Ìyáwó é o segundo grande centro das atenções do Candomblé, só perdendo para o òrìṣà. Mas a grande roda do Candomblé gira em torno dessa figura tão importante para a religião, sua iniciação e as chamadas obrigações de ano. Antes do ìyáwó, há o abíyàn, e todos um dia foram um abíyàn.
Toda ìyálórìṣà ou bàbálórìṣà, palavra que designa a pessoa que possui conhecimento para manipular as energias do òrìṣà, são em algum estágio de sua vida religiosa um ìyáwó, pois é neste período que ele adquire os conhecimentos mais básicos do culto. Até mesmo, pode-se dizer que uma pessoa sempre será ìyáwó diante de uma pessoa mais velha. Bem, são as guerras de Ego dentro da religião.
A palavra significa esposa, essa é uma verdade já bem comum, mas há duas origens para o uso dela: Uma está atrelada à formação do candomblé no Brasil; outra se dá pelo corpus literário de Ọ̀rúnmìlà-Ifá, um culto à parte e com suas raízes bem fincadas na Nigéria e Benin.
Ìyáwó no Candomblé
A palavra foi usada pela origem da religião ter se dado inicialmente por mulheres, era um culto matriarcal. Esta origem podemos ver claramente em muitos pontos, como vestimentas (Gèlè – pano de cabeça, Aṣọ oke – pano da costa) e acessórios litúrgicos (Ààjà – sineta).
No início, não havia manifestação pública masculina de òrìṣà, somente as mulheres que incorporavam esta energia divinizada da natureza. Aos homens cabiam a parte mais bruta dos terreiros, o ilé òrìṣà, a Pequena África, como também era conhecido. E sempre havia, como há, muito trabalho para todos em uma casa de òrìṣà!
Nisso, a mulher ao se iniciar, firmava um compromisso com as divindades, um casamento, com elas figurando como as esposas (Àwọn ìyáwó – àwọn é o formador de plural no idioma Yorùbá). E um tempo antigo, a dedicação era bem maior do que hoje, a abnegação da vida profana era enorme, com algumas simplesmente morando nos terreiros e se quer casando.
A palavra foi usada por causa deste sentido de compromisso que as mulheres tinham com o òrìṣà. No entanto, há muitas outras palavras em Yorùbá que podem ser usadas para definir um iniciado, alguns cultos possuem palavras próprias:
- Ọmọ òrìṣà = filho de òrìṣà;
- Ẹlẹ́gùn = aquele que é possuído por energias (Não é aquele que é montado por espírito!!);
- Ẹlẹ́sìn = devoto, religioso (Oní + èsin/ Aquele que possui + religião, culto);
- Abòrìṣà = cultuador de òrìṣà, aquele que cultua òrìṣà.
E muitos outros, mas usando qualquer um desses, torna-se facilmente compreendido que estamos falando de uma pessoa iniciada ao culto de òrìṣà.
Ìyáwó – Segundo o Corpus Literário de Ifá
Qualquer dicionário decente de idioma Yorùbá irá traduzir a palavra ìyáwó como esposa, disso não tenho sombra de dúvidas. Mas qual a origem desta palavra? Todos sabem que sou fã de etimologia das palavras, elas nos guiam para caminhos mais seguros quanto às traduções. Nunca engoli ìyáwó sendo – mãe do segredo.
Segredo em Yorùbá é awo, sem acentuação indicando tom alto ao final. Só isso já denuncia, assim quando falam que òrìṣà significa guardião da cabeça (Orí é cabeça e não òrì!!).
No corpus literário de Ifá, encontramos as explicações de tudo que nos rodeia, a origem de muitas coisas. Ele é a enciclopédia do povo Yorùbá e seu registro se deu todo de forma oral. Cada odù, ou filhos, omo odù, conta uma história, um ìtàn em seu ẹ̀sẹ̀, poemas divinatórios de Ọ̀rúnmìlà. Lá encontramos a origem da palavra ìyáwó, no odù Ogbè – Sùúrù!
Conta o mito que: Uma bela princesa, filha do Ọba de Ìwó, estava disponível para o casamento. Ela era imensamente bela. Nenhum homem comum poderia desposá-la, apenas um homem com enorme qualificação e que ela mesma escolhesse. Mas a princesa também não estava tão disposta a casar, iria fazer de tudo para afugentar seus pretendentes.
