Artigo publicado por Babá Caio de Odé
Em 19/04/2021
No ano de 1983, Iyalorixás assumiram a crença (Candomblé) como uma religião independente da católica.
“Daqui para frente, os filhos de gente de Santo não vão mais aprender sua tradição dos Orixás em sincretismo com a religião católica. As iyas e babalorixás da Bahia não querem, também, permitir mais que sua religião seja tratada como folclore, seita, animismo ou religião primitiva, ‘como sempre vem ocorrendo neste pais, nesta cidade’. Querem também dar um basta à utilização de seus trajes, e rituais, em concursos oficiais ou de propaganda turística” - Jornal da Bahia Salvador, 12 de agosto de 1983
“Mãe Stella participou ativamente da recente Conferência Mundial da Tradição dos Orixás. Ela não tem dúvida de que esta atitude deverá ter ressonância entre a população. Sobre o que a Igreja Católica vai dizer? Ela responde: ‘O Pai de Santo que tiver coerência com seus princípios não vai mais sincretizar, mas vai passar para seus filhos os nossos conhecimentos. Quanto ao que pode dizer a Igreja, o culto, o pensamento é livre’.” - Jornal da Bahia Salvador, 12 de agosto de 1983
“Precisamos ser respeitados como religião e não como faz a imprensa, por exemplo, daqui de Salvador, que inclui nossas casas de culto nas colunas de folclore. - Já passamos do tempo de ter que esconder nossa religião. Nossos antepassados, para não serem massacrados foram levados ao sincretismo. É isto que queremos parar de fazer.”
Mãe Stella de Oxossi - Jornal da Bahia Salvador, 12 de agosto de 1983
Ao público e ao povo do Candomblé
“...As Iyas e Babalorixás da Bahia, coerentes com as posições assumidas na II Conferência Mundial da Tradição dos Orixá e Cultura, realizada durante o período de 17 a 23 de Julho de 1983, nesta cidade, tornam público que depois disso ficou claro ser nossa crença uma religião e não uma seita sincretizada...
...Não podemos pensar, nem deixar que nos pensem como folclore, seita animismo, religião primitiva como sempre vem ocorrendo neste pais, nesta cidade, seja por parte de opositores, detratores: muros pichados, artigos escritos - “Candomblé é coisa do Diabo”, “Práticas africanas primitivas ou sincréticas”, seja pelos trajes rituais utilizados em concursos oficiais e símbolos litúrgicos consumidos na confecção de propaganda turística e ainda nossas casas de culto, nossos templos, incluídos, indicados, na coluna do folclore dos jornais baianos...
... deixamos pública nossa posição à respeito do fato de nossa religião não ser uma seita, uma prática animista primitiva consequentemente rejeitamos o sincretismo como fruto da nossa religião desde que ele foi criado pela escravidão à qual foram submetidos nossos antepassados. Falamos também do grande massacre, do consumo que tem sofrido nossa religião [...] Os do sensacionalismo por parte da imprensa, onde apenas os aspectos do sincretismo e suas implicações turísticas (lavagem do Bonfim, etc) eram notados, por outro lado apareceram a submissão, a ignorância, o medo e ainda a “atitude de escravo” por parte de alguns adeptos até mesmo Iyalorixás, representantes de associações “afro”, buscando serem aceitas por autoridades políticas e religiosas. Candomblé não é uma questão de opinião [...] Vemos que todas as incoerências surgidas entre as pessoas do Candomblé que querem ir à lavagem do Bonfim carregando suas quartinhas, que querem continuar adorando Oyá e Sta. Bárbara, como dois aspectos da mesma moeda, são resíduos, marcas da escravidão econômica, cultural e social que nosso povo ainda sofre. Desde a escravidão que preto é sinônimo de pobre, ignorante, sem direito a nada a não ser saber que não tem direito; é um grande brinquedo dentro da cultura que o estigmatiza, sua religião também vira brincadeira. Sejamos livres, lutemos contra o que nos abate e nos desconsidera, contra o que só nos aceita se nós estivermos com a roupa que nos deram para usar. Durante a escravidão o sincretismo foi necessário para a nossa sobrevivência, agora em suas decorrências e manifestações públicas: gente de santo, Iyalorixás, realizando lavagem nas igrejas, saindo das camarinhas para as missas etc, nos descaracteriza como religião, dando margem ao uso da mesma como coisa exótica, folclore, turismo. Que nossos netos possam se orgulhar de pertencer à religião de seus antepassados, que ser preto, negro, lhes traga de volta a África e não a escravidão. Esperamos que todo o povo do Candomblé, que as pequenas casas, as grandes casas, as médias, as personagens antigas e já folclóricas, as consideradas Iyalorixás, ditas dignas representantes do que se propõem, antes de qualquer coisa considerem sobre o que estão falando, o que estão fazendo, independente do resultado que esperam com isto obter [...]. Antes o pouco que temos do que o muito emprestado. Deixamos também claro que nosso pensamento religioso não pode ser expressado através da Federação dos Cultos Afros ou outras entidades congêneres, nem por políticos, Ogãs, Obás ou quaisquer outras pessoas que não os signatários desta. Todo este nosso esforço é por querer devolver ao culto dos Orixás, à religião africana a dignidade perdida durante a escravidão e processos decorrentes da mesma: alienação cultural, social e econômica que deram margem ao folclore, ao consumo e profanação da nossa religião.
Assinaram:
- Menininha do Gantois - Iyalorixá do Axé Ilé Iya Omin Iyamassé
- Stella de Oxossi - Iyalorixá do Ilé Axé Opô Afonjá
- Tete de Yansã - Iyalorixá do Ilé Nasso Oke
- Olga de Alaketo - Iyaloriá do Ilé Maroia Lage
- Nicinha do Bogum - Iyalorixá do Zogodô Bogum Malê Ki-Rundo”
Fonte: Jornal da Bahia Salvador, 12 de agosto de 1983
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