Por Orlando Castro
Os cabindas continuam a reivindicar, e desde 1975 fazem-no com armas na mão, a independência do seu território. No intervalo dos tiros, e antes disso de uma forma pacífica, nomeadamente quando Portugal anunciou, em 1974, o direito à independência dos territórios que ocupava, a população de Cabinda reafirma que o seu caso nada tem a ver com Angola.
Em termos históricos, que Portugal parece teimar em esquecer, Cabinda estava sob a «protecção colonial», à luz do Tratado de Simulambuco, pelo que o Direito Público Internacional lhe reconhece o direito à independência e, nunca, como aconteceu, a integração em Angola.
Relembre-se que Cabinda e Angola passaram para a esfera colonial portuguesa em circunstâncias muito diferentes, para além de serem mais as características (étnicas, culturais etc.) que afastam cabindas e angolanos do que as que os unem.
Acresce a separação física dos territórios e o facto de só em 1956, Portugal ter optado, por economia de meios, pela junção administrativa dos dois territórios.
Com perto de dez mil quilómetros quadrados, Cabinda é maior que S. Tomé e quase do tamanho da Gâmbia. Possui recursos naturais que lhe garantam, se independente, ser um dos países mais ricos do Continente. A nível agrícola, das pescas, pecuária e florestas tem grandes potencialidades mas, de facto, a sua maior riqueza está no subsolo: Petróleo, diamantes fosfatos e manganês.
A procura da independência data, no entanto, de 1956. Quatro anos depois da união administrativa com Angola, forma-se o Movimento de Libertação do Enclave de Cabinda (MLEC) e em 1963, dois anos depois do início da guerra em Angola, são criados o CAUNC - Comité de Acção da União Nacional dos Cabindas e o ALLIAMA - Aliança Maiombe.
A FLEC - Frente de Libertação do Enclave de Cabinda é fundada nesse mesmo ano, como resultado da fusão dos movimentos existentes e de forma a unir esforços que sensibilizassem Portugal para o desejo de independência. Era seu líder Luís Ranque Franque.
Alguns observadores referem, a este propósito, que o programa de acção da FLEC (elaborado na altura da junção de todos os movimentos cabindas) era nos aspectos político, económico, social e cultural muito superior aos dos seus congéneres angolanos, MPLA e UPA.
Cabinda, ao contrário do que se passou com Angola, foi «adquirida» por Portugal no fim do Século XIX, em função de três tratados: o de Chinfuma, a 29 de Setembro de 1883, o de Chicamba, a 20 de Dezembro de 1884 e o de Simulambuco, a 1 de Fevereiro de 1885, tendo este anulado e substituído os anteriores.
Recorde-se que estes tratados foram assinados numa altura em que, nem sempre de forma ortodoxa, as potências europeias tentavam consolidar as suas conquistas coloniais. A Acta de Berlim, assinada em 26 de Fevereiro de 1885, consagrou e reconheceu a validade do Tratado de Simulambuco.
No caso de Angola, a ocupação portuguesa remonta a 1482, altura em que Diogo Cão chega ao território. E, ao contrário do que se passou em Cabinda, a colonização portuguesa em Angola sempre teve sérias dificuldades e constantes confrontos com as populações, de que são exemplos marcantes, nos séculos XVII e XVIII, a resistência dos Bantos e sobretudo da tribo N´ Gola.
É ainda histórico o facto de a instalação dos portugueses em Angola ter sido feita pela força, sem enquadramento jurídico participado pelos indígenas, enquanto a de Cabinda se deu, de facto e de jure, com a celebração dos referidos tratados, subscritos pelas autoridades vigentes na potência colonial e no território a colonizar.
Segundo a letra e o espírito do Tratado de Simulambuco, assinado por príncipes, governadores e notáveis de Cabinda (e pacificamente aceite pelas populações), o território ficou «sob a protecção da Bandeira Portuguesa».
Vinte cruzes e duas assinaturas de cabindas e a do comandante da corveta «Rainha de Portugal», Augusto Guilherme Capelo, selaram o acordo.
Duvida-se que a terminologia jurídica de então, e constante do tratado, tenha sido percebida pelos subscritores cabindas. No entanto, crê-se que a síntese do texto tenha sido entendida, já que se referia apenas à «manutenção da autoridade, integridade territorial e protecção».
