sábado, 6 de julho de 2024

ÒSÁNYÌN NÃO É O DONO DAS FOLHAS !!!

Osanyinwumi 




Marcelo Candido

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Conta-se através de um antigo ìtan, que Oyá a pedido de Ṣàngó, descobre e derruba dos galhos de um Ìrókò uma cabaça que Òsányìn guardava as suas folhas mais secretas, e nisso todos os òrìṣàs aparecem e repartem essas folhas. Passado algum tempo esses mesmos òrìṣàs tiveram que se redimir, pois estavam com as folhas, mas não sabiam como manuseá-las para despertar o seu poder de asé. Acabaram retornando a Òsányìn para pedir para que ele os ensinasse, e assim todos os òrìṣàs acabam reconhecendo o seu domínio no uso das folhas e ele de forma prestativa acaba ensinando-os, cada um dos òrìṣàs, sobre o uso de determinadas folhas.

O ìtan nos deixa claro uma mensagem de que tudo aquilo que pode ser roubado, em sua essência não nos pertence, mas aquilo que não pode ser roubado realmente nos pertence. As folhas recolhidas e guardadas na cabaça nunca pertenceram a Òsányìn, pois bastou ele virar as costas para elas lhe serem roubadas, mas o que estava em seu Orí, seus conhecimentos, não podiam serem roubados, portanto eles lhe pertenciam. Òsányìn é dono dos conhecimentos sobre as folhas ou melhor, ele é o “guardião dos conhecimentos” que despertam o asé sobre o reino vegetal, saberes estes que lhe foram confiados por seu pai Olódùmarè.

Os maiores segredos sempre estiveram guardados junto da cabaça que continha o seu Orí, então ele nunca depositou nenhum dos seus segredos nos galhos de Ìrókò. Òsányìn é aquele que tudo vê (vide post anterior), ele sabia que os òrìṣàs queriam partilhar de seu poder e de “forma proposital”, ofereceu lhes um ensinamento ao guardar folhas em uma cabaça externa. Naquele recipiente foram recolhidas somente as folhas as quais ele já havia decidido compartilhar conhecimentos, pois isso lhe foi incumbido por seu pai Olódùnmarè ou seja, ensinar os Òrìsàs e seres humanos sobre os mistérios básicos do asé do reino vegetal e com isso ajudar no desenvolvimento da humanidade e dos cultos aos òrìṣàs. Diversas outras folhas ficaram de fora da cabaça e são conhecimentos que ainda continuam guardados juntos ao Orí de Òsányìn.

“Òsányìn não é o dono das folhas!!!”

Está foi uma frase que Òsányìn me ofereceu no dia 02/06/22, como uma “enigmática resposta” para um dilema que me tirava o sono e a paz. Compreender o ìtan seria a primeira etapa do desafio, a última seria entender como está história se encaixava como um ensinamento neste mesmo problema. O que me motiva contar sobre está passagem seria minha vontade de compartilhar um aprendizado oferecido por Òsányìn, o importante é compreender a mensagem principal, pois conhecimento é poder.

Fui iniciado no candomblé para Òsányìn em 2011, então hoje tenho 12 anos de feitura, e no dia que escutei a frase que é título deste texto, já haviam se passado 2 meses que tinha ido visitar o Ilé Asé o qual me iniciei, para pedir a devolução do igbá òrìṣà Òsányìn. Tive uma conversa longa e bastante sincera com o bàbálórìsà, sobre os todos os motivos que me levaram aquela situação, tudo limpo e as claras numa conversa franca entre homens. Sobre esses fatos, eles são irrelevantes e não veem ao caso. Na vida tudo tem um propósito, então que sejamos “gratos” até mesmo as situações que nos convida a deixar a zona de conforto para o nosso próprio crescimento, aprimoramento, evolução pessoal e espiritual.

Mas, minha visão ou percepção estavam distorcidas sobre o “igbá Òrìsà Òsànyín me pertencer”, muito em função do jogo de búzios, materiais físicos, animais imolados, outras despesas da iniciação (água, luz e mantimentos), o valor da mão de obra do bàbálórìsà e 11 anos de mensalidades, tudo ter sido pago com o meu dinheiro, então acreditava ser o seu proprietário, pois além do mais, ele deveria ser a representação dos meus caminhos espirituais junto ao òrìṣà no àiyé.

