Erick Wolff de Oxalá
Sacerdote de orixá desde 1989, na tradição do Batuque do Rio Grande do Sul.
Porto Alegre, 23/09/2021
Este ensaio tem por finalidade pontuar os conceitos e finalidades que envolvem os templos afro religiosos da religião Batuque do Rio Grande do Sul.
Resumo
Os terreiros Batuqueiros afro-brasileiros possuem um papel importante para a sociedade brasileira e para a própria diáspora do Batuque, dos países vizinhos aos quais esta religião se instalou.
PONTUANDO AS DIFICULDADES
A busca do conhecimento e fundamentos
Entre as dificuldades, se destaca a cultura, que aqueles indivíduos que não tiveram oportunidade de ter acesso ao que o Batuque pode oferecer através das suas famílias religiosas, acabam por procurar em outras religiões este conhecimento, dando origem a pratica da dupla pertença, em sua maioria dando início a novas religiões misturando um pouco de cada religião, ou tudo.
Esta mistura acaba descaracterizando o Batuque perdendo sua identidade, e ao usar elementos do Candomblé como adjas, fios de contas que não são tradicionais do Batuque, roupas, panos de cintura e etc..., como cita Alexandre Custódio em "O costume do Belo", estes indivíduos ficam entre dois mundos e não praticam corretamente nem um nem outro culto, apenas usando indumentárias de outras religiões sem o devido fundamento; mas questionam quando os fios de contas do Batuque e suas indumentárias acabam sendo usadas por outras religiões como Quimbanda ou Umbanda os adeptos do Batuque sempre contestam e não aceitam.
Idioma e cantigas
Em destaque a perda do idioma, que conforme relata o Onilu (tamboreiro) Antônio Carlos neste fragmento de uma entrevista:
[...] A língua que nós falamos, é uma língua afro-brasileira.... entendeu?... por que um exemplo que eu vou dar... (cantando)... antigamente era diferente.... (cantando)... então as pessoas de hoje teria uma dificuldade para desenvolver na língua... entendeu?.... então o qui que aconteceu nesse.... facilitaram mais... entendeu?... não tão afro puro [...]
Notamos pelo relato que em determinada época, os mais velhos que sabiam o idioma foram morrendo, ficando os mais novos com dificuldade, e foram “melhorando”, quer dizer, não sabiam, e o "melhorar" nada mais foi que destruir as orin (cantigas), criando o suposto "ioruba arcaico" de hoje, que muitas palavras são misturas de gírias do nosso idioma com algumas palavras ioruba, que geralmente não fazem sentido.
Os maiores problemas se encontram nas orin, que não formam uma frase completa ou com sentido, com isso as supostas traduções não possuem validade alguma. Pois cada Onilu canta na melodia, mas usa palavras diferentes para cada cantiga das cerimonias do Batuque, ou seja, não é a mesma cantiga nem que tente copiar.
Vale ressaltar que recentemente alguns onilu introduziram orin do candomblé no Batuque, não se sabe o porque. Da mesma forma quando o mestre Borel viajou para o nordeste para dar aula de tambor, tocando e ensinando as cantigas do Batuque aos candomblecistas, que possivelmente cantam as cantigas do Batuque nos terreiros de Candomblé, sendo assim, atualmente adeptos do Candomblé ao ouvir as nossas orin pensam que são de origem Candomblecista.
Registros do Mestre Borel ensinado toques de tambor e cantigas
O onilu do Batuque Borel de Xangô participou de várias edições do Alaiande Xire, encontro nacional de ogãs, onilus e tamboreiros organizado por Roberval Marinho e Cleo Martins, ambos filhos do Ile Axé Opô Afonja.
(https://pt.wikipedia.org/wiki/Alaiand%C3%AA_Xir%C3%AA)
Conforme Luiz L. Marins, ou viu de Aulo barreti, que nestas ocasiões ele teve a oportunidade de apresentar as cantigas do Batuque para os ogãs do candomblé, inclusive dentro do próprio Opô Afonja.
Figura 2
Figura 3
Figura 4
Observação, na figura 2, o onilu mestre Borel é referenciado como representante do Candomblé, na verdade em momento algum nas imagens 2, 3 e 4, citam que ele pertencia ao Batuque.
