Por Alexandre Custodio
Em 13/12/2021
O Batuque perdeu muito desde a passagem de sua primeira geração, com essas passagens, tanto idioma, conceitos e fundamentos foram corrompidos, tanto que muitos hoje falam de um “Batuque Original” que não é o que foi formatado pela primeira geração, embora, ainda coletemos informações importantes em alguns templos que preservaram, e em ótimos trabalhos de registros feitos por antropólogos e estudiosos, mesmo que alguns sacerdotes demonizem, esse conhecimento e esses registros escritos nos mostram que o Batuque que praticamos hoje possa não ser o mesmo da primeira geração, pois a ele foram adicionados conceitos e regras que os antigos não tinham, e retirados fundamento e preceitos muito caro aos mesmos, esses fragmentos comprovam as mudanças criadas, pelas gerações posteriores para ocupar esse vácuo de conhecimento, que não se empenharam em preservar.
Podemos ver que a preocupação com a perda, não nasceu agora, tentativas de disseminar o conhecimento independentemente dos resultados já aconteceram no século passado. E como podemos ver ainda hoje o sacerdote quer concentrar o poder em suas mãos, para assim exercer um certo domínio esse fato não mudou, conforme os extratos abaixo demonstram.
[...] Não será casual que o pai-de-santo Paulo Tadeu Ferreira justifique o seu livro (Fundamentos Religiosos da Nação dos Orixás – Nação de Cabinda) como uma forma de suprir aquele saber que os pais-de-santo por negligência, falta de conhecimento, egoísmo, e, até mesmo, em alguns casos, para que os futuros Babalorixá e Ialorixá fiquem na dependência religiosa de seu mestre de ensinamentos (Ferreira, 1983:13). [...]
[...] Se recusaram a dar, nada escreva sobre os eguns. Talvez tenha sido exatamente isso que levou Bastide (2001) a pensar que a “casa dos mortos” havia desaparecido em Porto Alegre, provavelmente em função, pensava ele, do “caráter mais proletário da religião, o que impede o sacerdote de comprar terreno suficientemente vasto para compreender mais de uma habitação” (Bastide, 2001: 79). [...]
Podemos acrescentar aqui também o depoimento colhido junto ao Mestre Borel que se colocava contra o sistema religioso em sua época mostrando estar descontente sobre como ocorriam os fatos.
[...] Há sempre alguma história sobre um chefe que tentou exceder essa fronteira, sendo então acusado de autoritário, explorador etc. O limite da autoridade, aqui como alhures, é a defecção. Existem inclusive aqueles que entendem que o problema da religião é sempre a hierarquia, e esses, mesmo prontos para serem pais-de-santo, preferem, no entanto, não ter casa nem filhos. Borel (tamboreiro) é um deles. Quanto a filhos de santo e casa de Religião aberta é taxativo: “eu nunca tive filho de santo. Eu não quero saber dessas coisas comigo. Sou meio cabuloso”. Na verdade, contrário à estrutura hierárquica das casas de Religião em torno do pai de santo com poderes absolutos (o que segundo ele seria uma deturpação da tradição africana), se nega a ter filhos e filhas de santo iniciados desta forma (Braga, 2003: 53). [...]
[...] Particularmente, não conheci nenhum chefe com “poderes absolutos”, mas esse depoimento, que pode também ser lido pelo seu inverso, atesta a enorme importância concedida à autonomia ritual. Borel, por outro lado, pôs no chão (apenas) duas pessoas, uma delas a sua cunhada e outra cujo vínculo desconhecemos, evitando, em ambos os casos, que se “criassem laços de parentesco ritual”, argumentando que “há muito malandragem nisso. Muitos pais e mães de santo estimulam os filhos a abrirem casas de Religião para aumentar os seus ganhos, pois, ao alastrarem a sua descendência, consequentemente multiplicam os lucros, já que cobram para realizar obrigações religiosas para eles. Uma de suas mães de santo procedia assim, por isso não a comunicou quando botou no chão aquelas duas pessoas. (Braga, 2003: 53). [...]
Esses fatos narrados acima corroboram também, o que é narrado onde os filhos levam suas obrigações para casa apenas para cuidar delas e se distanciarem da influência e domínio de seus sacerdotes, como pode ser visto nesse próximo extrato.
