domingo, 27 de setembro de 2020

KAMUKA, KANBINA E O CONCEITO DE NAÇÃO

Por Erick Wolff de Oxalá
26/09/2020


Este texto tem por finalidade pontuar alguns conceitos de Nação, pois constantemente nos deparamos com textos que sugerem que a Kanbina e Kamuka sejam Banto, apenas pela semelhança do nome aos povos Banto. 

Recentemente, a página Ile Ase Igbomina, no Facebook, publicou na data de 09 de setembro de 2020, algumas considerações sobre Kamuka, que respeitosamente resenharemos neste artigo alguns tópicos.

Procuramos pontos concordantes mas não foi possível encontrar, ao qual o próprio autor informa que, não foi uma tarefa fácil, pois o autor pertence a outro segmento batuqueiro, e que pela dificuldade de informações pode ter cometido qualquer equivoco, assim relatado pelo Igbomina.

[...] tentar falar sobre este Orixá tão introspectivo não é uma tarefa das mais fáceis para mim tendo em vista que sou da Nação Ijexá [...]

Começaremos pontuando que, Paulo Tadeu, informa no seu livro "Quem é o orixá Xangô Kamucá da Nação Religiosa Cabinda?", que o patrono da Kanbina, pai Waldemar foi escolhido por Xangô (divindade ioruba) ainda no ventre." 

Assim, poderia ser uma divindade Banto, conforme também chegamos a pensar, um dia. 

Norton Correia registra em 1992, no seu primeiro livro O Batuque do Rio Grande do Sul, a palavra Cambini ou Cambina, o que, para aquela época era como os antigos a chamavam. 

Porém, com o tempo, Paulo Tadeu, sem qualquer estudo científico, informava para a sociedade religiosa do Batuque, que era totalmente errado e deveriam falar Cabinda. 

Nos trechos que destacaremos, faremos algumas resenhas sobre as divergências e questões apresentadas na página Ile Ase Igbomina:

1. [...] E o que sei é que Kamuká só seria cultuado na cabinda e que nenhuma outra nação deveria ou poderia cultuá-lo, pois esse Orixá é o do fundador dessa nação [...]

Segundo informações do escritor Paulo Tadeu, Kamuka sempre foi da Kanbina. Paulo Tadeu informa ainda que Pai Waldemar era de Xangô Agodô. Então, como explicaria Pai Waldermar ser conhecido como Waldemar do Kamuka?

O Xangô do Povo, na tradição do Batuque Oyo, tem a finalidade de proteger a comunidade,  e por isso seu local de culto era no pátio, mas nem por isso registramos algum relato de que Xangô do Povo foi ou é um Egun, mesmo por que, orixá não vira Egun, nem morre.

2. [...] O que sei também é que o assentamento desse Orixá é feito no balé, pois teria ele grande aproximação com eguns. Meu tio-avô carnal, Cláudio de Oxum Docô, falecido babalorixá de Cabinda me disse inclusive que nem devemos pronunciar esse nome (Kamuká) dentro de casa, pois poderia atrair algum tipo de mal, porém sou totalmente cético sobre isto.
Dizem ainda que Kamuká reside no cemitério, mais precisamente no forno (lugar onde se cremam os ossos) e que, por conta disso, se prestaria só ao dano [...] 

O conceito de que o assentamento de Kamuka é feito no igbale, que até pouco tempo comentavam, é um equivoco, pois conforme citamos acima, não há possibilidade de orixá ser egun, e no local de culto aos ancestrais do Batuque são cultuamos os mortos.

Existem registros que algumas famílias fazem uma segurança para Kamuka no meio do salão, o que em momento algum faria sentido ser um assentamento de egun, afinal o templo pertenceria a um orixá, o que seria inapropriado uma segurança no meio do salão para Kamuka caso fosse um egun, onde muitos fundamentos para orixá seriam feitos em cima desta segurança.
 
Xangô é uma divindade da etnia Ioruba, sabemos que os ioruba não enterram seus mortos no cemitério, mas no próprio quintal da casa, ou até mesmo, dentro de casa; por isso, na origem do culto a orixá, também não existe orixá do cemitério.
 
3. [...] pois esse Orixá é o do fundador dessa nação [...]  Esses são alguns dos motivos pelos quais não se dá cabeça de filhos para esse Orixá (que a essa altura me pergunto se é Orixá mesmo)[...] 

Notem neste trecho, primeiramente refere-se ao Pai Waldemar era de Kamuka e a seguir, informa não dá cabeça de filhos, fato que contradiz e ao mesmo tempo, sanciona, a fala do Paulo onde diz que o orixá de Pai Waldemar era Agodô.