Cantigas para folhas
Com a dificuldade do idioma, encontramos alguns equívocos, como cantar para Odé (caçador) uma cantiga que soa a palavra "Mi n' eró, mi n' ero Odé" que se transformou em Omiero de Odé, sendo que nas transcrições do livro Axés dos Orixás do Rio Grande do Sul, se cantava assim:
[...]
- mineró mineró Odé mineró Odé o
[...] (pág. 47)
A questão de ressignificar, é preciso esclarecer que não é a mais cantiga original, neste caso não seria problema, mas ao mudar a orin para Omiero, para ser usada no ritual de Omi ero (água calmante) para macerar ervas para banhos ou rituais para lavar a cabeça e iniciações, transforma o ritual exclusivo para Odé para todos do terreiro.
O mesmo ocorre ao cantar para Ossanhe, onde todo o ritual pertenceria a este orixá, independente dele ser uma divindade que manipula as ervas.
Entendemos que ao colher ervas devam ter cantigas exclusivas para isso, a menos que a erva seja para ritual exclusivo de determinada divindade, neste caso canta-se para a divindade que será feito o ritual. Assim também ocorre com a maceração de ervas onde necessita de uma cantiga exclusiva para macerar, ou, no caso de ser um banho ou água de axé para determinada divindade, canta-se para ela.
O Tabu da ocupação
A manifestação das divindade pelo nossos registros sempre foi mantida em segredo pelos adeptos, evitando assim comentar para as pessoas que estão com seus orixás manifestas, ou, até mesmo fotografar.
Entendemos que o Tabu da ocupação ajudou a preservar as semelhanças do comportamento das divindades com a sua origem nas terras Ioruba, pois, conforme poderemos ver neste artigo, os orixás do Batuque dançam e se porta muito semelhante a Oya no festival de oyo, Nigéria:
https://iledeobokum.blogspot.com/2021/06/orixa-oya-na-religiao-tradicional-ioruba.html
E ao mesmo tempo que o tabu da ocupação preserva os ritos e os orixás, para que não caiam nas mídias sociais e sejam alvo de pessoas maliciosas e mau intencionadas.
Pelo que relatam os antigos, o Tabu da ocupação teve início lá no inicio onde mulheres e homens da corte ao frequentar os toques acabaram entrando em transe e a divindade manifestando, para que estas pessoas pudessem voltar e não abandonarem por motivos particulares ou medo, não contavam e assim ficou até os dias de hoje. Outra versão do Tabu da ocupação é para evitar que os filhos abandonem a religião pelas provas e testes de fogo, dendê ou mel fervendo que são feitos secretamente ou abertamente em dias de toques ou festas.
Axé de fala
O axé de fala do Batuque é uma ritualística que o orixá passa por vontade própria, quando convidado pelo orixá da casa ou pelo Babalorixá/ Iyalorixá para que seja apresentado para a comunidade e a partir deste momento possa falar com qualquer pessoa quando necessário, ou tire orin nos toques ou em rituais.
No Candomblé, na saída o orixá, irá falar o nome dele e dar o seu "hun be" (uma espécie de berro ou lamento) que ao chegar ou durante o transe emitem. O orixá do Candomblé não tem permissão de fala e não o faz como os orixás do Batuque ou na tradição Ioruba, na Nigéria.
Comidas dos orixás
As comidas de orixás do Batuque possuem identidade culinária e padrão, muitas delas se assemelham as que são feitas em terras iorubas como:
O Akassa (Eko):
https://iledeobokum.blogspot.com/2020/05/omiidun-eko-ogi.html
O Amalá de Xangô de Oyo, Nigéria que é muito semelhante:
https://iledeobokum.blogspot.com/2020/12/amala-de-xango-em-oyo.html
Entre outras comidas e bebidas que poderemos encontrar nos costumes da tradição ioruba que facilmente acharemos semelhança com os feitos no Batuque tradicional.
Consultas e oráculo
O jogo de Búzios do Batuque originalmente usa 8 búzios, e Solomon informa que Ekiti, sacerdotes de Oxalá jogam com 8 búzios.
Tradução online:
"Solomon Omojie-mgbejume Jeff Gonzalez verdade. Você se lembra de dez kolanut lançando quando egbe estava sendo feito ib ilaro?Em algumas áreas em Ekiti, sacerdotes Oxalá usam 8 búzios também."
