidas de África, no que pese algum variação devido a problemas de transmissão.

A Umbanda trabalha também com cantos, pontos de Umbanda, mas todos em português. Os cantos foram compostos aqui no Brasil, são renovados e adaptados e não tem nenhuma versão africana. Para quem conhece a percução que acompanha a Umbanda é muito distinta do Candomblé. Na Umbanda bate-se com as mãos no Candomblé com varetas o que cria uma grande distinção entre os 2 tambores.

As formas de trabalho são muito distintas. No Candomblé os toques são feitos nos chamados Xires, ou candomblé propriamente dito. Nessas ocasiões a casa é aberta ao público externo que irá assistir ao desenvolvimento do Xire, uma dança circular na qual são louvados todos os Orixás do Candomblé. É utilizada uma seqüência pré-determinada na qual cada Orixá é louvado,com pelo menos 3 cantos. Os membros da casa cantam e dançam para cada Orixá, que além de suas próprias cantigas, têm uma dança própria e característica para a Cantiga ou para o Orixá em geral. O Xirê quando bem executado é um espetáculo estético muito bonito, com muitas sutilezas e sofisticações. A riqueza do Orixá não esta na sua vestimenta mas sim na grandeza como ele é louvado através de canto e dança.

O Xire se desenvolve por todo o período da festa e pode ser entendido por muitos como um formato bastante monótono. Nenhuma interação existirá entre os visitantes e os Orixá durante o Xirê, apenas se assiste às danças e as manifestações dos Orixás dançando. Não existem conversas ou consultas. Em cada Xirê um ou mais Orixás podem se manifestar rápida ou demoradamente. Quando demorado aquele Orixá será vestido e irá dançar no Salão entre 14 e 21cantigas. Sempre é um espetáculo bonito mas, como citei monótono para muitos. No Candomblé se entende que dessa forma o Axé, a energia vital que nos move esta se manifestando. Os tambores criam uma área cinzenta de interseção entre 2 mundos distintos, o Àiyé nosso espaço físico e o Òrun o nosso espaço espiritual permitindo que os Orixás se manifestem nas pessoas especialmente preparadas para isso, os Elegun. Esse movimento de canto e dança junto com a presença dos Orixás faz esse axé se movimentar e se manifestar.

Na Umbanda as giras ocorrem sempre com música, mas, a presença da Dança é muito pouco relevante para os médiuns. Os guias manifestados tem cada um um pé de dança e isso sem dúvida é muito importante demonstrando a firmeza da sua manifestação, mas os médiuns não participam disso. Toda a música e preparação é para fazer com que as incorporações ocorram.

Os guias uma vez incorporados estarão disponíveis para serem procurados e procurarem os visitantes de maneira a tratar dos seus problemas. Essa conversa é feita normalmente com as cantigas em andamento e cada um trata de um assunto com a privacidade permitida pelo barulho ao redor. As pessoas que visitam um centro de Umbanda vão com o objetivo de falar com guias de Umbanda, pedir ajuda e receberem orientações de como devem proceder em sua vida. A presença de uma pessoa em um centro de Umbanda se dá ou porque ela é parte do corpo mediúnico ou porque ela vai se consultar com algum guia, não existe a ida a um centro para basicamente ouvir músicas e ver médiuns e guias dançarem.

No Candomblé se você tem alguma consulta a fazer a sua porta de entrada é única, será através do babalorixá da casa através do Jogo de Búzios. Não existem consultas com Orixás e todas as mensagens do plano espiritual serão transmitidas pelo babalorixá no exercício do seu oráculo, o Jogo de Búzios. Dessa consulta poderão vir a orientações, explicações e os trabalhos a serem feitos. Qualquer ação no Candomblé depende da realização de um trabalho, uma oferenda. A base da solução de problemas é a troca e reposição de Axé e isso é feito a partir da oferenda que é feita. Quem determina o que deve ser oferecido e a quem deve ser oferecido é o babalorixá através do seu Jogo de Búzios.

Na Umbanda os médiuns tem independência da Casa e do Pai de Santo. Uma vez desenvolvidos eles podem mudar de casa buscando uma de sua conveniência e não tem vínculo com o Pai de Santo. A sua atuação na casa tem bastante liberdade, seus guias podem trabalhar autonomamente ajudando os seus consulentes.