4. [...] Por outro lado tenho minhas pesquisas históricas e o que encontrei é que, segundo Norton Corrêa, quem fundou a nação Cabinda em Porto Alegre foi um africano chamado Gululu.
No entanto a insistência dos descendentes de Cabinda em afirmar que o surgimento dessa nação se dá com o Esá (título que se dá a pais e mães-de-santo falecidos) Valdemar Antonio dos Santos, me leva a questionar se Gululu e Valdemar não seriam a mesma pessoa [...]

Conforme publicado no livro KANBINA, Origens ioruba e a continuidade no Batuque do RS, que Gululu é o Pai Antoninho da Oxum, filho de mãe Donga da Oxum, tradição Oyo, onde explica a Kamuka no pátio, assim como o Xangô do Povo herdado da Mãe Donga pelo Pai Antoninho.  Sobre os Banto e suas divindades, as fontes não foram informadas.

5. [...] Diferentemente das crenças bantus, na metafísica dos sudaneses para onde eles iam suas divindades e ancestrais os acompanhavam. Por isso, ao chegarem no Brasil, trouxeram consigo sua cultura religiosa. É bem provável que uma parte dos bantus também tenham migrado para a religião desses sudaneses cultuando os Orixás[..]

Cite ao menos um local no Brasil onde exista, comprovadamente, cultura religiosa tradicional de Cabinda.

6. [...] É possível que Gululu seja um desses africanos de origem bantu que aprendeu a cultura dos Orixás aqui no Brasil com sudaneses, mas resolveu fundar uma sociedade religiosa com negros originários da mesma região, batizando sua nação, então, de Cabinda [...] 

Qual seria a base para esta possibilidade do Gululu? Possibilidades, embora existam, não são provas irrefutáveis para nenhuma conclusão.

7. [...] Mas isso não explica o Kamuká no culto [...]

Talvez não explique por que esteja ignorando o conceito de Nação e etnia, por isso não o enxerga! veja a seguir;

8. [...] Existe em Angola - bem distante de Cabinda por sinal - uma etnia bantu denominada Mbundu/Kamuka (http://www.embaixadadeangola.org/cult…/linguas/l_mbunda.html) [...]

Sim existe, o que nos fez pensar nesta possibilidade. Porém, há uma grande distancia entre Cabinda, e Kamuka, que fica ao norte da republica do Congo. Observem os mapas:



No Zambia?
 

Neste mapa é possível ver a distancia da província Cabinda para Os Angola, inclusive:


9. [...] Isso não diz muito exceto que a origem do nome Kamuká, agora comprovadamente, é bantu [...]

Ainda que exista um local chamado Kamuka ao norte da Republica Popular do Congo, tal fato não embasa a tese que a Kambina do Batuque é um culto bantu.

Quer nos parecer que, aos investigadores que pesquisam sobre as nações afro-brasileiras, falta-lhes o embasamento do que é o CONCEITO DE NAÇÃO conforme já estudado pelos professor Vivaldo Costa Lima (UFBA).

Sobre este tema já produzimos um resumo aqui no blog. Sugerimos a leitura: NAÇÕES RELIGIOSAS AFRO-BRASILEIRAS NÃO SÃO NAÇÃO POLÍTICAS AFRICANAS

 

Assim, conforme o Conceito de Nação acima exposto, cujas leituras foram sugeridas acima, conceituar nações afro-brasileiras, no caso a Cambina, ou Cambini, ligando-a à Cabinda, na Africa, apenas pela semelhança do nome, não serve como base conclusiva. 

No exemplo abaixo, qual deles seria o correto?






 

 

 

10. [...] E se hipoteticamente Gululu for o nome africano de Valdemar já que os escravizados eram batizados com nomes ocidentais quando chegavam no Brasil? Daí a coisa começa a se encaixar. 

Segundo o escritor Paulo Tadeu, Waldemar teria nascido em agosto de 1883, no Brasil, sob a lei do ventre livre.

11. [...] Kamuká pode ser um Nkisi nsi, espírito ancestral ligado a um clã familiar. Esse espírito pode ser de um ente falecido que volta incorporado num descendente seu [...]

[...] Agora refletindo: se Valdemar (ou Gululu) cultuava Kamuká por que este era o Nkisi nsi de sua família, fica explicado o porquê de Kamuká não pegar mais filhos, nem de poder baixar em alguém. Por outro lado, também fica explicado do porquê desse “Orixá” ser cultuado próximo ou junto ao balé, pois na cosmogonia iorubá Kamuká seria um egun[...]