E de fato o igbá Òsányìn não me pertencia, pois ao pedi-lo fui surpreendido pelo bàbálórìsà com seu discurso final de que precisava de um tempo para pensar. O imóvel do Ilé Asé é sua propriedade legal e as chaves estão consigo, então tudo ali dentro lhe pertence. Acabei tendo que ceder e fiquei 6 meses esperando um retorno que não veio. Bloqueei-o e decidi seguir em frente, contudo compreendi que o bàbálórìsà seria de fato o dono do igbá de Òsányìn e eu do livre arbítrio, dos meus sonhos, desejos, decisões, ações e destino. Hoje ao escrever sobre está passagem já se passaram mais de 1 ano.

Nesta vida todos os bens físicos não nos pertencem verdadeiramente, pois são “bens transitórios”, ou seja, nos pertence somente durante o tempo pelo qual conseguimos utilizá-los e não os levamos após a morte. Meu pai biológico teve seu carro roubado, estava em seu nome, pagava o IPVA, DUT etc., ele foi furtado e morreu sem poder utilizá-lo. O carro seria dele? Se era como foi que conseguiram privá-lo de usufruir dele em vida? Levou-o após a morte?

O que é meu de verdade, levo comigo em todos os momentos, ou seja, meus pensamentos, retidão, humildade, conhecimentos, ações e o meu amor pelas pessoas e pela vida, pois estão guardados em meu Orí e não podem serem apropriados. Caso eu morresse agora levaria somente isso ao Òrun, nem mesmo os sapatos e as roupas no corpo eu os levaria. Os antigos Iorùbás utilizavam a expressão “ìwà rere - bom caráter”, como ele sendo o melhor caminho para o cumprimento de um bom destino e “ìwà lèsìn - o caráter sendo a essência”, das religiões de matrizes Iorùbás. Neste sentido, sempre caminhei nos desígnios do sagrado plantando boas sementes no canteiro de obras da minha vida.

“Ìwà ré laye yii ni yòó da o lejo”.
(Teu caráter na terra proferirá sentença contra você).

Estive recentemente em terras Iorùbás em uma comunidade de Òsányìn na Nigéria - África, conversei com um Olúwo Bàbálọsányin (líder / ancião) e com o igbá ancestral de Òsányìn (Ìta Òrun), que é o próprio oráculo do culto e se comunica diretamente por assobios. Para me aconselhar sobre todos esses aspectos envolvidos, orientações junto daqueles que guardam há mais de 2.000 anos os antigos costumes, tradições e ancestralidades de Òsányìn. E após consultar o sagrado, o que me foi revelado prevê um futuro simplesmente brilhante dentro das estradas e no asé deste mesmo òrìṣà. E ainda consegui compreender meu destino nos caminhos de sacerdócio.

“Òsányìn é magia viva em meu ser, caminhos e destino e isto ninguém consegue se apropriar!!!”.

Desejo boa sorte aos proprietários do igbá òrìṣà Òsányìn, por viverem numa fantasia de que o òrìsà ficou ao lado deste igbá. Ninguém nesta vida é “dono do vento”, pior é acreditar neste tipo de ilusão simplesmente por conseguir se apropriar de um apanhado de materiais físicos. Òrìṣàs são deidades, representam o começo da vida no àiyé, a força da natureza e a energia do asé, possuem consciência, opiniões e vontades próprias, portanto conseguem compreender muito melhor do que qualquer um de nós, sobre o que é certo ou errado nesta vida.

Igbá òrìṣà é um assentamento sagrado de imensa importância dentro das religiões de matrizes Iorùbás, existem òrìṣàs que são cultuados por gerações em uma mesma família através de um igbá. Ìta Òrun é um exemplo de òrìṣà ancestral que acompanha a comunidade Ègbéwolé. Òsányìn está encantado em uma estátua de madeira, entre suas consultas ele é normalmente molhado com gin, pois adora beber, então seu igbá tem um “desgaste físico” muito maior quando se comparado com uma òkúta (pedra). Para atenuar está situação existem sempre três estátuas ou igbás diferentes para Òsányìn se manifestar, que vão sendo utilizadas e substituídas ao longo do tempo. Isto somente reforça a condição de Òsányìn como etéreo sagrado sobre o transitório igbá fisico.