No Candomblé os membros são completamente ligados, dependentes e subordinados ao Babalorixá. Este exerce controle absoluto e ditatorial sobre a casa e seus membros. Nada pode ser feito sem sua autorização, nada pode ocorrer sem sua permissão e os membros em sua maioria exercem tarefas domésticas e pouco ligadas ao culto.

Todo o trabalho no Candomblé é feito fora das festas e Xires. A ocasião do Xirê é normalmente o fim de muito trabalho que se deu ao longo de dias e dias. No Xirê somente se comemora o fim e se confraterniza com a comunidade. Os trabalhos em uma casa de Candomblé são feitos à portas fechadas e somente com os membros qualificados para isso.

Na Umbanda a maior parte das coisas se resolvem com pedidos aos guias que se contentam com uma agrado como uma vela, uma flor ou uma pequena oferenda, mais como parte do pedido do que necessariamente como instrumento para solucionar o problema. Os guias podem em princípio resolver tudo baseado na sua capacidade e nos pedidos que recebem, o que pedem em troca é muito simples e basicamente simbólico. As consultas são atendidas por todos os guias de todos os médiuns, não existe concentração no líder da casa. O pai de santo ou zelador de santo, tem a responsabilidade de cuidar do funcionamento da casa e de acompanhar o trabalho dos médiuns e guias, mas a estrutura de trabalho é completamente descentralizada e cada guia com o tempo cria um conjunto de consulentes que o procuram.

Os tipos de espíritos que se manifestam na Umbanda e Candomblé são muito distintos. No Candomblé se manifestam os Orixás que são divindades ligadas diretamente a Olodumare. Não existem falanges ou linhas, e a incorporação de um Orixá é bastante distinta da de um guia de Umbanda. Um médium não tem como confundir as 2 coisas ou entender que um Orixá de Candomblé é o mesmo que um guia de Umbanda, mesmo os que são chamados de “Orixá”.

Os guias de Umbanda são considerados no Candomblé um tipo de Egun ou um Ara orun. Um espírito de alguém que já viveu. Os Orixás são uma forma muito distinta disso, como divindades não são espíritos ligados a terra e não tiveram vidas anteriores. Exceção a isso são os ancestres divinizados, mas que o processo de divinização os transforma em Orixás autênticos.

Essa distinção não é apenas conceitual, como já mencionei a incorporação dos 2 tipos de espíritos, Orixá de Candomblé e guia de Umbanda é muito diferente uma da outra. Um nome igual não faz os espíritos se manifestarem da mesma maneira. No Candomblé todo o trabalho desde a feitura do iniciado é para afastar os eguns. O Candomblé não trabalha com eguns e o ensinamento é que onde tem Orixá não tem egun. O mesmo vale para as casas onde existe o culto de egun, onde tem egun não tem Orixá

O malefício da sincretização da Umbanda no candomblé

Com o passar do tempo o Candomblé começou a ganhar espaço e ser aceito no meio da sociedade. A sociedade passou a olha-lo como uma opção de pratica religiosa e este saiu do contexto de afirmação do negro para se tornar um produto de consumo geral. Sem a perseguição policial as casas puderem estabelecer o seu culto da forma como queriam. Novas casas passaram a ser abertas e as pessoas perderam o medo de se aproximar do candomblé.

Por muito tempo o Candomblé foi considerado como sinônimo de feitiçaria e maldade, certamente ganhou essa fama através de seus próprios méritos, mas, à medida em que as pessoas tomaram contato com ele descobriram um outro lado disso e o Candomblé perdeu grande parte de seu manto negativo e de discriminação.

No passado, em determinado momento, a perseguição ao Candomblé permanecia mas abriu-se uma tolerância à Umbanda, depois do estado novo principalmente. As pessoas concentraram sua atenção então na Umbanda e foram as casas de Umbanda que se multiplicaram em progressão geométrica.

Contudo, à medida em que a sociedade evoluiu e o candomblé se libertou da perseguição o fluxo lentamente se inverteu. As pessoas passaram a identificar o Candomblé como um segredo a ser explorado. Era pouco conhecido, cheios de mistérios, novos nomes a serem descobertos, novos segredos e uma religião diferente com uma teogonia muito atrativa e diferente da teogonia católica e também da Umbanda que as pessoas já estavam tão acostumadas.

