Especialista em
direito digital fala sobre o que motiva este ato criminal e suas punições
legais
Quando nos sentimos intimidados e hostilizados por uma
pessoa através da internet sofremos cyberbullying. O termo em inglês é formado
da junção da palavra “cyber”, que significa comunicação virtual através de
mídias digitais e “bullying” que é o ato de intimidar ou humilhar uma pessoa.
Este tipo de violência pode ser praticado por colega de escola, de trabalho ou
pessoa desconhecida.
De acordo com o advogado do escritório Posocco &
Associados Advogados e Consultores Fabricio Sicchierolli Posocco o
cyberbullying é o mesmo que assédio moral. A seguir, o especialista em direito
digital fala mais sobre o assunto.
1) Porque muitas pessoas
humilham outras na internet?
Posocco: A bem da verdade não existe uma
explicação específica por qual motivo pessoas se dispõem a humilhar outras
através da rede mundial de computadores. Todavia, pesquisas recentes feitas
pela universidade americana de Stanford, apontam que parte dessa manifestação
se refere exatamente pela necessidade de padrões sociais de conduta impostos
pela sociedade. Explico: a sociedade impõe alguns padrões e passa a ditar o que
“pode” e o que “não pode” ser ou fazer; em outras palavras, para ocupar um
lugar de destaque nessa sociedade, você deve se adequar ao padrão de
peso, altura, cor de olhos ou tipo de cabelo que estão na moda. Respeitar
individualidades para muitos é algo impossível. Outra parte dessa manifestação
ocorre porque muitas pessoas acham que fazer bullying é engraçado. Há também os
solitários que não encontram uma forma de se expressar, e acabam se
manifestando através do cyberbullying. Ou os que deixam a inveja se transformar
em protesto brusco e obscuro. Enfim, os motivos são vários, mas eles não são
justificáveis.
2) Quando a pessoa
descobre que é vitima o que ela deve fazer para se preservar e punir o
agressor?
Posocco: Em princípio a vítima deve procurar uma
delegacia e fazer um boletim de ocorrência. Se a vítima for mulher, dependendo
da situação de violência existente, poderá se utilizar ainda das regras da Lei
Maria da Penha. Na esfera cível, a vítima deve também, se possível, além de
imprimir o material ofensivo do site, procurar um Cartório de Notas e solicitar
a elaboração de uma Ata Notarial, que é um documento público feito pelo
Tabelião. Esse documento é importante, porque na hipótese dos conteúdos
ofensivos serem deletados pelos agressores virtuais, a vítima terá a
comprovação pública de que essas situações de agressão realmente existiram.
Além disso, a vítima pode procurar um advogado para que medidas jurídicas sejam
tomadas.
3) O que a nossa
legislação diz sobre o cyberbullying?
Posocco: Na prática, não existe nenhuma
tipificação específica na lei acerca do cyberbullying. Todavia, a legislação
pátria já dispõe de alguns canais inibitórios para tanto.
- A Constituição Federal assegura a todos o
direito à proteção dos direitos fundamentais dentre eles a dignidade da pessoa
humana, da liberdade de expressão, garantindo inclusive o texto constitucional
em seu artigo 5º, incisos V e X, a inviolabilidade da intimidade, da vida
privada, da honra e da imagem das pessoas, assegurando o direito de indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Inconteste, portanto
que, pretendeu a Constituição Federal salvaguardar que todos os indivíduos
fossem livres para se expressarem desde que sua expressão não atinja outros
bens jurídicos. Portanto os autores de práticas como o bullying e o
cyberbullying não estão agindo em consonância com os princípios estatuídos pela
Constituição Federal, sendo passíveis de punição na esfera civil e penal.
- Na esfera cível praticamente as questões
relacionadas ao cyberbullying são descritas como dano moral. O histórico de
casos julgados nos tribunais dos Estados de São Paulo, Minas Gerais e Paraná,
mostram que indenizações por lesões a honra das vítimas na internet gira em
torno de R$ 8 mil a R$ 50 mil.
- No campo penal, o Código Penal Brasileiro prevê a
apuração dos crimes contra a honra nos artigos 138 a 145, sendo que todas as
tipificações penais podem alcançar satisfatoriamente os crimes cometidos com o
uso de tecnologias eletrônicas, seja por e-mail, mensagem de celular, site de
relacionamento, blog, e todos os artifícios possíveis de hostilizar o outro com
o maior número de receptores da mensagem. Assim, os delitos de injúria, calúnia
e difamação encontram seu resguardo na legislação para buscar a punição desses
infratores.
4) Em vários casos, o
cyberbullying é cometido por menores de idade. Como a justiça deve intervir?
Posocco: Na hipótese de se buscar uma
indenização cível, a responsabilidade recairá sobre os pais do infrator. Na
hipótese penal, o agressor poderá ser enquadrado nas diretrizes do ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente).
