segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

A CABULA E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA UMBANDA

Postado por Religião Respeito Humildade

Em 20/02/2023



"A CABULA E A SUA CONTRIBUIÇÃO PARA UMBANDA

Origem


A cabula foi uma manifestação religiosa afro-brasileira que surgiu no final do século XIX, no período pré abolicionista, provavelmente na Bahia (não há um consenso sobre o local de origem), se estendendo ao Espírito Santo, Rio de Janeiro e Minas Gerais e que pode ser considerada uma das precursoras da umbanda. Acredita-se que tenha se originado a partir dos calundus coloniais e é o resultado de práticas ancestrais dos povos bantos e malês, sincretizadas ao catolicismo e também ao espiritismo. Cabula também é o nome de um bairro em Salvador que surgiu a partir do Quilombo do Cabula e de um ritmo de percussão angolano que inspirou o samba..

Alguns historiadores e antropólogos apontam a existência de poquíssimas casas remanescentes que preservam de alguma forma o culto da cabula nos dias atuais, pricipalmente em Minas Gerais e em Santa Catarina (relação com almas e angola), outros defendem que o culto está praticamente extinto, entretanto deixou o seu legado na formação de outras praticas religiosas similares.

Organização

Após a assinatura da Leia Áurea, os negros, apesar de livres, foram deixados à margem da sociedade e tudo o que era relacionado aos antigos escravizados não era bem visto, inclusive suas práticas religiosas, que por muito tempo foram perseguidas e combatidas. Por esse motivo, o culto da cabula era muito reservado e praticado dentro das matas e durante a noite. Os adeptos passavam por um ritual de inicação, sob o juramento de não revelar detalhes e nem o local do culto; era o preceito do segredo.

A cabula talvez tenha sido a primeira manifestação afrorreligiosa mais organizada em termos de liturgia, com a presença de altares ou mesas, o uso de roupa branca e pano cobrindo a cabeça, imagens de santos católicos sincretizados a divindades africanas, a figura de um sacerdote (embanda) e uma hierarquia bem definida dentro da prática religiosa. Boa parte dessa organização foi absorvida pela macumba carioca e mais tarde pela própria umbanda. Há relatos de historiadores sobre a utilização de um oráculo de búzios pelos cabulistas, o que levanta duas hipóteses: a de que houve um sincretismo com os iorubás; ou de que os bantos também utilizavam um sistema oracular semelhante aos nagôs. Isso explica a presença de oráculo de búzios em raízes como o omoloko, almas e angola, kimbanda e batuque, vertentes que descendem da cabula.

Liturgia

O ritual da cabula era caracterizado pela manifestação de espíritos através do kambula ou xinguilamento (transe/incorporação). As pessoas (cafiotos) que se reuniam para realizar suas práticas religiosas formavam um grupo denominado mesa, as quais eram batizadas com nomes de santos católicos, como por exemplo, Mesa de Santa Bárbara. As mesas eram organizadas por um sacerdote conhecido como embanda. Os embandas eram auxiliados por um cambone, uma espécie de ajudante. O ritual era conduzido por entidades espirituais intituladas "Tatá", que no dialeto kimbundo significa "pai". Os Tatás se comunicavam através dos iniciados no culto, que recebiam o nome de camanás. Os não iniciados eram chamados de caialos.

Os camanás eram preparados para estabelecer uma comunicação com o santé (espíritos que habitavam as matas), que era o objetivo principal do culto. Cada camaná recebia também o seu Tatá protetor. Há registros de diferentes nomes de Tatás, como Tatá Guerreiro, Tatá das Matas, Tatá Flor de Carunga, o Tatá Rompe Serra, Tatá Rompe Ponte, Tatá Rompe Mato, dentre outros. O encontro dos Tatás manifestados era chamado de engira. Acredita-se que os santés eram divindades que hoje são chamadas de orixás ou nkisis e os Tatás as entidades como exus, caboclos e pretos velhos. Os camanás que recebiam os santés, logo ascendiam a posição de embanda.

O encontro dos Tatás era denominado engira. Os cabulistas reverenciavam ainda os bacuros, que eram espíritos ancestrais que nunca encarnavam. Segundo O. Cacciatore, o termo proviria da expressão iorubá " i g b à k ú r ò " isto é salvador [ D C A f B r : 6 1 ]. Parece que os bacuros tinham representação estatuária, portanto não está claro se os bacuros são espíritos ou as images que ficavam sobre as mesas.