Ajudaram nisso os antropólogos que elaboraram teses a respeito do Candomblé e livros que mostravam uma outra face da religião, muito mais atrativa e interessante e que captou a atenção das pessoas. Antigamente só se viam livros de feitiços e ebós, mas com o Candomblé surgiu na literatura com qualidade e conteúdo. Havia história real, mitos, origens e conteúdo religioso para ser digerido.

Hoje em dia o Candomblé já se desfez da questão negra. As casas possuem uma população que reflete a nossa própria população e brancos, mestiços e morenos tomaram as casas de alto a baixo.

O Candomblé invade a Umbanda

Com esse processo de abertura muitas casas de Umbanda passaram a se “africanizar” sincretizando e inserindo novos aspectos do Candomblé à Umbanda. Este não é um processo de restauração porque nada indica que a Umbanda tenha qualquer base africana ou a ganhar com essa africanização. É de novo mais um das centenas de processos de sincretização que a Umbanda inicia onde normalmente se absorve aspectos estéticos e superficiais.

Essa mistura horrenda, de Umbanda com Candomblé, não é de agora, já existia muito antes nas casas que se intitulavam de omolocô, ou pior ainda de Umbanda cruzada, riscada ou seja lá como chamavam. Mas tudo é a mesma coisa. O processo iniciou com o sr. Tancredo por ocasião do primeiro congresso de Umbanda em 1941, ele não aceitou as teses de autonomia da Umbanda e criou o omoloco original, com uma prática de Umbanda africanizada.

O fato é que isso tudo, essa mistura em qualquer grau de Umbanda e Candomblé é o que se chama hoje, pejorativamente de Umbandoblé. As pessoas tentam diminuir isso, aliviar, dizer que a sua é diferente, que é feita na medida certa, que não misturam ou deturpam, que tem espaços diferentes, dias diferentes, etc.. Cada um acha que tem a razão, mas, tudo isso é inútil. Toda essa mistura em qualquer grau é Umbandomblé e é nocivo.

A Umbanda ganhou com isso tons disformes. Sacrifícios que nunca fizeram parte da Umbanda foram incorporados, ritos eram criados, cargos inexistentes distribuidos (estabelecendo uma hierarquia que não existia na Umbanda), liturgias enriquecidas com o que não necessitavam. Observem que, se a Umbanda tem capacidade de fazer o seu trabalho sem essa parafernália, ou melhor, que sempre teve capacidade de fazer sem isso, por que adicionar elementos do Candomblé na Umbanda onde não existe nenhuma base histórica ou religiosa? Esses elementos nunca foram necessários ou pertenceram a Umbanda.

A inserção disso não visa atender a qualquer necessidade religiosa porque a Umbanda não é baseada em nenhuma parte da teologia Yorùbá. A Umbanda tem a sua teologia própria. O que se adiciona então é apenas decorativo, estético, mesmo resultado do sincretismo histórico da Umbanda, enfim, só vaidade.

Fios de conta foram alteradas, cores mudadas, assentamentos que não existiam criados, sangue, que nunca foi necessário, passou a ser usado. A pretensa africanização serve apenas para prejudicar a Umbanda afastando ela dos seus próprio ideais. Assim observem, se a teologia Yorùbá é incompatível com a da Umbanda, se estética africana não adiciona nada de importante e se os guias que trabalham na Umbanda não tem nenhum vínculo com orixás africanos, qual o sentido da Umbanda ganhar cores de Candomblé?

O resultado prático é apenas gente de Umbanda que se acha de Candomblé, ou seja, uma mentira dupla.

A Umbanda invade o Candomblé

Mas para o lado do Candomblé isso tem sido pior. A adição do Candomblé na Umbanda apenas torna a prática mais feia e confusa, mas os guias continuam a trabalhar como faziam. Mas no candomblé isso esta sendo muito, muito pior.

Começaram a aparecer casas de Candomblé onde guias de Umbanda trabalham incorporados, principalmente Exu e Pombo-giras. Para aqueles que não conhecem é necessário afirmar uma coisa que seria desnecessária ha anos atrás mas que hoje já se esta perdendo a referência, a de que esse tipo de guia jamais fez parte do Candomblé.