Esta possibilidade existe, pois segundo Paulo Tadeu, Waldemar era de Xangô, e não de Kamuka ... mas ainda que Kamuka seja "um espírito ancestral ligado a um clã" de sua, talvez, família banto do Congo, esta possibilidade não faz da nação Cambina um culto banto, mas antes, uma nação de culto Ioruba que cultuaria junto um ancestral/divindade banto, assim como as nações do batuque cultuam a divindade Sapata, sem serem rotuladas de nação "fon".
 

Como reflexão, imaginemos um oriental que tenha sido escolhido por Xangô para ser iniciado para ele, e ele venha se iniciar para Xangô; independente da etnia oriental de origem, ele praticará o culto ioruba de Xangô, sendo que sua origem oriental, em momento algum transformaria o culto de Xangô que ele agora pratica, em culto asiático.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

O que necessitamos no estudo da Kanbina e Kamuka é o conceito de Nação, por isso não é possível afirmar que Kamuka seja Banto, mas caso fosse, apenas por hipótese, isso não transforma a Kanbina em culto Banto, assim como Sapakta não transforma o Batuque em culto Fon.

Mesmo que pai Waldemar possa ser um descendente do povo Banto, ao adotar o orixaismo, ele estava praticando rituais e costumes dos povos iorubas e não Banto.  

Orixá não é egun, por isso, não deve ser cultuado como morto.

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     Imagens comprobatórias




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Após a publicação deste artigo em nosso blog, a publicação original do Ile Ase Igbomina 

foi realocada para outra página, também no Facebook, cujo link fornecemos abaixo:

https://www.facebook.com/fabio.oxala/posts/3400801473310350

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Links de trabalhos e artigos para estudo e possível referencia;


NKISI É ORIXÁ?




NAÇÕES RELIGIOSAS AFRO-BRASILEIRAS NÃO SÃO NAÇÕES POLÍTICAS AFRICANAS Erick Wolff


Livro 

KANBINA: ORIGENS IORUBÁ E CONTINUIDADE NO BATUQUE DO RS




O TRAFICANTE DE ESCRAVOS QUE DEU ORIGEM A TRADIÇÃO DO SENHOR DO BONFIM

Por Erick Wolff de Oxalá

27/09/2020


Imagem ilustrativa



Anualmente no mês de janeiro, vários devotos do Candomblé, simpatizantes e até mesmo curiosos, participam de um tradicional evento sincrético, ao qual, afro religiosos, militantes e ativistas negros reúnem-se para louvar e comemorar a tradicional lavagem das escadarias do Senhor do Bonfim. Um monumento decorado e criado por um traficante de escravos, o mesmo encontra-se enterrado na própria igreja. 

O que os devotos talvez não tenham ciência, que a praça diante da igreja homenageia um dos principais traficantes de africanos escravizados da Bahia. Muitos nem fazem ideia que o seu túmulo está em destaque dentro do próprio templo, onde procissões se faziam às suas portas, já que, foi ele o responsável por trazer a imagem que permitiu o culto ao Senhor do Bonfim.

Diante as constantes ameaças dos direitos humanos, inclusive ataques racistas e às próprias religiões de matriz africana, incentivou à um grupo de historiadores trazerem a público a realidade, para os locais históricos de Salvador ligados a escravidão. 

Segundo sabemos, Salvador foi o segundo maior porto de desembarque de africanos nas américas durante o tráficos de seres humanos, ficando atrás apenas para o Rio de Janeiro. Estimando-se que mais de 1,2 milhões de africanos chegaram à Bahia de forma degradante, e foram vendidos como mercadoria. 

O português Teodósio Rodrigues de Faria, foi capitão de um navio mercante, na década de 1740, se estabelecendo em Salvador, onde fez carreira como traficante de escravos. O próprio investiu pesado na decoração, pintura e detalhes da igreja do Senhor do Bonfim, morrendo em 1757, sendo enterrado na própria igreja, palco da mais famosa e tradicional festa afro religiosa, a Lavagem do Bonfim. (talvez poucos ou quase ninguém saiba, pois estes detalhes são omitidos)

Pesquisa - Cândido Domingues (historiador)


Imagens comprobatórias;




Fonte 

https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/bbc/2020/09/27/o-traficante-que-deu-origem-ao-culto-do-senhor-do-bonfim-e-outras-descobertas-do-mapa-da-escravidao-em-salvador.htm?fbclid=IwAR01ZzLTgGJas6LzI-ugSAYJ7692hwbDM4TYvcpk7DYtQw64lFpqtv9KAXk  

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sábado, 26 de setembro de 2020

ALAAFIN OYO NÃO ACEITA A ESCOLHA DE IFALEYE IKUSANU COMO OLUWO ALAAFIN

Por Bode Durojaiye.



