quinta-feira, 23 de março de 2023

ORISA INDIVIDUAL OU ORISA FAMILIAR?

ORISA INDIVIDUAL OU ORISA FAMILIAR?



Por Omo Ogiyan

Postado em 13/12/2022 acessado em 23/03/2023

Uma concepção corrente (e equivocada) no Brasil sobre a religião dos Orisa na Nigéria diz que em cada cidade ou reino em terras Yoruba teria o culto de apenas um Orisa. Assim, alegam que em Ile Ife só Obatala, em Osogbo apenas Osun, em Oyo somente Sango, em Ejigbo só Ogiyan e por aí vai.
Hoje, lendo uma entrevista feita com o Rei de Ejigbo, destaquei um momento em que o Oba afirma que as atividades cotidianas no palácio de Ogiyan demandam bastante trabalho. Como exemplo, ele lembra que não são apenas os sacerdotes de Ogiyan que atuam no palácio. As próprias rainhas têm cargos específicos para além de Ogiyan, existe aquela que se dedica mais a cuidar das mensagens de Ifá, enquanto uma outra é a responsável por cuidar de Osun.
Lendo a entrevista, lembrei que nos jogos de búzios que presenciei na Nigéria o foco quase nunca recaía em dizer “qual o Orisa” de alguém. Isso, inclusive, parecia gerar muita frustração para alguns consulentes brasileiros. Como tradutor em muitos jogos, era difícil até mesmo explicar para a pessoa que estava fazendo a leitura dos búzios que o(a) consulente gostaria de saber qual seria o Orisa "dele(a)".
Essas considerações indicam algumas coisas importantes:
1. Algo que sempre escutei de minha mãe de santo nigeriana, Adedoyin Olosun, é que os Orisa não trabalham sozinhos. Osun precisa de Obatala que precisa de Esu que precisa de Ogun e por aí vai.
2. Dito isso, para além das relações mais cosmológicas, existem considerações práticas também. Por exemplo, a cidade de Ejigbo fica no estado de Osun, a cerca de 40km de Osogbo. Não é de se espantar que o próprio Akinjole (fundador de Ejigbo) tenha se casado e tenha tido filhos com uma mulher de Osun. Ao mudar-se para Ejigbo, essa senhora de Osun levou com ela o assentamento dela de Osun para Ejigbo. Dessa união, nasce a linhagem de Ejigbo chamada Akinlabi. Processos parecidos aconteceram com outras pessoas em terras Yoruba (que nunca foram estáticas). A presença de diferentes Orisa em uma cidade ou um reino na Nigéria é consequência do próprio processo histórico de séculos.
3. A questão de saber “qual o meu Orisa” não é tão latente na Nigéria porque as pessoas nascem em famílias que já cultuam certos Orisa. Presume-se que alguém nascido de uma família que cultua Ogiyan também seja desse Orisa. Certamente, essa expectativa nem sempre se confirma. Contudo, mesmo no caso de alguém nascido em uma família em Ejigbo e que seja de Sango, por exemplo, espera-se que cuide também de Orisa Ogiyan, pela própria proximidade geneaológica com outras pessoas desse último Orisa.
A violência da escravidão deixou cicatrizes profundas em nossas relações com a África e no que sabemos sobre a religião dos Orisa. Por exemplo, quase todas as conexões familiares foram perdidas (e reconstruídas) na diáspora. Como consequência, atualmente, muitas pessoas dependem exclusivamente do jogo de búzios como forma de descobrir algo muito importante sobre a ancestralidade delas. A que família de Orisa pertencem? Na Nigéria, alguém de Ejigbo saberia que as grandes famílias que sustentam o reinado de Ogiyan são de três linhagens principais: as pessoas de Ogiyan com Osun (família Akinlabi), Ogiyan com Oya (família Atakoko) e Ogiyan com Obatala (família Ondoye). Obviamente, essas não são regras fixas. O que existem são relações históricas e sociológicas nas quais os próprios Orisa estão envolvidos, assim como nós humanos.
OGIYAN EPA! EPA AJAGUNAN!

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