O Candomblé não incorpora guias e esses não falam, fumam e bebem nas seções dando consulta para a assistência. No Candomblé se manifestam Orixás de forma muito discreta, que dançam no Xire. Eles trazem o seu axé que circula na casa e também abençoam as pessoas. A comunicação entre mundo espiritual e mundo terreno é feita através do babalorixá da casa.

A presença dos guias de Umbanda no candomblé se deu por motivos muito simples e sem sentido religioso. Pessoas que eram de Umbanda decidem ir para o Candomblé e apesar de terem trocado de religião, uma troca que tem que se considerada radical porque não existe similaridade ou vínculo de uma com a outra, elas mantêm o trabalho com seus guias de Umbanda.

O motivo para isso ocorrer pode ser o resultado de muitas causas, mas podemos dividir em 2 grandes grupos, o primeiro aqueles que vão para o Candomblé com intenção de fazer isso e o segundo os que depois que foram para o Candomblé descobrem a besteira que fizeram e procuram resgatar a sua bobagem.

Ao meu ver o segundo grupo é o pior. O primeiro sabia o que estava fazendo o segundo são as meretrizes arrependidas.

A motivação é distinta, mas ambos acham que podem manter os guias que já tinham agregando-os ao candomblé sem perder tudo aquilo que fizeram no Candomblé. Para poder explicar mais esse processo teria que gastar algumas páginas relatando as muitas nuances desse processo, mas, isso não vai agregar ao tema. Não importa a intenção, o efeito que isso faz ao Candomblé é o que interessa aqui. Eu gostaria muito de poder descrever os muitos pensamentos idiotas que norteam essa decisão ou mudança de rumo, mas, fica para outra oportunidade.

A conclusão é apenas uma, as pessoas levam para o Candomblé guias que não pertencem a ele e pior maculam a religiosidade do Orixá no Candomblé com o trabalho com eguns que não pode existir debaixo de uma cumieira de Candomblé. Eleguns que foram iniciados para um Orixá não podem mais trabalhar com guias de Umbanda, muito menos com Exus e Pombo-giras.

Eu gostaria de enfatizar que não faz a menor diferença as pessoas que incorporam esse guias como parte de suas liturgias como se fossem parte da religião daqueles que inventam desculpas para junto com o Candomblé manter a prática da Umbanda, fazendo isso em dias separados ou mesmo restringindo a festas e ritos periódicos para se lembrar ou homenagear a Umbanda. Não faz a menor diferença ambos estão errados. Não existe meio certo assim como não existe meio grávida.

Vamos abordar os efeitos negativos baseados em 3 eixos. O primeiro é o da religião, o segundo o da estrutura da pratica religiosa e por último o do compartilhamento do espaço.

Em relação a religião não existe nenhuma forma possível de ecumenismos entre o trabalho da Umbanda e o do Candomblé. Ambos tem finalidade distintas, formatos distintos e bases teológica e teogônica distintas. Não existe explicação que possa ser dada por um babalorixá para a presença na sua casa de um guia de Umbanda. Não existe na religião africana qualquer referência a esses espíritos e a única proximidade seria o culto dos egunguns, mas que jamais compartilha com o Candomblé o mesmo espaço.

No Candomblé existe o dogma de que onde tem orixá não tem Egun. Ambos espíritos ou energias não compartilham do mesmo espaço e os casos conhecidos onde alguma mistura de egungun e orixá ocorreu acabou pela extinção da casa de Candomblé. Dessa maneira existe um dogma religioso que afasta os 2 tipos de espíritos ou energias.

Uma casa de Candomblé somente tem espaço para a manifestação de orixá, tudo em sua fundação é preparado para isso e a religião gira em torno da presença e do trabalho junto aos orixás e à mudança através da transmutação do axé presente nas oferendas. Os problemas no Candomblé são resolvidos através de oferendas aos orixás. Os orixás não comem as oferendas, eles são divindades espíritos de nível elevado, eles irão transmutar os elementos físicos oferecidos em axé e esse axé será usado para equilibrar o axé do consulente. A palavras básica nessa religião é “equilíbrio”. Tudo se resolve assim.