No contexto histórico da época, o Tratado de Simulambuco reflecte tanto à luz do Direito Internacional como do interno português, algo semelhante ao dos protectorados franceses da Tunísia e de Marrocos.
Apesar da anexação administrativa, Cabinda sempre foi entendida por Portugal como um assunto e um território distintos de Angola. A própria Constituição Portuguesa, de 1933, cita no nº 2 do Artigo 1 (Garantias Fundamentais), Cabinda de forma específica e distinta de Angola.
Partindo desta realidade constitucional, a ligação administrativa registada em 1956 nunca foi entendida como uma fusão com Angola.
Repressão religiosa
Ao longo dos tempos, sobretudo a partir da independência de Angola (11 de Novembro de 1975), a Igreja Católica em Cabinda denuncia um constante clima de repressão sobre os seus fiéis imposto pelo Governo de Luanda.
Recentemente, Março de 2006, o padre João de Brito Luemba, afirmou publicamente que católicos que frequentam a a Igreja da Imaculada Conceição são constantemente perseguidos pela polícia.
Este clima demonstra, segundo o sacerdote, uma autêntica intromissão do poder político, nomeadamente dos agentes de segurança, na suposta liberdade religiosa propalada pelo Governo de Luanda.
É cada vez mais vulgar ver nas paróquias de Cabinda militares armados e, como se isso não bastasse, exercerem vigilância apertada e intimidatória as residências dos sacerdotes.
Acresce que, a título da luta contra a criminalidade, Luanda continua a prender todos aqueles, sobretudo jovens, que encontram na Igreja Católica o apoio social para continuarem a sobreviver.
Um dos casos mais recentes reporta-se à prisão do secretário-geral do Conselho da Juventude da Paróquia da Imaculada Conceição, Xavier Tati, acusado de ter cometido injúrias contra alguns superiores da igreja.
Tese do Governo de Luanda
Apesar do Governo angolano ter proposto uma resolução de paz para o conflito de Cabinda, os seus homólogos no enclave ainda não foram convidados. O Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas Angolanas, general Agostinho Nelumba "Sanjar", afirma que “o Governo abriu um diálogo e, num futuro próximo, o problema será resolvido”, mas parece esquecer que não é pela via militar que a situação será resolvida.
De acordo com Raul Danda, representante da Organização Não Governamental (ONG) Mpalabanda – Associação Cívica de Cabinda (MACC) e membro do Fórum Cabindês para o Diálogo (FCD), “Sanjar afirma que haverá muito em breve uma solução de paz para Cabinda, mas esquece-se de envolver as partes locais e de ouvir a população sobre o assunto”.
Danda afirma que o FCD recebeu no dia 2 de Fevereiro um documento oficial do Governo angolano “sobre o estatuto especial para Cabinda”, que estipulava essencialmente os princípios de discussão que conduzem à autonomia.
O FCD, que inclui representantes da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), da MACC, da Igreja de Cabinda e de outros grupos da sociedade civil e dos direitos humanos, é reconhecido como o corpo representante dos movimentos separatistas do enclave. “Concordamos com três princípios: o princípio da negociação directa com o Governo angolano, o princípio do cessar-fogo e o princípio de conceder um estatuto especial a Cabinda,” observou Danda.
Diferentes teses sobre Simulambuco
Eugénio Costa Almeida, um especialista em questões da Lusofonia, considera que Simulambuco não é um Tratado mas, antes, um Acordo.
Acordo e não Tratado porque, diz Eugénio Costa Almeida, o que foi celebrado em 1885, segundo a jurisprudência internacional foi um Acordo de suserania (apesar de no referido documentos estar “protectorado de Portugal, tornando-nos, de facto, súbditos da coroa portuguesa”) e não um Tratado.
«Este é o primeiro erro que alguns analistas continuam a manter. O segundo, que não deixa de ser grave porque são os dirigentes locais que o sustentam, prende-se com a data da celebração do Acordo: este foi celebrado entre alguns príncipes e chefes locais cabindas e o capitão-tenente Brito Capelo, comandante da corveta “Rainha de Portugal” em nome da coroa portuguesa, não a 1 de Fevereiro, mas a 22 de Janeiro de 1885», diz Eugénio Costa Almeida.