[...] A expressão “casa aberta” pode ser encontrada em outros contextos (Birman, 1985: 74). É muito difícil avaliar a quantidade de tais casas, mas é razoável supor que elas existem em um número significativo, sobretudo porque, ao que parece, não são incomuns essas situações em que um filho tem consigo os seus santos sem, contudo, interessar-se em ter filhos ou mesmo em atender clientes. [...]
Não podemos negar que muito do que se perdeu foi de forma proposital, já que os antigos muitas vezes de forma leviana optaram por esconder e não repassar todo o conhecimento que sabiam, perdemos assim parte importante do nosso legado, não podemos deixar de pontuar também a famosa alegada falta de “merecimento” por parte dos sacerdotes para a não passagem de todo o conhecimento, deixando claro que infelizmente alguns de nossos mais antigos, como os dos dias atuais, se acham donos do Batuque, mas mesmo assim os sacerdotes atuais que adotam esse comportamento, como os nossos antigos que o praticaram, não vão conseguir levar todo Batuque com eles em suas partidas. Infelizmente essas ações, abriram espaço para as inserções que vemos diuturnamente acontecer desde a passagem da primeira geração.
[...] Reginaldo Braga, destacava a presença desse tema entre os responsáveis pelos tambores rituais. O tamboreiro Carlinhos da Oxum disse ter aprendido vários lados com os mais antigos, recolhendo mais de 700 axés (cantos) ao longo de sua atividade como tamboreiro, mas não deixa que seus alunos tenham acesso completo a essa compilação ritual, aos quais, portanto, não ensina tudo aquilo que sabe. (Braga, 2003: 159). [...][...] Noto ainda que o número de tamboreiro que conhece os cantos dedicados aos orixás parece bem maior do que aqueles que conhecem os axés dos eguns. Nenhuma pessoa, veremos mais tarde, sabe tudo, precisamente porque há um lado do saber que nunca se fecha. (Braga, 2003: 159) [...]
Abaixo podemos ver os frutos gerados por essas ações o arrazoamento do culto, que o levou a mudar para uma forma mais comercial se distanciando da matriz e se aproximando do formato cristão, criando conceitos e deturpando conceitos existentes, que impedem o culto “doméstico” colocando o sacerdote no centro e tudo na sua dependência, subordinando os orixás aos mesmos como vemos nos dias de hoje.
[...] Serra (1995) ajudou a situá-lo em uma perspectiva comparativa mais ampla. Na religião iorubana, pode-se distinguir um culto doméstico de outro “sacerdotal” como constitutivos de tradições relativamente distintas. Embora na Bahia, por exemplo, a primeira tenha tido certo desenvolvimento, prevaleceu a segunda, propagada por organizações religiosas estruturadas em bases “conventuais”, como colégios místicos. Aliás, verificou-se em todo o Brasil a tendência para a desaparição do culto (“nagô”) doméstico ou sua absorção pelo “de sacerdócio” – absorção que em Laranjeiras se faria, quiçá, mediante interferência dos especialistas no rito “conventual” de implantação mais antiga (1995: 73). Acrescento que a etnografia haitiana fornece um testemunho adicional a respeito do mesmo fenômeno, pois lá, tanto quanto cá, a forma comunitária do culto parece ter predominado sobre a forma doméstica, embora, como aqui, os arranjos e passagens entre elas sejam também bastante complexos. [...]
Pelo lado bom podemos notar que embora não fossem letrados, os nossos mais velhos, não cometiam os erros que muitos sacerdotes atuais cometem, dizendo que as divindades são elementos da natureza ou atribuindo a elas características que não possuem.
[...] Assim, por exemplo, afirmava eloquentemente Pai Diamantino de Oxalá, chefe de uma casa Cabinda localizada na cidade de Pelotas. Então dizem: “vocês idolatram todos os deuses”. Nós dividimos deus em forma de natureza, em forma de orixá. Na verdade, é um deus só. Tu entendeste? Só que se eu quiser falar com deus em forma de Iansã, eu vejo o vento. Para mim, deus está no vento ‟(Kosby, 2009: 45). [...]