O Alaafin de Oyo, Oba [Dr.] Lamidi Olayiwola Adeyemi 111, advertiu os sacerdotes Ifá na metrópole de Oyo contra permitir que sua herança caísse no esquecimento por meio de práticas antiéticas. 

Oba Adeyemi deu o aviso na quinta-feira, quando recebeu em audiência alguns sacerdotes de Ifá na cidade antiga. O governante Supremo observou que

"o que mais destaca os iorubás em todos os lugares onde são encontrados é seu forte apego à sua cultura, religião e tradições, acrescentando que mesmo com a civilização, a luz da cultura permaneceu efervescente entre o povo. 

É lamentável que aqueles a quem foi confiada a preservação e promoção de nossas tradições e cultura dotadas sejam os que as profanam por causa da avareza e da cobiça. 

Eles zombam de nossas tradições diante desses estrangeiros, sem recorrer aos seus efeitos devastadores no futuro previsível. Esta é mais uma razão pela qual as partes interessadas não devem ficar em cima do muro, mas se unir com determinação a fim de se livrar desses criminosos que se disfarçam de sacerdote de Ifá, para enganar os desavisados ​​membros do público e ridicularizar a querida tradição de Ifá."

Os sacerdotes de Ifá de Oyo informaram durante a visita solicitada ao monarca a escolha de Ifaleye Ikusanu, como o novo OLUWO ALAAFIN DE OYO. Mas Oba Adeyemi se opôs veementemente à seleção de Ifaleye Ikusanu como o novo OLUWO ALAAFIN, descrevendo-o como,

"um sujeito rebelde, desrespeitoso, não confiável, indigno de confiança e ganancioso, cujos antecedentes e precedentes não são apenas ridículos para a reverenciada instituição do Alaafin, mas para a cidade antiga como um todo''. 

O governante supremo lembrou como o sacerdote Ifá, Ikusanu, conferiu um título de chefia a um estrangeiro e o coroou de forma fraudulenta com um rabo de cavalo e uma coroa real, contrariando as regras de adivinhação de  Ifá ou qualquer prática religiosa tradicional. 

" Apenas iroke e bonés brancos devem ser usados ​​em sua instalação, como costumava ser a prática, ao invés da coroa e do bastão. Não importa o domínio da religião tradicional de Ifá e a proficiência de sua prática e mitologia, nenhum praticante tem o direito de conferir a alguém o título de rei de Ifá e apresentar a tal pessoa um bastão. Como sacerdote Ifá, você deve interpretar o oráculo e não conferir títulos de chefia. É ilegal e inconstitucional ". 

E acrescentou, 

''Como se não bastasse, Ifaleye Ikusanu, também liderou um protesto em Ibadan, capital do estado de Oyo, contra o atual governo liderado pelo Engenheiro Oluseyi Makinde, por não aprovar uma data como Dia de Isese no Estado. Ele e seus companheiros fizeram isso sem me informar."

"Para evitar dúvidas, todos os adeptos das religiões tradicionais em Oyo e seus arredores não estão envolvidos nos ataques e confrontos com o Governo do Estado, exceto este homem, Ifaleye Ikusanu e seu grupo dissidente ’’. 

"Além do mais, suas ações e feitos são antitéticos ao palácio, bem como à paz e ao progresso da cidade antiga. Você quer que uma pessoa tão rebelde seja escolhida como OLUWO ALAAFIN? Deus proíbe."

Qualquer movimento secreto para faze-lo [Ikusanu] e sem meu consentimento significará a ruína para todos vocês. é uma pena que ele [Ifaleye Ikusanu] não seguiu o exemplo do seu falecido pai, que era honesto, diligente, confiável, respeitoso e dedicado. 

Alaafin afirmou que,

"os iorubás reconhecem a necessidade de se ter uma sociedade onde prevaleça a lei e a ordem, acrescentando que, ao contrário do que existe na contemporaneidade, os iorubás consagram os valores e o ethos da sanidade em todas as facetas da vida." 

Destacou Oba Adeyemi, incluindo ele próprio,

Os Alaafins anteriores foram imunes às mudanças, pois consta que contribuíram e ainda contribuem de forma não pequena, moral e financeiramente, para a preservação e renascimento do património tradicional do povo. 

Pessoalmente, o registro que os antigos Alaafins deixaram para trás [escrito e oral] foi uma fonte de inspiração e orgulho para mim desde que subi ao trono e fui exposto a seus ricos arquivos no palácio. Os recursos indígenas da epistemologia iorubá são elaborados de forma a moldar os pensamentos e a visão do mundo e também orientar as condutas diárias do povo iorubá.