Ògún, Ọ̀sányìn e Ọ̀rúnmìlà souberam da fama e da beleza da princesa, logo se colocaram prontos para a missão. Ògún foi o primeiro a se arriscar na tarefa e após constatar a exuberante beleza da mulher, usou toda sua determinação para conquistá-la.
A princesa, ardilosa, exigiu como acordo para o casamento, que ele ficasse na casa do pai dela e lhe contasse seus àwọn èèwọ̀ (interditos, tabus). Embebecido com a beleza da mulher, Ògún contou que era àdín e ver sangue menstrual – àṣẹ́. Passado um tempo, a princesa preparou um prato com àdín para Ògún e sentou-se ao seu lado sem conter seu sangue menstrual.
Ògún ao saborear a comida, sentiu o gosto do àdín, assustou-se. A princesa se levantou e ele viu o ẹ̀jẹ̀ no assento. Ele enfureceu-se e atacou a princesa que correu para os aposentos do pai. Este, com seu poder, transformou Ògún em um malho para ferreiros. E assim Ògún fracassou. Ele havia deixado de fazer os sacrifícios indicados pelo bàbaláwo.
Ọ̀sányìn caiu na mesma armadilha e quando tudo ocorreu conforme havia ocorrido com Ògún, o rei o transformou em um pote de água, quando a princesa correu para seus aposentos pedindo socorro.
Ọ̀rúnmìlà foi instruído a fazer sacrifício antes de ir: um Òbúkọ para Èṣù e a ter muita paciência (Sùúrù), de nada reclamar ou se exaltar. Assim ele fez e seguiu em busca dos irmãos e para desposar a princesa.
Usando as desculpas de que não havia comida em casa, dia pós dia, ela foi oferecendo todas as comidas que ela pensava serem àwọn èèwọ̀ deỌ̀rúnmìlà e ele, mostrando-se calmo e compreensivo, dizia que por amor ele iria comer aquilo que ela oferecia. Ela nada entendia, pois o candidato não perdia a cabeça. Então, ela usou sua última arma: o sangue menstrual.
Mas, apesar de por dentro enfurecido, Ọ̀rúnmìlà recordou-se do conselho de Ifá e surpreendeu a princesa indo lavar as roupas dela sujas de sangue, assim como a almofada onde ela se encontrava. Ela ficou confusa e recorreu a algo ainda mais provocador, pois não conseguira tirar Ọ̀rúnmìlà de seu centro: arrumou um amante para se deitar perante a presença dele!
Havia chegado a hora, é dito que a Testemunha do Destino leva até 3 anos para se enfurecer e quando isso ocorre, faz uso das forças mais poderosas para se vingar e era agora. Ọ̀rúnmìlà foi buscar água para que o amante da da noiva se banhar pois já ia embora; invocou Èṣù fora da cidade quando o homem já ia embora e Èṣù deu uma cabeçada forte nele, nisso, Ọ̀rúnmìlà apontou seu ìrúkẹ̀rẹ̀ para o azarado que o transformou em ìgbín. O paciente noivo quebrou o ìgbín e com seu líquido, ẹ̀jẹ̀ funfun, lavou a mulher, purificando seu corpo dos atos tido com o amante.
Atônita, a princesa contou ao pai os atos de bravura, paciência e sabedoria de Ọ̀rúnmìlà, escolhendo-o como seu marido para sempre. O Oba de Iwó concedeu a mão da filha e após ela ficar grávida, ele retornou para casa com a esposa. Após toda a aflição passada na casa de Iwó, Ọ̀rúnmìlà conseguiu sua bela esposa e daí o nome: Ìyáwó = ìyà = aflição, ní = em, no, na, ilé = casa, habitação, Ìwó = cidade onde a princesa morava, fica em Ìbàdàn.
Ìyà + ní + ilé + Ìwó = ìyáwó (Note como ìyà perde a acentuação indicativa de entonação baixa para ní e ilé, com o “a” de ìyáwó ganhando entonação e acentuação alta).
Fonte - Ìyáwó - A Origem da Palavra e Seu Real Significado. (educayoruba.com)
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