Luiz L. Marins
Novembro de 2017
Tem ganhado destaque nas mídias sociais
afro-religiosas alguns mitos sobre possíveis relações homossexuais,
especialmente os mitos de Oxum e Iansã, Oxossi e Logunede. Entretanto, estes mitos não possuem nenhum
crédito, ainda que sejam encontrados em livros de autores famosos.
Mostraremos aqui porque estes mitos devem ser
desconsiderados, não por causa do suposta homossexualidade entre as divindades,
mas por falta de seriedade da pesquisa dos autores que os publicaram pela
primeira vez.
O SUPOSTO MITO LÉSBICO DE OXUM E IANSÃ
Este mito ganhou destaque através do livro
“Mitologia dos Orixás”, 2001, Cia. Das Letras, do professor Reginaldo Prandi,
tendo como título “Oxum seduz Iansã”, publicado na pg. 325.
Prandi informa como fonte, o livro "Santos
e Daimones", de Rita Laura Segato, p. 403, publicado pela Universidade de
Brasília, 1995.
Rita Segato informa ter trabalhado na cidade
de Recife, no bairro da Linha do Tiro, na região de Beberibe, numa casa de
santo, sem citar o nome, na qual morou por seis meses, e depois, mais seis
meses nos arredores de Água Fria, Encruzilhada e Beberibe.
Rita Segato não declara o(s) informante(s),
nem a casa pesquisada, limitando-se a dizer que se trata de pesquisa de campo.
A própria autora, na página 20, declara na introdução que omitiu os informantes.
Usando a possibilidade da tecnologia moderna,
e para maior credibilidade, ao invés de transcrever o texto de autora, vamos
inserir as imagens do livro, já que é possível. O texto em questão está na
terceira imagem, no segundo mito da página:
Esta é a página de rosto.
O texto “Xangô
de Recife” foi por nós inserido para melhor clareza.
A autora Rita Segato informa que decidiu omitir os nomes dos
informantes, como se isso não tivesse nenhuma importância, e apenas a palavra
dela seria suficiente para dar credibilidade a um tema tão polêmico.
O décimo nono episódio relata o suposto mito lésbico entre
Oxum e Inhansã.
Como vimos, nenhuma fonte é informada, de
forma que o povo de santo afro-brasileiro deve refutar este mito como falso,
não pela relação homossexual, mas pela falta de credibilidade no trabalho de
recolha do mito, pela falta da citação de informantes, por não informar, ao
menos, a casa pesquisada.
LOGUNEDÉ É POSSUÍDO POR OXÓSSI
Este mito que mostra uma suposta relação
homossexual entre Oxossi e Logunede, ganhou notoriedade nas mídias sociais
também através do livro “Mitologia dos Orixás”.
Prandi informa como fonte uma “pesquisa de
campo” de Luis Fernando Rios, professor da Universidade Federal de Pernambuco. Curiosamente, o autor citado não consta na
bibliografia do livro de Prandi, de forma que precisamos procurar na internet
pelos textos do autor, o que conseguimos, após algumas horas de busca.
O mito em questão trata-se de uma pesquisa de
campo realizada também em Recife publicado no artigo “Loce Loce Metá Rê-Lê”, Polis e Psique, vol. 1, n. 3, 2011, pg.
212, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Importante frisar que mito não é do batuque
Rio Grande do Sul, mas sim, do Xangô de Recife. Ele apenas foi publicado em uma
revista acadêmica gaúcha.
Novamente vamos recorrer ao recurso da
tecnologia e publicar as imagens, que darão mais credibilidade. Preste atenção
na segunda linha da segunda imagem, que há uma nota 2, que também publicamos
aqui:
Inicial do artigo Loce Loce... publicado na revista Polis e Psique
Prezado leitor, observe nesta imagem a nota
2, na segunda linha, pois ela é crucial para o fechamento do assunto que
faremos mais a seguir:
Prezado leitor, observe nesta imagem a nota
2, na segunda linha, pois ela é crucial para o fechamento do assunto que
faremos mais a seguir:
Nesta passagem o texto mostra Logunede como travesti.
A NOTA 2
O mito em si, não importa. O que realmente
interessa é esta nota 2. Nela, Rios declara que recontou os mitos “de forma
livre, sem mencionar os informantes, quem contou o que”.
Como vemos, este mito sobre uma suposta relação homossexual
entre Oxossi e Logunedé não tem nenhuma base científica, não há informantes,
nenhuma casa é citada como base para a coleta do mito. O argumento de tratar-se
memória coletiva não é embasamento para tal procedimento. Em algum local este
mito foi ouvido, e este local deveria ser citado, para que o trabalho pudesse
ter o mínimo de legitimidade.
Rios informa que os detalhes da pesquisa estariam na
dissertação de mestrado, que tem o mesmo nome do artigo, mas não conseguimos
localizar até o momento.
Portanto, este mito também deve ser refutado pelo povo de
santo afro-brasileiro, também, repetimos, não pela suposta relação homossexual,
mas pela falta de credibilidade do trabalho de pesquisas.
CONSIDERAÇÃO FINAIS
Diante do exposto entendemos que estes mitos devem ser
desconsiderados por não apresentarem por parte dos autores um informante ou
local confiável para credibilizar a pesquisa de um tema polêmico como esse. Um artigo acadêmico que informa apenas ser uma
“pesquisa de campo em tal cidade”, é, no mínimo, uma afronta à inteligência.
Neste momento lembramos a fala do professor Roberto Motta,
antropólogo, professor doutor da Universidade Federal de Pernambuco, que escreve
na apresentação do livro de Anilson Lins, Xangô
de Pernambuco, Editora Pallas, a seguinte crítica aos próprios acadêmicos,
embora seja um. Vejamos:
[…] O primeiro destes méritos é a fidelidade
ao vivido. Ao vivido, quero dizer, àquilo que as pessoas fazem, à sua realidade
material e cotidiana, em contraposição ao que vem infelizmente sendo tão comum
na produção antropológica, isto é, a atitude diametralmente oposta que consiste
em confinar-se o antropólogo a uma espécie de gueto, em que os pesquisadores –
se ainda pesquisadores – tratam seus próprios modelos ou daquilo que querem
impor à realidade.
Deixam
de ser cientistas e abandonam-se a elucubrações, não a
respeito do que as coisas são, mas sobre como deveriam ser para corresponderem
às utopias de que se fazem muitas vezes representantes. Utopias que envolvem
uma tentativa de domínio, uma reivindicação de poder. (O grifo é nosso)
Em nome do relativismo cultural e da
igualdade entre os povos, antropólogos, sociólogos e assemelhados, estão é
ferozmente tratando de impor à realidade o único modelo de história que
consideram válido, com origens no ideário do período que tenho chamado período
intramural […]. [1]
[1]
“Intramural” refere ao que acontece internamente, termo geralmente empregado na
área médica para designar tumores internos.