O jogo tradicional do Batuque é baseado no orixá, através do jogo de búzios é feita a consulta, em momento algum usa-se ou necessita de odu (registros de signos de ifá ou orixá); sabemos que nem todos orixás na tradição Ioruba usam ou necessitam de odu. Veja o caso do povo de Obá:
Raspagem da cabeça
Nem todos os orixás necessitam raspar, entre eles Oxóssi e Ogum não raspam na tradição Ioruba, desta forma, o Batuque não precisa e nem raspa.
Baba Zarcel informa (apud Marins, 2017) que nem todos necessitam raspar, e completa que tem pessoas que não devem raspar, veja a seguir entre trecho:
[...]
A raspagem do cabelo não é um ritual obrigatório. É dos vários rituais que podem ou não acontecer durante uma iniciação. Inclusive, existem pessoas que não podem raspar a cabeça, como alguns filhos iniciados para Xangô, não todos. Mulheres que tem determinado odu Ifá, como por exemplo, Oxé Meji, que proíbe ter cabelo curto assim igual ao meu, e orienta a pessoa ter cabelo grande. Então, não se raspa. [...]
O ato de raspar é necessário para que seja colocado o idosu, um preparado que contem vários componentes sagrado para feitura do orixá, neste caso, somente os iniciados para aquele orixá participam e o sacerdote deverá ser do mesmo orixá ao qual o iniciado.
No entanto, nem todas as divindades tem o idoxú em suas feituras, caso de Ogun, por exemplo (Paula Gomes, Oyo Alaafin).
No Brasil, o Candomblé, na sua ritualística possui a tradição de raspar, no entanto o idosu do candomblé é um idosu casa da casa de axé, e não do orixá, pois, diferente da tradição ioruba, várias pessoas de outros orixás manipulam o novo idosu que está sendo iniciado, não possuindo nenhuma ligação com a divindade do noviço que está sendo iniciado, exceto o axé da casa a qual o iniciado esta sendo feito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Batuque possui conhecimento e cultura, passado por sacerdote responsáveis que pertencem a casas tradicionais do Batuque.
O idioma e as cantigas necessitam de maior atenção e carinho para que os batuqueiros possam resgatar o que perderam.
Muitas cantigas do Batuque foram ensinadas pelo mestre Borel e por outros mestres batuqueiros, para o Brasil, desta forma é normal que outras religiões possam estar cantando algumas orin do batuque no candomblé, assim como também houveram tamboreiros que introduziram cantigas do Candomblé no Batuque.
Cantigas para folhas e rituais necessitam atenção, ou corremos o risco de estar fazendo rituais para outros orixás em nossas iniciações.
O Tabu da ocupação e o axé de fala são fundamentos do Batuque, da mesma forma que não há necessidade de raspar, sendo que nem todos orixás raspam e nem levam idosu.
O jogo de búzios do Batuque não usam e nem precisa de odu, e pode orientar em todos os momentos e problemas dos seres humanos.
Bibliografia
VERARDI, Jorge, Axés dos Orixás no Rio Grande do Sul, Impresso no Brasil, edição 1990.
Referencias
BARRETTI Fº, Aulo - Pagina pessoal no wordpress.
https://aulobarretti.wordpress.com/
MARINS. Luiz L. - Pagina pessoal no wordpress
https://luizlmarins.wordpress.com
MARINS. Luiz L., OGAN, EKEDI E O ATO DE RASPAR: BABA ZARCEL FALA SOBRE OS COSTUMES DA RELIGIÃO TRADICIONAL IORUBA, REVISTA OLORUN, n. 56, 2017.
WOLFF. Erick, CONSIDERAÇÕES SOBRE REALINHAMENTO DOS RITOS AFRO-BRASILEIROS, NA TRADIÇÃO BATUQUE DO RS, acessado em 22/09/2021 as 18:44
https://iledeobokum.blogspot.com/2020/07/consideracoes-sobre-realinhamento-dos.html?m=1
CUSTÓDIO. Alexandre, O COSTUME DO BELO, OS NOVOS ELEMENTOS INTRODUZIDOS NO BATUQUE, REVIST, revista OLORUN, n. 57, janeiro de 2018.
https://luizlmarins.files.wordpress.com/2019/06/o-costume-do-belo-os-novos-elementos-adicionados-ao-batuque.pdf