Enquanto este especialista diz que, “como angolano não se vê separado de Cabinda”, eu como angolano só me vejo angolano de pleno direito quando os cabindas tiverem dito livremente como querem ser e estar no contexto das nações.
Apesar da tese que defende, Eugénio Costa Almeida reconhece que “as especificidades do território lhe dão garantias para gozarem do direito a um estatuto especial: uma autonomia incorporada: por outras palavras, uma autonomia política, social e económica, sob a tutela governativa (defesa e relações externas) de Luanda”.
À luz do direito internacional a potência administrante de Cabinda ainda é Portugal e Lisboa terá, por muitas que sejam as pressões de Luanda, de perceber que Cabinda não é, nunca foi, nunca será uma província de Angola.
Aceito que, por manifesta ignorância histórica e política, os governantes portugueses pensem que Cabinda sempre foi parte integrante de Angola. Mas se estudarem alguma coisa sobre o assunto, verão que nunca foi assim, mau grado o branqueamento dado à situação pelos subscritores portugueses dos Acordos do Alvor.
Quanto aos outros subscritores, desde sempre Agostinho Neto, Holden Roberto e Jonas Savimbi souberam que Cabinda era algo diferente. Basta ver as posições mais recentes tanto da FNLA como da UNITA que defendem uma solução negociada para Cabinda.
Impor a paz pela força não leva à paz
Atrocidades cometidas pelas Forças Armadas angolanas em Cabinda e susceptíveis de fundamentar a actuação do Tribunal Penal Internacional são constantemente denunciadas, pelo que, como diz o padre Raul Tati, "se há país em que os Estados Unidos da América deveriam intervir, esse país é Angola, devido ao que se passa em Cabinda".
"Não basta fazer denúncias. É preciso realizar acções que visem uma responsabilização penal dos autores morais e materiais das violações" que estão a ser perpetradas em Cabinda, salienta o padre Tati.
No mesmo sentido se pronuncia o jornalista angolano Rafael Marques, que sustenta a necessidade de sentar no "banco dos réus" (o presidente de Angola) José Eduardo dos Santos e os seus "cabos de guerra".
Partidário de uma declaração de independência do enclave, Raul Tati considera que "a negação de uma independência separada em relação a Angola deve ser assumida efectivamente como a primeira grande violação que o regime do MPLA impôs impunemente ao povo de Cabinda desde 1975, altura em que, com a cumplicidade activa de Portugal, invadiu e ocupou" aquele território.
Tati apela às opiniões públicas portuguesa e internacional para que "façam tudo, mas absolutamente tudo, para se acabar com a chacina em Cabinda e para se devolver a dignidade ao seu povo".
Imputando ao presidente José Eduardo dos Santos o "pleno conhecimento" do que se passa em Cabinda, "por acção dos seus subordinados", Rafael Marques é de opinião que o chefe de Estado angolano "assume, por mandato ou consequência, a responsabilidade criminal por esses actos".
Martinho da Cruz Nombo, que exerceu entre 1995 e 1999 as funções de vice-governador provincial de Cabinda, salienta que se assiste "hoje a cenas deploráveis e incompreensíveis à luz de um Estado que se diz de Direito e democrático".
Entre essas cenas, Martinho da Cruz Nombo evoca detenções arbitrárias, intimidação psicológica, ameaças e ofensas corporais permanentes, execuções sumárias, buscas em residências particulares sem mandado judicial, violação de menores, destruição de aldeias e de campos agrícolas e saque de bens.
Face ao conflito em curso, o ex-vice-governador provincial sustenta que a sociedade civil e as duas alas militares da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) "podem constituir o verdadeiro interlocutor para discutir o futuro" do território.
Nesse sentido, desafia as instituições internacionais a promoverem "com urgência" uma investigação internacional independente sobre as denúncias de "limpeza étnica" realizadas pelo regime de Luanda e que "indiciam crimes de guerra e crimes contra a humanidade".
Partidário, a médio prazo, da obtenção de autonomia, mas "sem fechar as portas a outras soluções", manifesta-se Justino Pinto de Andrade, militante do MPLA.