Curiosamente, ele observou, 

"Uma das principais razões pelas quais o vínculo da tradição na sociedade ioruba permanece relevante é a natureza aparentemente entrelaçada dos elementos associados aos mesmos na visão de mundo ioruba. Para os iorubás, a cultura é a constituição não escrita da sociedade. É um guia para a moralidade, um determinante da ética e um paradigma das relações interpessoais. A tradição iorubá é essencialmente orientada para o oral ’’. 

Ele, no entanto, alertou que,

"As tradições e cultura iorubá estão sendo bastardizadas além de seus limites de tolerância em maneiras que sugerem perigo, acrescentando que a hora de pôr fim aos atos criminosos desses descontentes sacerdotes de Ifá é agora."

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Publicado em Facebook:

Alaafin Oyo

https://www.facebook.com/100020587541343/posts/616292109067035/

 



 

 

  

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

OS MORTOS SEMPRE FORAM ADORADOS COM RESPEITO E HONRA ENTRE OS IORUBA

Por Adebayo Ifamuyiwa Ojebisi

Publicado orginalmente em 05/09/2020


Os mortos sofreram ação da morte, mas isto não os converte em algo sujo ou repugnante... Os ancestrais são e sempre foram adorados lado a lado de suas divindades... Com respeito, com honra...




segunda-feira, 21 de setembro de 2020

NKISI É ORIXÁ?

Márcio Brito Neto
21/09/2020

 




Doutorando em Cinema e Audiovisual (UFF). Pesquisa sobre cinema negro, identidade e representação étnico-racial e visibilidade social de populações vulneráveis. É Mestre em Comunicação (PUC-Rio), com ênfase em Representação Social. 

 

Quero compartilhar com vocês, principalmente meus irmãos do candomblé e da umbanda uma pequena resenha (grande para Facebook), sobre o complexo tema "Nkisi é ou não é Orixá?" Fica aí uma longa reflexão maturada após muita pesquisa e noites de pensamentos. Que resultou no projeto de longa-metragem documental "Munzenza: O brado do tempo". Aproveito pra agradecer meu pai Tata Sajemi Ia Lemba pela paciência e tantas trocas. 



Nkisi é Orixá?


Demorei muitos anos para escrever este texto, talvez pelo fato de ter escolhido o Cinema como expressão sobre a religiosidade afro-brasileira, a partir da perspectiva de dentro dos cultos afro-bantu-indígenas, chamado de candomblé Angola-Congo. 

Quero com este texto ajudar aos irmãos mais novos e também a alguns mais velhos que julgam que nada mais têm para aprender, bem como aos resistentes em tentar compreender a própria religião, pois se hoje temos acesso à informação que nossos antepassados não tinham, que a usemos para não perpetuar o histórico de apagamentos que atingiu a população negra no Brasil, onde os alvos que foram mais massacrados por esta lógica foram os nossos antepassados que vieram da África subsaariana ou o antigo reino do Kongo, chamados de negros bantu. 

Não busco aqui impor uma verdade, mas apresentar dados que sustentam minha argumentação, que não é minha em si, mas nossa, amparada por conversas, vivências e métodos de pesquisa.

Ao leitor que não é do candomblé, farei uma breve explicação superficial sobre como o candomblé se divide. 

Aqui no Brasil desembarcaram negros de diversas etnias trazidos de reinos diversos da África, com culturas e crenças próprias, cosmovisões e teologias distintas. 

Primeiro desembarcaram os negros bantu, como já expliquei de onde vieram; posteriormente, aproximadamente 200 anos depois, chegaram os povos falantes do yorubá, conhecidos como “nagôs” e por último cerca de meio-século depois, os africanos escravizados de origem sudanesa, os jejes, falantes do fon, ashanti e outros idiomas nativos. 

De cada grupo populacional surgiu uma linhagem que compõe o candomblé, ou candomblés, sendo Angola-Congo, dos bantu; Ketu, dos “nagôs” da Nigéria e Benin; e Jeje, dos Mahim ou daomeanos, da região onde hoje encontra-se o Sudão/Etiópia e outros.

Cada linhagem traz consigo cosmovisões próprias, culturas, línguas e crenças também singulares, apesar de muitos pesquisadores equivocados, como o racista Nina Rodrigues, terem dito e escrito que o candomblé é o culto aos Orixás, assim se perpetuou e até hoje há quem acredite nestas afirmações. Nina Rodrigues chegou a dizer que os bantu não tinham uma religião. 