No extrato acima, podemos ver o alinhamento com a matriz na forma de pensar os orixás, se eu quiser tem acesso a Olodumare/Olorun posso fazer isso por Iansã, o vento é um dos elementos manipulados por ela, ela está no vento, e o vento não é ela, ela possui personificação.
Abaixo podemos notar a dinâmica diferente existente entre sacerdote e divindade, notadamente as divindades estavam a frente de seus templos e não apenas vinham afrente no nome do mesmo.
[...]É comum que o terreiro tenha como nome o do/dos Orixás principais do chefe. Mais ainda, uma resposta típica à pergunta porque uma pessoa abriu seu próprio terreiro é de que seu Orixá chefe assim o ordenou porque não podia subordinar-se ou continuar se subordinando a outros Orixás. (Brumana e Martínez, 1991: 153). [...]
As divindades ditavam as regras dizendo o que era permitido ou não no espaço consagrado a elas, suas decisões jamais seriam contestadas pois estavam sempre presentes e avaliando e reconhecendo as condutas dos seus devotos.
[...] Das quatro casas em que Corrêa (2006: 151) concentra mais a sua pesquisa de campo, duas introduzem algumas das primeiras complicações internas a essa classificação. Mãe Moça da Oxum e Mãe Ester da Iemanjá praticavam o chamado “Batuque puro”, embora a primeira tivesse em sua casa um Congá da Umbanda, religião em que atuara quando mais jovem, abandonando-a depois. Entretanto, algumas das integrantes do templo faziam ocasionalmente sessões de Umbanda. Por estes motivos, a visão dos acontecimentos [o autor se refere aqui ao ritual fúnebre chamado de Orissum], por parte da Mãe Moça, mostra, bem mais do que a outra, influência espírita-kardecista. No templo da segunda, também, havia muitas pessoas que frequentavam ou eram proprietárias de terreiros de Linha-Cruzada (o que inclui a Umbanda), cuja interpretação dos acontecimentos influenciava os outros, inclusive a chefe. A influência da Umbanda e sua visão kardecista, aliás, em grau maior ou menor, não é incomum nos praticantes do Batuque. É importante notar que Mãe Moça da Oxum teria se afastado da umbanda por conta de uma exigência feita pela própria Oxum, que, segundo consta, avisou que se a Indaiá (cabocla que Mãe Moça recebia pelo lado da umbanda) baixasse novamente, ela levaria o cavalo (mataria Mãe Moça) (Corrêa, 2002: 246). Foi então que esta mãe-de-santo entregou „a chefia da parte umbandista para uma filha-se-santo (2002: 246). [...][...] Marília Crosby, em sua etnografia sobre religiões de matriz africana em Pelotas, também se deparou com um caso (o único nesses termos) em que a terreira de Umbanda foi fechada porque o orixá do pai-de-santo, que é Bará, trancava as incorporações dos exus. Os filhos-de-santo desta casa, com a permissão do pai-de-santo, passaram a frequentar terreiras de Umbanda em outras casas. (Crosby, 2009: 77). [...][...]Em sua etnografia sobre as relações entre religião e política em três casas localizadas na cidade de Pelotas, Carla Ávila relata uma belíssima experiência pessoal. “Eu estava auxiliando Mãe Nara do Xapanã na limpeza do quarto de santo – local de maior energia de uma casa de religião, onde ficam os assentamentos dos orixás – e senti que estava correndo água sobre os meus pés, olho para o chão e percebo que está tudo seco. Continuo a ajudá-la a enfeitar com flores uma cortina de renda branca que cobria as obrigações e sinto novamente uma corrente de água em meus pés, como se eles estivessem molhados mesmo. Relato a sensação à Mãe Nara, ela sorri e diz que são os orixás das águas me saudando, no caso Oxum e Iemanjá ‟(Ávila, 2011: 18). [...]
Como também a constante busca pela orientação da divindade, que era ativa conclusão de rituais e serviços, colocando o tão apregoado merecimento hoje em dia de lado, e focando o peso na palavra do orixá, entendendo que resultado dependia da execução, mas também da leitura e entendimento da mensagem passada pela divindade por parte sacerdote.