As engiras costumavam ocorrer mata adentro, geralmente sob a guarda de uma árvore frondosa e a luz de uma fogueira, o local do culto chamava-se camucite. Os camanás se organizavam em círculo e em cada ponto cardeal era colocado uma vela com uma imagem católica. O embanda então conduzia o ritual entoando cânticos denominados nimbus, que eram ritimados por palmas. Logo os camanás entravam em transe e após a chegada dos Tatás, os cambones ofertavam vinho, raízes para mascar e fumo em cachimbos. O ritual então seguia com benzições através de infusões de ervas, com as iniciações dos novos camanás utilizando um pó branco chamado enba (pemba). Também existia o uso liturgico da fumaça para defumação. Os Tatás realizavam atendimentos, aconselhavam pessoas e desenhavam símbolos cabalísticos no chão.

Os cafiotos utilizavam roupas brancas e na cabeça uma espécie de gorro denominado camalelé ou camolelê semelhante aos mulçumanos. Esse datalhe demonstra a influência dos malês (negros de origem mulçumana no culto). Não raro, os adeptos também utilizavam lenços e ou panos brancos para cobrir a cabeça.

Particularidades

A cabula, além de ter sido um movimento religioso também foi um movimento de resistência e por muito tempo contribuiu para luta pela liberdade efetiva das pessoas negras, estruturando quilombos e subsidiando de alguma forma as revoltas negras e por isso, foi duramente perseguida pelas autoridades da época representando uma verdadeira ameaça às auoridades. A sobrevivência da cabula só foi possível graças ao seu caráter reservado, de sociedade secreta. Em um outro momento, após a abolição, a cabula também foi utilizada como arma oculta dos negros contra os brancos, através da realização de magias e feitiços, com o objetvo de prejudicar àqueles que eram considerados inimigos.

Extinção e legado

Como já mencionado, a cabula foi amplamente perseguida pela polícia e as autoridades da época, mesmo após a abolição da escravidão; e isso fez com o que a religião sofresse adaptações ao longo do tempo e consequentemente a extinção do culto original, ou melhor dizendo, a transformação em outras práticas. O fato dessa manifestação religiosa ter ocorrido em um passado relativamente recente proporcinou um bom trabalho de pesquisa com acesso a registros e narrativas detalhadas sobre o culto, o que nos permite concluir que a Cabula se desdobrou em outras práticas religiosas que estão ativas até hoje.

Alguns antropólogos afirmam que a Cabula, através do sincretismo com outras culturas, formou a macumba carioca, o Omoloko, Almas e Angola, o Batuque, a kimbanda e a própria umbanda. O chamado mito de criação da umbanda foi engendrado nesse cenário que já era palco de todas essas práticas afrorreligiosas. É possível perceber divesas semelhanças e até mesmo a reprodução de alguns atos liturgicos da cabula na umbanda e em outras religões contemporâneas. Conceitos e definições aplicados no passado, ainda permanecem vivos em nossa religiosidade. Palavras como enba (pemba), engira (gira), tatá, bacuros, embanda, cafioto; ainda estão presentes em nosso vocabulário liturgico. Heranças como o ponto riscado, o uso de roupas brancas, panos de cabeça e cantigas fazem parte de nossa realidade hoje.

O fato é que a cabula, assim como outras práticas religiosas, como a santidade, o calundu colonial e a macumba, possuem algo em comum e estão interligadas nesse processo de contrução das religiões de matrizes africanas no Brasil, especialmente a umbanda e a kimbanda. Não há duvidas de que essas manifestações religiosas são as práticas formadoras da umbanda.

Texto e pesquisa: André Luiz
Sacerdote de Umbanda

REFERÊNCIAS:

BASTIDE, Roger. As Religiões Africanas no Brasil: Contribuição a uma Sociologia da
Interpenetração de Civilizações. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1971.

COSTA, Valdeli Carvalho. Cabula e Macumba. In: Síntese: Revista de Filosofia. Belo
Horizonte: FAJE, 1987, v. 14, n. 41.

LOPES, Nei. Religiosidade na Diáspora: continuidade e permanência. In: SOUZA, R.
Seminário Internacional Diversas Diversidades. Rio de Janeiro: Cead/UFF, 2015.

RODRIGUES, Raimundo Nina. Os Africanos no Brasil. Rio de Janeiro: Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais, 2010. Re-edição de texto de 1933.

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