Uma mentira contada muitas vezes e referendada pelo aporte acadêmico torna-se uma “verdade” e se cristaliza no imaginário social, inclusive dentro da própria religião. 

O apagamento histórico que sofreu os povos bantu, que eram destinados para as áreas rurais, pela força física e pela “pouca beleza”, não tinham acesso às Casas Grande, bem como não compartilhavam com os brancos nenhuma informação da sua fé nos ancestrais e na figura de Nzambi Mpungu.


Hoje, muitos adeptos compram e propagam o discurso de que Nkisi e Orixá tratam-se da mesma “coisa”, ou da mesma “divindade”. Há aí um certo paradigma que é preciso desconstruir, mas para isso precisamos entender. 

Categoricamente, posso afirmar que NÃO, Nkisi não é Orixá e Orixá NÃO é Nkisi. Mas como posso ser tão assertivo? Vejamos o caminho lógico para tal informação, balizado por muitas leituras e conversas com angolanos e congoleses.

Muitos adeptos do candomblé têm imensa dificuldade em concordar que Nkisi NÃO é Orixá.

 

Escrevo este texto, não com base em achismo ou crença pessoal, nem porque "aprendi assim, assim que é", menos ainda porque "ouvi dizer". Escrevo a partir de um método rigoroso de pesquisa que cruza dados quantitativos e qualitativos, para compreender o campo religioso do candomblé, a partir de um longo levantamento bibliográfico, histórico, oral e uma diversidade de fontes aliadas com a vivência nos terreiros. Pois bem, dito isto vamos para questão central. Nkisi e orixá são a mesma "coisa"?

Tal perspectiva apaixonada dos adeptos não se sustenta se olharmos 3 pilares que diferenciam o culto a Nkisi do culto aos Orixás - aqui não farei nenhum juízo valorativo, tampouco de hierarquia, mas apontar as diferenças. São esses pilares: teologia, cosmovisão e historicidade.

Do ponto de vista teológico é impossível afirmar que Nkisi e Orixá são as mesmas “divindades”, vamos usar o objeto da Teologia, a relação do humano com “Deus”.

 

O elemento criador do universo e dos humanos para os bantu é Nzambi Mpungu, ou Kalunga (a depender da região e da etnia sofre variações no nome, mas a crença é similar); já para os nagôs é Olodumaré (ou Olorun). Precipitadamente, alguns se apressam para dizer que Nzambi é análogo a Olodumaré, eis o primeiro equívoco sincrético inter-religioso.

 

Quem ou o que é Nzambi Mpungu?


Primeiro, os povos bantu - não digo na modernidade, digo os mais antigos da era tribal, bem como os indígenas brasileiros - não acreditavam em um “ser supremo”, destacado dos humanos e das coisas do mundo.

Nzambi Mpungu é considerado a união das energias do mundo. A força geradora de tudo que existe e que move todos os seres viventes.

 

Nzambi habita cada elemento da Natureza e por ela também é formado. Não há nada no mundo que não tenha a presença de Nzambi Mpungu como energia que move e que é animada por ele.

 

Nzambi, antes da definição do colonizador europeu, que o assimilou ao Deus cristão e o descaracterizou, não significa “Deus poderoso”, “supremo”, mas “ser vivente”. Ou seja, tudo que vive contém Nzambi e Nzambi contém tudo que vive.


É preciso fazer uma distinção na palavra “viver”, que para os bantu não é estar vivo no plano material, mas existir no mundo, pois vida e morte coabitam no mesmo mundo – falarei disso adiante.

Nzambi não foi o criador do universo, mas a sua força geradora, através dele as forças naturais se autocriaram, como no Big-Bang. Não há nesta figura nenhuma aproximação com o humano, com seus sentimentos e personalidades.


Nzambi não encontra uma forma, logo é amorfo, tampouco é um delegador de poderes, pois ele é O Poder e todos dele que provém também são O Poder.

Nzambi está dentro de nós, não fora de nós. Isso faz com que se aceite a Natureza também como divindade, pois se ela é Nzambi, ela também é “Deus”, logo teologicamente os bantu são henoteístas.


Dito isto, e Olôdumare?

Esta figura nagô é mais assimilada ao “Deus” cristão, todavia é preciso cautela antes de dizer que é a mesma “coisa”, pois é impossível conceber Olôdumarepela ótica cristã e ocidental.

 

Olôdumare criou o mundo e se afastou da criação se recolhendo no Orun, onde habitam os mortos notáveis e as divindades, seria equivalente (mas diferente) do céu cristão.