Dessa maneira não existe espaço para pessoas se consultarem com guias pedindo favores e solução de problemas. No Candomblé não é assim que se resolvem as coisas, os problemas são resolvidos com joelhos e barriga no chão, ao pé de um orixá.

O segundo aspecto é o relativo a estrutura da prática da religião. A abordagem é diferente. No Candomblé é o babalorixá que trata dos assuntos das pessoas que o procuram. Ele faz isso baseado no seu conhecimento, no seu bom senso, na sua experiência e eventualmente se for necessário em alguma ferramenta oracular que pode ser apenas um obi ou um merindilogun. Fica claro que o baba/iyalorixa tem que ter a capacidade pessoal de lidar pessoalmente com as questões que lhe são trazidas e que para poderem exercer o cargo que ganharam e para o qual deveriam ter se preparado por anos.

Como um babalorixá me disse, ele nem sempre consulta oráculo sempre que uma pessoa o procura, muitas vezes ele apenas entende e conversa com a pessoa. Outro disse que quando atender alguém mesmo com o merindilogun gasta de 1 a 2 horas, porque a maior parte do tempo conversa com essa pessoa e não apenas "le" buzios.

Muitos podem questionar porque o Candomblé incorpora essa prática de consultas que é similar a Umbanda, mas, com finalidades distintas. Eu tenho que reconhecer que não gosto do termo e não gosto da associação de religião com consulta e cobrança por essa consulta de oráculo ou até mesmo conversa (já ouvi uma vez no rádio um desses babalorixá de rádio dizendo que se quiserem conversar com ele é só ir lá e pagar uma consulta), mas essa é apenas a minha opinião.

Mas voltando ao tema, uma religião deveria se dedicar a tratar do espírito das pessoas com rezas e devoção. Sim, em princípio. Eu vi uma definição muito interessante que resolveu isso. Observe que no mundo laico a medicina ve o homem apenas como corpo. A psicologia moderna entende a alma como a psique e isso é tratado pela psicologia Freudiana ou Jungiana.

Já a maior parte das religiões místicas, nos veem como Corpo, alma e espírito. E apenas tratando do espirito podemos curar a alma. Assim uma religião cuida do espirito e trata da alma. Um babalorixá irá então tratar das doenças da alma através do espirito e isso é feito através dos ebós, dos odu, orixas, etc, buscando o equilíbrio (palavra chave dessa religião).

Existe também o conhecimento fitoterápico para tratar do corpo e isso pode até ser posto em prática por quem conhece. Hoje em dia em vista de restrições legais, da máfia de branco, acredito que o normal é que as doenças do corpo sejam tratadas pelos médicos.

Assim, uma pessoa vai encontrar em uma casa de santo um refúgio para tratar do seu espírito e equilibrar suas energias. Mas, como eu disse, isso no Candomblé é feito pelo babalorixá em pessoa. Na Umbanda é diferente quem atende, quem aconselha e quem é a autoridade em um centro é o guia. As pessoas vão na Umbanda para falar com o guia. A formação de um Pai de Santo de Umbanda é muito mais simples e prática. Em alguns anos ele vai desenvolver a sua mediunidade e são seus guias que vão trabalhar.

Então, são modelos muitos distintos. O que faz um exu ou pombo-gira em um Candomblé? Ele substitui o babalorixá ou fica aquela coisa de começar a falar com a pessoa e dizer que não pode mais falar, que ela procure o jogo do Pai de Santo? Dá um tempo!

Baseado nesses argumentos eu não vejo como podem conviver em uma mesma casa de Candomblé o Babalorixá e os guias de Umbanda, seus ou de seus seguidores (filhos de santo).

O último vetor é o compartilhamento do espaço. Aqui incluo os 2 espaços o físico e o espiritual. No meu entendimento uma casa de Candomblé não foi feita para abrigar debaixo de sua cumieira o trabalho de eguns, os guias de Umbanda. Tudo em uma casa é feito para ser um ambiente de Orixá e para abrigar o seu axé.

No mesmo dia seria impensado ter na mesma casa orixá e egun. Em dia diferentes muito menos ainda.