5) É correto
responsabilizar a escola por omissão ou negligência em casos de cyberbullying?
Posocco: Em tese a primeira responsabilidade
acaba sendo a dos pais do infrator pelos atos do respectivo filho, de acordo
com as regras do Código Civil. Todavia, as escolas podem vir a ser
corresponsabilizadas civilmente, na medida em que tendo ciência da ocorrência
de bullying ou de cyberbullying com algum dos seus alunos se omita ou deixe de
tomar posições em relação a tais fatos, principalmente se as ofensas continuam
a ser realizadas em âmbito escolar. O melhor que as escolas têm a fazer é “não
esconder o problema de baixo do tapete”, mas ao contrário, devem tomar uma
posição, se possível com orientação de um profissional de direito que detenha
conhecimento de tais fatos. Campanhas educativas nas escolas também são
extremamente importantes para estes casos.
6) O doutor já atendeu
clientes jovens que foram humilhados na rede?
Posocco: Sim, infelizmente já atendi, junto ao
escritório, vários casos de cyberbulling, inclusive em situações graves que
demandam até hoje tratamento psicológico. Vou citar um deles:
- C.R.L – 14 anos – C. era uma menina de classe
média alta que estudava em colégio particular na cidade de São Paulo.
Adolescente muito bonita tinha cabelos negros cacheados, usava óculos e
aparelho nos dentes, e, por praticar esportes, tinha um corpo diferenciado em
relação às demais meninas de sua idade e da sua classe. Aluna exemplar tirava
boas notas e era elogiada pelos professores. Contudo C. era uma garota tímida e
não era considerada “popular” em sua vida escolar. Seus colegas de turma a
consideravam uma “extraterrestre”, pois além de não conversar muito, a questão
do aparelho e do cabelo cacheado era motivo de chacota na sala. Como que por
ironia do destino, C. passou a gostar de L., um menino de 16 anos, muito bonito
e popular da classe, sendo que ambos acabaram fazendo uma fotografia juntos e
postado no Facebook da turma da escola, com a legenda “amigos para sempre”. Foi
o que bastou para algumas meninas da sala, enciumadas com a foto, passarem a
fazer “montagens” com essa fotografia, colocando a “cabeça” de C. junto ao
corpo do personagem principal do filme “ET”, bem como em dinossauros do filme
“Jurassic Park”, disseminando várias imagens da adolescente para as contas de
Facebook dos amigos. Não contente com isso, o rosto de C. ainda foi parar em
“fotonovelas sexuais” com animais, e em propagandas de venda de campas em
cemitérios. A velocidade com que se “viralisaram” essas fotos e foram
compartilhadas, fizeram com que C. desenvolvesse problemas de depressão, bem
como abandonasse os esportes e trocasse de escola. C. também mudou seu visual,
cortando os cabelos bem curtos e retirando o aparelho. Tudo para que não mais a
relacionassem com as fotografias. Os agressores foram identificados como sendo
M. e A. através do IP de seu computador, um casal de irmãos de classe média
alta, e que aparentemente praticavam esse bullying contra C., porque A. gostava
do mesmo garoto que C. O processo movido foi criminal/ECA (para apuração de ato
infracional pelas condutas), além de um processo civil de reparação de danos
materiais e morais contra os pais dos adolescentes. No âmbito do ECA, foi
aplicada advertência aos menores. No limite civil, foi aplicado uma indenização
de R$ 50.000,00.
7) Como é possível
prevenir que o cyberbullying ocorra?
Posocco: É preciso tomar muito cuidado com
aquilo que se publica na internet. As pessoas possuem uma necessidade de
exibicionismo constante (padrão da sociedade moderna), e esquecem, algumas
vezes, que aquilo que gostariam de publicar, sem o mínimo de bom senso, pode
ser a base para uma ofensa. Outra questão relevante que deve ser observada é o
monitoramento da utilização da rede mundial de computadores por crianças e
adolescentes que ainda não possuem a responsabilidade e o conhecimento adequado
para utilizá-las. Acredito também na importância da conversa entre os pais e
seus filhos sobre os cuidados e cautelas.
Depois de sofrer cyberbullying, a vítima vai se sentir
humilhada, necessitando de força e apoio moral. Conte aos seus amigos e
parentes, converse, fale, e desabafe sobre o que está acontecendo. O principal
é se sentir superior a tudo isso e não deixar essas maldades influenciarem na
sua vida e nos seus sonhos. Cabeça erguida sempre, porque essa é apenas uma
tempestade que vai passar. Procure também o auxilio de um advogado para que
possa lhe dar as orientações necessárias para enfrentar essa batalha.
Imagem Pressfoto/Freepik
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