Olôdumare deixou na Terra humanos, delegando a eles poderes para regerem (ou zelarem) pelos elementos da Natureza, assim com características humanas, tanto em forma como em personalidade, considerados os nossos primeiros ancestrais, que ao se desligarem deste plano foram alçados ao grau de ancestrais divinizados, para viverem no Orun, mas também junto aos elementos da Natureza, o que não quer dizer que eles sejam a Natureza. Essas figuras ancestrais são veneradas até hoje nas terras da Nigéria, Benin, e demais países falantes do Yorubá.

Logo, os nagôs são teologicamente politeístas, apesar da figura de um “Deus supremo”, acreditam que há outros deuses capazes de intermediar a relação dos humanos vivos e/ou mortos com Olôdumare, inacessível aos humanos.


Diante desta diferença teológica, vamos ao segundo ponto: cosmovisão, pois estão entrelaçados.

Se Nzambi está entre nós, então não existem dois mundos para os bantu?

A resposta é NÃO.

 

Existe um único espaço coabitado por seres materializados (vivos) que trazem em si a energia vital de Nzambi, mas também os “mortos” habitam esse mesmo espaço, o que há é uma divisão energética, imaginária entre esses mundos, porém não há céu e terra, não há um espaço onde habita Deus e as divindades destacadas dos humanos.


Quando morremos, nos tornamos antepassados, que podemos ser venerados e lembrados pelos seres “viventes”, permanecemos “vivos” como energia e podemos auxiliar os “viventes” na sua passagem pela “vida”. A depender do papel social que desenvolvemos e da relação harmoniosa que tivemos com o mundo (dos vivos/mortos), podemos após muitos e muitos anos sem “viver” (materialmente) nos tornar ancestrais que regressam à energia da Natureza (opa, não parece algo que ocorreu com os primeiros ancestrais nagôs?).

Nós acessamos “Deus” (Nzambi) muito facilmente através de reequilíbrio energético, onde estas energias que são a própria Natureza é que nos ligam uns aos outros e a Nzambi, daí surge a filosofia do Ubuntu, “eu sou porque nós somos”. Todos os elementos do mundo estão interligados, não há distinção entre Deus/Natureza/ humano/animais, pois nos humanos e em seres animados e inanimados habita água, fogo, ar, terra, materiais químicos que também são Natureza.

Pois bem, uma vez que o ser humano ao “morrer” vira antepassado e a depender da circunstância torna-se ancestral divinizado, não estaria esta figura muito próxima aos Orixás nagôs? ... A reposta é sim.

 

Mas estas figuras “mortas” que se tornam ancestrais são os Jinkisi (plural de Nkisi)? A resposta é NÃO!!!

 

Pois o Nkisi seria a própria Natureza, que liga todos os elementos do mundo a energia condensada e mobilizadora chamada Nzambi. 


Nkisi é anterior aos ancestrais, pois é a energia vital de tudo que existe e coabita. 


Nkisi não é diferente de Nzambi, mas é muito diferente de Orixá.


Daí qualquer tentativa de sincretização inter-religiosa corrobora com o apagamento destas filosofias e cosmovisões dos povos bantu. Por isso vou ao terceiro ponto, para que não reste dúvidas: a historicidade. 

Muitos irmãos dizem que o candomblé nasceu misturado. Afirmam categoricamente que Nkisi e Orixá são as mesmas divindades, pois os negros tiveram contato na senzala e por isso partilharam sua fé comum e construíram uma religião. 

Outros vão além e se aventuram a dizer que a mistura se deu já nos navios negreiros. Com o passar do tempo na troca cultural, o candomblé nasceu como um culto basicamente a Orixás no ketu, Nkisi no Angola-Congo e Vodun no Jeje, e que só muda o nome.

Esses são equívocos precedidos de preguiça para uma mirada histórica. Vamos a elas:

a) Os negros bantu desembarcaram no Brasil em 1517, pois já havia colonização portuguesa na África banta, alguns estudos mais ousados apontam desembarque em 1507.

Fato é que os primeiros nagôs a desembarcarem no Brasil datam do século XVIII, ou seja dois séculos de diferença, ou no mínimo 3 gerações. Os bantu tiveram até bisnetos antes da chegada nagô, como pode o culto às divindades africanas no Brasil ter surgido misturada?

 

Se houve mistura foi dos bantu com os indígenas, talvez a primeira grande característica ritualística que separa os cultos bantu dos demais cultos do candomblé. Pois o angola-congo nasce de uma mistura com as crenças indígenas, não com nagôs.


b) É sabido, ou deveria ser, que havia uma separação entre bantu e nagôs. Após a abolição da escravização de indígenas, se acentuou o desembarque nagô, enquanto os bantu foram direcionados para áreas rurais, lavouras e minas, os nagôs por serem “mais bonitos” e “mais inteligentes” - típico do racismo brasileiro que tenta criar apartamento entre negros - eram direcionados para as Casas Grande e para “cidades”, enquanto os bantu permaneciam no campo.