Mas mesmo que a casa mantenha 2 espaços distintos para essa prática, o que acho muito difícil, ainda resta o espaço final que é a cabeça e o corpo do elegun. O iniciado é feito e preparado para ser um instrumento do seu Orixá. É um longo trabalho de preparação e dedicação para a pessoa se purificar e renascer para o seu orixá.

Como esse espaço preparado para o Orixá irá então abrigar a energia do Orixá e do egun?

Conversas com iniciado e babalorixás que foram de Umbanda ou que de alguma maneira mantêm o contato com a Umbanda, feitos em lugares diferentes se sem conhecimento do assunto mostra que quando se esta em atividade de Orixá os guias de Umbanda se afastam. Os guias de Umbanda só retornam sua presença algum tempo depois de a atividade de orixá ter acabado, de maneira que uma casa que mantenha uma atividade regular com orixá não poderá ter espaço para guias de Umbanda trabalharem, ou seja, se isso ocorre um dos dois não esta ali de fato.

Se uma pessoa de inicia para orixá, seus guias de Umbanda de afastarão, a maior parte deles definitivamente. Outros poderão voltar se houver uma insistência em chamá-los, mas isso já será um desvio da coisa natural que é eles não estarem mais presentes.

A religiosidade do Candomblé, baseada em conceitos próprios esta sendo maculada e destruida pela inserção de pessoas que trabalham com guias de Umbanda. Existe o absurdo de vestirem Pombo-gira com paramentos de Orixá adaptados para elas. Iniciações para Orixá passam a incluir assentamentos de guias de Umbanda. Este tipo de coisa não existe no Candomblé, seja na prática ou na teologia, o que se está fazendo é trazer um câncer que vai aos pouco destruir toda essa religião.

A Umbanda vai sobreviver, sem dúvida. Ela sempre sobreviveu a cada sincretismo e esse será mais um sincretismo estético que vai se incorporar as dezenas de linhas existentes.

Para a Umbanda a mistura com o Candomblé traz a desfiguração de seus princípios religioso e de seus guias. Traz Orixás que não existem para ela e principalmente um oráculo desnecessário e trabalhos caros e grandes que só se justificam para pessoas que querem ganhar dinheiro de outros. Não existe nenhum benefício para a Umbanda com qualquer tipo de africanização uma vez que isso nunca fez parte e não adiciona nada à ela.

Para o Candomblé a agregação dos guias de Umbanda incorporados é a negação de toda a sua religiosidade africana. É o rompimento com suas raizes africanas e a sua amarração a um modelo feito unicamente para distorcer sua teologia, atender a egos e interesses mercantilistas. Não existe vida ou futuro para o Candomblé misturado com a Umbanda. A presença de Exus e Pombo-giras de Umbanda no candomblé a a sua morte.

Bibliografia
Em relação ao Candomblé eu não vejo necessidade de qualquer complemento, mas a Umbanda apresenta um problema de fato. Foi muito difícil escolher uma linha para abordar o tema. A História da Umbanda é muito confusa e existe muita mistira de ideologia com fatos. Fica difícil saber o que ocorreu de verdade.
Eu escolhi uma opção, mas deixo registrado a seguir algumas referências de opiniões similares e também divergentes.
Livro A morte Branco do feiticeiro negro, Renato ortiz.
É uma referência importante no sentido de se entender a concha de fatores envolvidos. Não concordo com suas teses mas ele ilustra bastante essa discussão.
http://www.pucsp.br/rever/rv1_2001/t_jensen.htm
Traz uma abordagem bem lúcida do processo de mistura.
http://www.cchla.ufpb.br/caos/n14/3Entre%20a%20macumba%20e%20o%20espiritismo.pdf
É uma boa referência para se entender o congresso de 1941.
http://www.umbandadepaipescador.com/nova_pagina_10.htm
Mostra uma visão Kardecista da Umbanda
http://www.abhr.org.br/wp-content/uploads/2008/12/malandrina-brigida.pdf
exemplo de um material ruim e ultrapassado que busca resgatar uma indentidade negra que não existe.
http://www.midiaindependente.org/es/red/2003/12/269417.shtml
Uma razoável polêmica sobre o kardecismo, a Umbanda e a Macumba, não considero referência, apenas prestem atenção nos cometários.

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