[...] Chefes experientes e detentores de grande saber, como o Ayrton do Xangô, são unânimes em dizer que a cada dia adquirem conhecimentos novos: O búzio, diz ele, é o principal amansa-burro da gente, e a cada dia a gente aprende com ele. Uma vez eu estava patinando com um serviço e a coisa não ia, e então eu fui para o búzio. Sabe qual era o problema? Tinha que despachar (entregar ritualmente) o galo num monte de lixo! Eu não podia imaginar, mas o Xangô queria e pronto, foi bater e valer. (Corrêa, 2006: 88). [...]
Podemos notar que o Batuque, muitas vezes o Batuque possui uma visão inversa, as outras vertentes, uma conceituação mais próxima da matriz, vou colocar aqui nesse tópico extratos que comprovam o equívoco dos batuqueiros foram muitas vezes buscar em outras vertentes, explicações para suas práticas, criando conceitos totalmente avessos aos oriundos da matriz, bem como mudanças produzidas pelos próprios integrantes empobrecendo nossa cultura. Embaixo podemos ver o registro do tratamento dispensado a crianças conhecidas como abiku, como se procedia no Candomblé Ketu e como se procedia no Batuque.
[...]Note-se aqui uma significativa inflexão relativamente ao modo como os abiku, as “crianças nascidas para a morte”, são referidos na etnografia do candomblé, onde a sua iniciação devia justamente ser evitada, pois, caso passassem por ela, morreriam na hora. É que o rito tem por função estabelecer, se assim se pode dizer, a permeabilidade da cabeça às forças do além. Então nenhuma barreira deixaria de se opor aos chamamentos da confraria (dos abiku). Os ritos de iniciação incluem uma experiência de morte simbólica. Aquele a quem se subtrai cotidianamente à morte não deve, portanto, se expor jamais a ela. (Augras, 1994: 78). [...][...] No lugar de tais ritos, multiplicam-se, contudo, “as precauções mágicas para impedir essa criança de voltar a brincar com seus companheiros” (Augras, 1994: 77). [...][...] A iniciação, para Pai Luís, foi uma dessas “precauções mágicas”. Pai Darci era irmão-de-santo de Mãe Moça da Oxum, célebre mãe-de-santo de Porto Alegre, e a respeito de quem Norton Corrêa escreveu um belíssimo estudo (Corrêa, 2002). Mãe Moça, como destaca Corrêa, era também abiku, iniciando-se ainda criança. (Corrêa, 2002: 245). [...]
Podemos notar que o Batuques em seus ritos tem vários métodos de tratamento, para esses casos, desde seguranças, iniciações até rituais como a mesa de Ibeji. E as divindades que podem socorrer nesses momentos são as mais variadas, a destreza do sacerdote com seu oraculo significa muito nessas horas.
Nesse outro extrato poderemos ver que embora todos falem em tradição muitas mudanças são sim promovidas, para agradar as pessoas, deliberadamente, o toque do batuque nesse caso o xirê é mais lento e ritmado, como podemos ver nas gravações do mestre Borel.
[...]O mesmo dizia Alfredo do Xangô (também conhecido como Ecó) sobre sua casa: “No batuque eu já toco o outro lado, porque o pessoal está acostumado, mas a minha matança é Oyó, a feitura dos meus orixás e todo o procedimento é Oyó” (Braga, 2003: 144). [...]
Ele continua:
[...]Principalmente o pessoal do nosso lado, eles não estão tocando o nosso lado. Eles querem agradar o povo, pois a maioria das visitas que estão na casa deste povo de Oyó, não são Oyó, são o povo de Ijexá e povo de Cambina. A feitura até pode ser feita a do Ijexá, do Oyó, da Cambina, mas na festa o povo está usando a mistura dos três lados, o Ijexá, o Cambina e o Oyó, então eles não fazem um lado completo. [Para] encher o repertório, eles botam os três lados juntos e fica um batuque enorme, é um três em um ‟(Braga, 2003: 130). [...]
Mesmo com tudo isso devemos agradecer o que recebemos, também nos preocupar mais com o que vamos deixar, pois o Batuque resistiu a tudo e vai continuar resistindo, respeitando a oralidade, mas lembrando que não vivemos mais em um mundo agrafo. O registro é sim importante e o conhecimento deve ser pulverizado pelo bem do Batuque e não concentrado para a felicidade de poucos. Se existem donos no Batuque são as divindades, nós somos apenas a ponte que hoje vai ligar o passado ao futuro.
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