Justino Pinto de Andrade prefere situar a génese do "Caso Cabinda" no que classifica "triste herança colonial", defendendo que a "violência que tem lugar (no enclave) deve cessar imediatamente, antes mesmo que se ajustem formas adequadas para o relacionamento futuro".
Além de Cabinda, persistem situações de "miséria, de autêntico abandono" noutras partes de Angola, e Justino Pinto de Andrade receia que depois do enclave "amanhã, outras ondas de choque se propaguem para o resto do país".
Crítico do "formato centralizador" que o regime angolano tem adoptado no relacionamento com as diferentes regiões do país, e que "será sempre um verdadeiro barril de pólvora, pronto a explodir", aquele militante do MPLA é de opinião que essa situação pode ser prevenida.
"Basta exorcizarmos todos os fantasmas, quer os do passado, quer os resultantes de algumas deformadas ideologias, ou até os decorrentes de meras ambições pessoais", defende.
Cabinda, segundo N’Zita Henriques Tiago
«É com o sangue no corpo e as lágrimas nos olhos que nos dirigimos a vós, o nobre povo Luso. Nós Cabindas aprendemos a admirar o Infante Dom Henrique, Diogo Cão, Vasco da Gama. Ouvimos falar de El-Rei D. Carlos, do 5 de Outubro e do 25 de Abril. Foi-nos prometido o diálogo, mas ele nunca se consubstanciou. O roubo por parte dos angolanos das nossas riquezas (o petróleo, madeiras, diamantes, ouro, etc.) mantém o povo de Cabinda na miséria, e quem as rouba é o MPLA, com a ajuda da multinacional Chevron Texaco. Eles vivem acima da lei e são impunes às leis internacionais», afirma N’Zita Henriques Tiago.
«Angola, que nos invade, é o país mais corrupto do mundo, é sem surpresa um dos mais pobres, apesar das riquezas que possui e das que rouba à nação de Cabinda. Em Angola uma em cada quatro crianças morre antes de chegar ao primeiro aniversário.
Assim está o país que as autoridades portuguesas nos deixaram entregues. Angola recebe em receitas de petróleo 5 biliões de dólares por ano, 4 biliões são provenientes do petróleo roubado à nação de Cabinda. Mas o dinheiro do petróleo só tem enriquecido aos Luandenses. O presidente criminoso Eduardo dos Santos e’ o angolano mais rico do país.
Nós somos um espinho cravado na alma lusitana, que não encontrará sossego enquanto não se redimir do esquecimento a que nos tem votado.
Há novas Aljubarrotas a travar, para que se cumpra o desígnio que vos trouxe até estas paragens.
A História não acabou com a descolonização. A descolonização ainda não acabou.
Há aqui uma diocese escravizada, onde os padres são os melhores amigos do povo. Há ainda a esperança num milagre.
A Independência de Cabinda é uma inevitabilidade histórica, que mais cedo ou mais tarde terá que suceder. Nós sabemos que vós sois o povo de Santo António, da Rainha Santa. Rezai por nós.
Quem tão bem soube aplaudir D. Ximenes Belo, bispo de Dili, também saberá com certeza ouvir D. Paulino Fernandes Madeca, o nosso bispo, quando a todos chama a atenção para aquilo que sofremos. Temos um vigário-geral e temos sacerdotes que são os nossos autênticos anjos da guarda, benzendo-nos e curando-nos as feridas quando caímos por terra, vítimas da violência. Temos, acima de tudo, o desejo de preservar a nossa identidade, que não é a mesma dos congoleses ou dos angolanos. É apenas a de um povo de 600 ou 700 mil almas que tem uma cultura própria, alicerçada há mais de 120 anos.
Nós vos pedimos que no vosso Parlamento, nas vossas escolas, nas vossas rádios, falai de nós, os Cabindas, aqueles que sofrem mas não desistem, os que preferem ser mártires a claudicar, a ceder.
Em Lisboa, no Porto, no Funchal, em Angra do Heroísmo, falai de nós, ajudai-nos!
Ajudai-nos a lutar pelo que é justo e é devido ao povo de Cabinda!»
Orlando Castro
Texto inserido em:7/02/2006
Fonte - https://old.eusou.com/premium/cronicas.asp?id=396&det=1634