Mas, retornando ao também importante igbá e òkúta no Brasil, e se imaginássemos um grupo de extremistas de outra religião invadindo de noite o espaço do Ilé Asé para na maldade, depredar e jogar o que pudessem no fundo de um rio. Ao perder fisicamente o igbá o seu caminho em òrìsà também estaria perdido? Seu ciclo com o sagrado estaria então concluído, pois o òrìṣà estaria preso no rio?

“Não!!! Vão se os anéis ficam se os dedos!!!”.

Então, para o meu caso que não é fictício eu digo.

“Que fiquem com a cabaça e as folhas, contudo o encanto de Òsànyín, o qual costumo chamá-lo de pai, carrego-o em meus caminhos nesta vida”.

“Bàbá mi Òsányìn! Ewé ó! Ewé ó!”.

No candomblé me ensinaram que a cabeça divinizada, portanto renascida pelos atos de Adosú e Ekodidé se torna consagrada moradia de Òrìsà, e ainda, por essas crencas, quando eu morresse haveria a necessidade de se abrir uma segunda vez a cúria (centro) do Orí, para o òrìṣà poder se desvencilhar e retornar para a natureza. Independentemente de como são feitos esses atos por Ègbéwolé na Nigéria, pretendo manter algumas das tradições do candomblé por ter nascido em òrìṣà aqui no Brasil.

Estou livre por conseguir me desapegar, então que façam bom proveito dos seus bens, pertences e dos seus karmas, pois nada disso me pertence. Podem até chamar de amor e fé uma conduta autoritária de propriedade, mas é somente o ego em curso, atitude controversa, ainda mais quando são comparadas com ações do passado, por receber irmãos iniciados de outros terreiros com seus respectivos igbás.

Da minha parte sou, contudo, muito grato a navalha que me iniciou nos caminhos de Òsányìn e vou levar está assinatura em meu orí com a maior retidão, compromisso, amor e fé. Todas as manhãs em minhas orações eu lhe peço sua benção e te desejo prosperidade como forma de agradecimento, afinal foi graças a uma aliança estabelecida há 12 anos atrás que Òsányìn consegue me ensinar hoje. Sobre os seus ìtans e feitos, sobre ele não ter se iludido com o seu enorme poder em despertar o asé das folhas, a ponto de erroneamente ter se considerado o dono delas. Òsányìn me trouxe em uma curta frase, um pouco da sua sabedoria, uma grande reflexão sobre o igbá òrìsà e o que de fato me pertence nesta vida, mas, sobretudo, me demostrou em qual lugar se encontra ao vir ensinar sobre os seus encantos.

Uma porta se fechou em minha vida, porém outra maior se abriu e quem está me conduzindo nesta nova jornada é Òsányìn. Não guardo nenhum sentimento de tristeza, mágoa ou rancor, estou mais alegre, fortalecido no orí e no vínculo com o òrìṣà. Somente me “despertaram” pela busca dos antigos costumes e ancestralidades de Òsányìn, me despertaram para o meu propósito nesta vida.

Que meu orí nunca perca suas forças interiores ou aquilo que de fato me pertence, para eu assim não esmorecer, fraquejar e pensar em desistir.
O amor, a fé e a resiliência que me motiva recomeçar, a humildade que me torna mais humano, o caráter como bússola para os novos desafios da vida, o agradecimento até pelas dores que nos desperta das ilusões de propriedade sobre a realidade física, a adaptabilidade para as mudanças do tempo e o sorriso que no final faz tudo valer a pena.

Òsányìn me ensinou que ele não é o dono das folhas, apesar do grande poder que exerce sobre elas. Eu evolui ao compreender que nunca fui o dono do igbá òrìṣà Òsányìn, mas dono do poder da fé, da coragem e da força de vontade que me faz recomeçar.

E o seu orí?
Ele se te condiciona a ser dono do que nesta vida?

Autor: Òsányínwumi.
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Fonte: Facebook

Transcrição e adaptação: Luiz L. Marins

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