Obviamente, qual culto era mais visível aos brancos?

 

Dos nagôs, certamente, é onde nasce o sincretismo, visto que a cosmovisão e a teologia nagô é mais próxima (não similar) ao cristianismo?

 

É fácil apontar Ogum como São Jorge ou São Sebastião, Yansã como Santa Bárbara, visto que ambos são ancestrais divinizados, guardada as proporções teológicas e cosmovisão, porém tal correlação é impossível com as divindades banta, daí aparentemente surge o sincretismo inter-religioso, movido pelo sincretismo extra religioso com o catolicismo. 


Os bantu para explicarem ao branco o que era Nkisi, precisavam assemelhá-lo ao Orixá, que por sua vez era sincretizado como santo católico. Convenhamos que hoje já não precisamos mais disso.


c) No campo já havia culto a antepassados e às “divindades” Natureza, muito similar ao que acreditavam os indígenas:

“Deus sol” para o bantu é Muilo, 
“Deusa Lua e água doce” é Ndanda Lunda; 
“Deusa mar” é Samba Kalunga, 
“Deus planta” é Katendê e assim por diante. 

Nkisi nesta concepção não tem forma, nem personalidade, nem sentimento humano. É simplesmente a força da Natureza.

Tal concepção partilhada com os nagôs fez criar um sincretismo inter-religioso, pois o mais similar a Ndanda Lunda é Oxum, mas não significa que se trate da mesma “divindade”, segundo os nagôs Oxum viveu, virou antepassada e ancestral que “rege” (zela) as (pelas) águas doces, seria então Oxum zeladora da força da água doce, a “sacerdotisa” ancestral capaz de invocar e intermediar a relação dos humanos com a força Ndanda Lunda? (obviamente isto é só uma provocação para pensarmos, mera ilustração).

 

Não seria nenhum absurdo fazer tal afirmação, mas Ndanda Lunda não é Oxum. E Oxum não é Ndanda Lunda, embora haja uma possível correlação pelo elemento água. Todavia isso nem sempre é possível, uma vez que os bantu tem divindades singulares que não encontram similaridades com Orixás nagô. Como Kitembo.


d) O ritual de morte, conhecido como Ntambi, pode ser visto no interior de Minas Gerais, até os dias atuais, e tal ritual é extremamente similar ao que se passa no candomblé bantu, com corpo presente e demais elementos ritualísticos. 

Logo, não se sustenta a ideia de que foram os bantu que incorporaram elementos nagôs, com o passar do tempo as trocas se tornaram ferramentas de resistência, mas cada um respeitando as suas singularidades. Se houve um hiato de duzentos anos entre bantu e nagôs, é absurdo dizer que não havia culto africano ou até mesmo candomblé antes dos nagôs.

Para não me estender mais, finalizo dizendo que tentei pontuar algumas características teológicas, de cosmovisões e historicidades que diferem a crença bantu da crença nagô. Fazendo isso, acredito que respeito ambas identidades culturais/religiosas, devolvendo aos nagôs a possibilidade de contarem as suas histórias e a nós religiosos bantu o reforço a nossa identidade e filosofias. 

Devemos ser gratos aos antepassados que resistiram e trouxeram nossa tradição banta até hoje, pois esta ideia de que Orixá é Nkisi e vice-versa faz parte de um sistema opressor, violento de apagamento cultural, social e religioso de negros bantu no Brasil.

É preciso muita responsabilidade para expor socialmente dilemas do candomblé. Obviamente num dado momento foi vital para luta negra e da religião que fossemos todos uma coisa só, porém este tempo passou e é necessário, nos dias atuais, que demarquemos nossas identidades, isso não significa separar, mas respeitar a historicidade de cada linhagem, pois ancestral que não é lembrado deixa de existir.

Evitei entrar em pormenores religiosos, que explicam ainda mais as diferenças, mas acredito que tem coisas que só quem é de dentro deveria saber, porém já que muitos “estudiosos” do candomblé de dentro e de fora, tratam este ponto da “não diferença” como uma verdade, achei por bem expor ao menos um pouco uma outra mirada.

 

Argumentos aparentemente bem balizados, podem reforçar paradigmas excludentes e que invisibilizam uma população de terreiro que resiste até hoje para sustentar seus ancestrais bantu.

 

 

Publicado no perfil Facebook de Tata Sajemi la Lemba

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Transcrição: Luiz L. Marins

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